Instituto Nacional de Saúde Mental (NIHM) dos
Estados Unidos apresenta método diagnóstico de transtornos como a depressão, a
esquizofrenia e o transtorno bipolar
Agência FAPESP – Pesquisadores
ligados ao Instituto Nacional de Saúde Mental (NIHM) dos Estados Unidos estão
desenvolvendo um novo sistema de diagnóstico de transtornos mentais, como a
depressão, a esquizofrenia e o transtorno bipolar.
A mais recente versão do sistema foi apresentada
por Bruce Cuthbert, diretor da Divisão de Desenvolvimento de Pesquisa
Translacional e Tratamento de Adultos da NIHM, durante a São Paulo School of Advanced
Science for Prevention of Mental Disorders (Y Mind).
Promovida pela Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade Columbia, nos Estados
Unidos, e o King’s College, da Inglaterra, o evento, realizado no âmbito do
Programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), da FAPESP, ocorreu nos
dias 25 a 29 de março no campus da Unifesp, em São Paulo.
Foram selecionados 102 estudantes de
pós-graduação para participar da Escola, dentre os 270 inscritos, dos quais 25
eram provenientes do Estado de São Paulo, 27 de outros estados do Brasil e 50
do exterior, advindos de 25 países.
O diagnóstico dos transtornos mentais é realizado
atualmente com base na observação clínica de um conjunto de sinais e sintomas
apresentados pelos pacientes em um determinado período.
Segundo Cuthbert, apesar de útil e estar
disseminado amplamente pelos serviços médico, legal e social, o sistema está
defasado por ter sido desenvolvido em uma época em que o conhecimento em
genética, neurociências e ciências do comportamento humano era limitado.
“É preciso integrar genética, neurobiologia,
ambiente, comportamento e outros componentes fundamentais para desenvolver
medidas confiáveis e válidas de transtornos mentais que possam ser utilizadas
em estudos básicos e clínicos para esclarecer suas causas”, disse.
O NIHM estabeleceu em seu plano estratégico de
2008 a meta de desenvolver, para fins de pesquisa, novas maneiras de
classificar as bases do transtorno mental na dimensão do comportamento
observável e em medidas neurobiológicas.
Desde então, pesquisadores da instituição têm se
dedicado a identificar e incorporar recentes descobertas de componentes
genéticos, neurobiológicos e comportamentais que podem ser extensivos a
diversos tipos de transtornos mentais em seus estudos, com o intuito de
aprimorar o diagnóstico e o tratamento dos pacientes.
“Um distúrbio mental tem muitos mecanismos e cada
mecanismo abrange muitos tipos de transtornos”, afirmou Cuthbert. “É necessário
mudar de uma visão tradicional da fenomenologia clínica vigente hoje – calcada
nos aspectos de cognição, emoção, mente e cérebro – para uma abordagem do
comportamento baseada na análise de circuitos cerebrais importantes.”
Análise global
De acordo com Cuthbert, atualmente não são
exploradas abordagens baseadas nos circuitos cerebrais para o desenvolvimento
de diagnóstico e tratamento relevantes, que possam indicar a classificação e
mensurar um transtorno mental.
A fim de preencher essa lacuna, o novo método,
denominado NIHM Research Domain Criteria Project (RDoc), incluirá a análise dos
circuitos cerebrais dos pacientes como uma das unidades de estudo para
diagnosticar e medir seus níveis de transtorno mental.
“A análise dos circuitos cerebrais dos pacientes
com transtorno mental pode fornecer caminhos para a fisiopatologia [estudo dos
mecanismos e causas que levam ao aparecimento de uma doença]. As doenças
mentais são estudadas agora especificamente como distúrbios de circuitos
cerebrais”, disse Cuthbert.
Além dos circuitos cerebrais, outras unidades de
análises candidatas a integrar o novo modelo de classificação de transtornos
mentais desenvolvidos pelo NIHM são genes, moléculas, células, fisiologia,
comportamento e relatos pessoais, os quais incluem sintomas.
