Índice de pessoas que consomem álcool uma vez por semana ou mais aumentou 20% nos últimos seis anos. Crescimento foi maior entre as mulheres (CDC) |
Agência FAPESP – Metade da população brasileira é abstêmia. Na
outra metade consumidora de álcool, no entanto, aumentou 20% o número de
pessoas que bebe de forma frequente (uma vez por semana ou mais) nos últimos
seis anos. Se considerada apenas a população feminina, mais suscetível aos
efeitos nocivos do álcool, o aumento foi de 34,5%.
Os dados são do 2º Levantamento Nacional de Álcool
e Drogas (Lenad), organizado pelo médico Ronaldo Laranjeira, coordenador da
Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp).
A pesquisa contou com apoio da FAPESP por meio do
Instituto Nacional de Políticas sobre Álcool e Outras Drogas (Inpad). Um dos
Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) instalados em São Paulo, o
Inpad é coordenado por Laranjeira.
As entrevistas foram realizadas em 2012 pelo Ipsos
Public Affairs e os dados foram divulgados nesta quarta-feira (10/04). Foram
ouvidas 4.607 pessoas maiores de 14 anos, em 149 municípios de todas as regiões
brasileiras. Os participantes responderam a um questionário com mais de 800
perguntas que tinha como objetivo avaliar o padrão de uso de álcool, tabaco e
drogas ilícitas, além de fatores associados ao uso problemático dessas
substâncias, como depressão e violência.
A primeira edição da pesquisa, realizada em 2006
com 3.007 entrevistados e apoio da FAPESP, surpreendeu especialistas em saúde
de todo o Brasil – e o próprio Laranjeira – ao revelar um índice alto de
abstinência no país: 48%. “Durante mais de 30 anos, acreditei que a taxa
brasileira era semelhante à europeia, em torno de 12%”, contou o pesquisador.
A boa notícia é que no levantamento mais recente o
número de abstêmios se manteve praticamente estável – com leve alta para 52%.
Porém, entre os bebedores, aqueles que adotam um padrão de consumo de álcool
considerado nocivo e batizado de “binge” – quatro unidades de álcool para
mulheres e cinco para homens em uma única ocasião – aumentou de 45% para 59%.
Mais uma vez a mudança é maior quando se considera apenas a população feminina,
passando de 36% para 49%.
“O aumento do consumo entre as mulheres,
especialmente nesse padrão ‘binge’, terá consequências importantes do ponto de
vista da saúde pública no médio prazo. Vai aumentar as taxas de câncer da
mulher brasileira”, estima Laranjeira.
Segundo o médico, as evidências apontam que o
consumo de duas ou mais doses de álcool por dia pela mulher aumenta em 20% o
risco de câncer de mama. Estima-se que 30% dos casos de câncer na população em
geral tenham o álcool como um agente causador.
Para Laranjeira, no entanto, um dos dados mais
preocupantes é que 20% dos adultos bebedores consomem 56% de todo o álcool
vendido no país. A maioria desse grupo é composta por homens jovens, com menos
de 30 anos.
“O padrão brasileiro é o de beber fora de casa, nas
ruas, nos bares, e de forma excessiva. Os jovens bebem para ficar bêbados e
isso aumenta muito o risco de prejuízos à saúde e de envolvimento com
violência, drogas e outros comportamentos de risco. A ideia que a indústria do
álcool tenta passar, de que no Brasil todo mundo bebe um pouco, não é
verdadeira”, afirmou Laranjeira.
O 2º Lenad mostrou também que, entre os bebedores,
16% consomem quantidades nocivas de álcool nas ocasiões em que bebem e dois em
cada dez apresentaram critérios para abuso ou dependência – o que corresponde à
realidade de 11,7 milhões de brasileiros.
Ainda entre os bebedores, 32% afirmaram já não
terem sido capazes de parar depois de começar a beber; 10% disseram que alguém
já se machucou em consequência do seu consumo de álcool; 8% admitiram que a
bebida já teve efeito prejudicial no trabalho e 9% admitiram prejuízo na
família ou no relacionamento.
Quase um terço dos homens jovens bebedores abusivos
se envolveu em briga com agressão física no último ano. O levantamento também
mostrou um índice mais elevado de depressão entre os que abusam de
álcool: 41%. A média de depressão na população em geral é de 25%. “É preciso
desassociar a imagem do álcool à alegria. Quem bebe e bebe muito tem mais
chance de ficar depressivo do que de ficar feliz”, destacou Laranjeira.
Regulamentação do mercado
Na avaliação de Laranjeira, o crescimento econômico
do Brasil nos últimos 10 anos e o consequente aumento da renda per capita é uma
das razões do aumento no consumo de álcool – o que torna o país um mercado
promissor para a indústria de bebidas.
“O brasileiro em geral está com maior poder
aquisitivo. Quem não gastava dinheiro com álcool continua não gastando. Mas os
que bebem estão gastando mais com bebida, especialmente as mulheres”, disse o
professor da Unifesp.
Outro fator por trás dessa mudança no padrão de
consumo, segundo Laranjeira, é a falta de regulamentação do mercado ou
fiscalização efetiva. “Como não há regras feitas pelo governo ou pela
sociedade, quem comanda o show é a indústria do álcool”, afirmou.
Além de aumento no preço da bebida alcoólica,
Laranjeira defende a diminuição dos pontos de venda – que, segundo dados da
Ambev, somam 1 milhão em todo o país.
“Há um ponto de venda de bebida alcoólica para cada
200 habitantes no Brasil. E a maioria vende para qualquer pessoa, inclusive
para menores de idade. São Paulo é o único estado com uma lei rígida para
inibir a venda de bebida para adolescentes, mas ainda precisa avançar na
fiscalização”, avaliou.
Laranjeira também defende a proibição da propaganda
de bebida alcoólica nos meios de comunicação, que considera direcionada
principalmente à população jovem.
“Outra medida importante é regular o horário dos
pontos de venda. Quando Diadema proibiu o funcionamento dos bares após as 23 horas,
a mortalidade por homicídio caiu mais de 90% no município. Isso é um exemplo de
uma medida política que faz a diferença. Já campanhas educativas em escolas,
por exemplo, adiantam muito pouco”, opinou.
Lei seca
Uma boa notícia revelada pelo 2º Lenad é que a nova
legislação relacionada aos limites de álcool no sangue tolerados para a
condução de veículos – popularmente chamada de “Lei seca” – vem surtindo
efeitos. De forma geral, houve queda de 21% na proporção de indivíduos que
relatam ter dirigido após o consumo de álcool no último ano.
“A população está respondendo à legislação, mas o
índice de pessoas que bebe e depois dirige ainda é alto, em torno de 21%. Nos
países desenvolvidos é de 1% ou 2%. Só a manutenção dessa política e o aumento
da fiscalização conseguirão fazer os números caírem ainda mais”, disse
Laranjeira.
Fonte:
Agência Fapesp / http://agencia.fapesp.br
Por Karina Toledo
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