Cuthbert explica que estudos têm demonstrado que
certas variações genéticas podem aumentar o risco de desenvolver um transtorno
mental. Já influências ambientais e experiências, como o estresse traumático,
podem interagir com variações genéticas específicas durante períodos sensíveis
do desenvolvimento humano.
“A complexa interação entre genética, ambiente,
experiências e desenvolvimento pode agravar risco para transtornos mentais,
alterando a estrutura e função de vias neurais relevantes para algumas formas
de comportamento adaptativo”, disse.
O desafio, no entanto, é demonstrar como as
interações entre genes, ambiente, experiência e trajetória de desenvolvimento
pessoal contribuem para a formação e a função dos circuitos neurais. Ainda se
sabe pouco, por exemplo, sobre como a informação é armazenada nos circuitos
neurais.
“Melhorar a nossa compreensão das causas dos
transtornos mentais fornecerá a base necessária para aumentar a precisão do
diagnóstico e intervenção clínica”, afirmou Cuthbert.
Foco nos jovens
Na avaliação de Jair de Jesus Mari, professor do
Departamento de Psiquiatria da Unifesp e um dos coordenadores da Y Mind, o novo
sistema de diagnóstico de transtornos mentais em desenvolvimento pelo NIHM
deverá contribuir para o diagnóstico precoce das doenças mentais que surgem
especialmente na adolescência, quando o cérebro humano está se reorganizando.
Por conta disso, de acordo com Jesus Mari, as
ações de prevenção ao transtorno mental no Brasil – a exemplo do que vem sendo
feito em outros países – devem ser focadas nos jovens.
“Estudos realizados no Brasil e no exterior
apontam que, se pudermos intervir mais precocemente nesse grupo populacional
nessa fase crítica do desenvolvimento, em que os transtornos mentais surgem,
será possível diminuir a incidência de transtornos mentais graves, atrasar o
seu início ou, pelo menos, reduzir os prejuízos durante a sua progressão. Por
isso, queremos desenvolver um modelo de saúde mental que priorize mais a
questão da adolescência”, disse Jesus Mari.
Os pesquisadores brasileiros pretendem replicar
no Brasil uma experiência realizada em países como a Austrália, que implementou
centros de prevenção a transtornos mentais em jovens – denominados Headspace
Centres –, de modo a diagnosticar adolescentes que apresentam ou estão expostos
a fatores de risco que potencializam o desenvolvimento de adicções, estados
depressivos e transtornos mentais graves, como esquizofrenia e transtorno afetivo
bipolar.
Outro projeto que pode ser implantado no Brasil,
segundo Jesus Mari, é o desenvolvimento de um currículo sobre o que é saúde
mental para jovens, como ocorre no Canadá.
O plano dos pesquisadores é a criação de um
centro de convivência que ofereça atividades socioeducativas, como oficinas de
leitura, teatro, música e esportes, e concentre diversas ações de prevenção em
saúde mental. “A ideia é que nesse espaço realizemos uma ação articulada com a
escola, com agentes de saúde e com as famílias desses jovens”, disse Jesus
Mari.
Algumas das ações possíveis são a disseminação de
comportamentos sexuais saudáveis, o estímulo a atividades físicas e esportivas
e socioculturais e a conscientização sobre os riscos do consumo de álcool,
drogas e o tabagismo na adolescência.
Por meio da articulação com outros setores, como
o de educação e o judiciário, os especialistas pretendem identificar mais
precocemente jovens com maior probabilidade de desenvolver transtornos mentais
e que tenham dificuldade de adaptação social.
Entre eles, estão estudantes que praticam bullying
nas escolas, que são candidatos a apresentar comportamento agressivo e ter
problemas com a justiça, além de jovens alvos de violência física ou
psicológica no ambiente escolar ou que começaram a usar drogas pesadas.
“Precisamos ter um sistema de saúde mais aberto
que permita a esses jovens se comunicar com os profissionais de saúde e
estabelecer um diálogo franco. Isso pode contribuir para a identificação
precoce e possível redução da morbidade associada aos transtornos mentais que
se iniciam na infância e adolescência”, disse Jesus Mari.
Fonte:
Revista Fapesp - Edição Online 4/04/13
Por: Elton
Alisson
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