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domingo, 18 de maio de 2014

Depressão por inflamação: Processos imunológicos desregulados podem estar relacionados a uma parcela dos casos de depressão


© DANIEL KONDO

Pesquisas recentes indicam que a perda da capacidade de regular adequadamente processos inflamatórios, desencadeados por diferentes formas de estresse físico ou mental, pode ser um dos fatores associados à ocorrência e à manutenção de um quadro de depressão em certas pessoas. Há também indícios preliminares de que pacientes cujo sangue apresenta altos índices de proteínas ligadas à ativação excessiva do sistema imunológico respondem de maneira menos adequada – quando respondem – aos remédios usualmente empregados contra esse problema psiquiátrico. Os fatores listados como possíveis causas de uma desregulação do sistema imunológico vão desde os conhecidos eventos traumáticos, como a morte de um parente próximo ou a notícia de uma doença grave, até hábitos ligados ao estilo de vida, caso da falta de exercícios físicos e da obesidade.
 
Em um trabalho publicado em janeiro deste ano na revista Translational Psychiatry, a equipe da bioquímica brasileira Livia A. Carvalho, do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública do University College London (UCL), constatou que 44 de 47 genes ligados à resposta anti-inflamatória apresentavam um padrão elevado de ativação no tipo mais comum de leucócitos, as células brancas de defesa do organismo, de pacientes com depressão severa que não tomavam medicamentos. Dois genes associados aos receptores de glicocorticoides (cortisol), hormônios importantes para regular o funcionamento do sistema imunológico e a resposta ao estresse, se mostraram pouco ativos nas pessoas com problemas psiquiátricos. O estudo comparou a expressão dos genes em 47 pessoas com depressão e 42 indivíduos saudáveis. “É possível que cerca de 30% dos casos de depressão estejam ligados a processos que envolvam uma inflamação pequena, mas crônica”, diz Livia. Essa inflamação pode alterar o estado mental de algumas pessoas mais suscetíveis porque provocam, entre outras alterações, modificações na produção de neurotransmissores, como a serotonina, importantes para o bem-estar cerebral.

Outro artigo recente da pesquisadora sugere que algumas pessoas com o sistema inflamatório excessivamente requisitado são pouco beneficiadas pelo uso de antidepressivos. Ela e colegas ingleses mediram os níveis de cortisol e de vários tipos de citosinas, pequenas proteínas que estimulam ou inibem a resposta inflamatória do organismo, no sangue de 19 pacientes com depressão que não se beneficiavam adequadamente do tratamento médico e de 21 pessoas sem problemas psiquiátricos. Os resultados do trabalho, que ganhou as páginas do Journal of Affective Disorders no final de 2012, indicam que as pessoas continuamente deprimidas apresentam concentrações mais elevadas de cortisol e de citosinas que estimulam a resposta do sistema imunológico. Talvez seja por isso, diz Livia, que os antidepressivos sejam pouco eficazes para minorar os sintomas de depressão em certos indivíduos.

O grupo da brasileira radicada em Londres é um dos que mais têm se dedicado a pesquisar se a inflamação é um dos mecanismos pelos quais o estresse psicológico desencadeia diversos tipos de doença, como depressão, problemas cardiovasculares e processos ligados ao envelhecimento precoce. Mas obviamente não é o único. Embora a esquizofrenia seja o foco central dos trabalhos de Daniel Martins de Souza, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), alguns de seus estudos mais recentes do proteoma (o conjunto de proteínas produzido por um organismo) tiveram como foco a depressão. Esses trabalhos também sugerem que moléculas fundamentais para o processo de inflamação parecem ter um papel importante em modular a eficácia ou não dos medicamentos contra a depressão.

Em artigo publicado em fevereiro deste ano no periódico Biological Psychiatry, Souza mostra que as proteínas integrina (fundamental para a resposta inflamatória) e ras (produzida por gene associado a certos tipos de câncer) apresentaram níveis mais elevados em pacientes com depressão que não melhoraram após terem sido tratados com antidepressivos do que em pessoas que se beneficiaram do uso dos medicamentos. “Estamos procurando marcadores biológicos que possam indicar se o paciente vai responder ou não ao tratamento”, afirma Souza, que retornou ao Brasil no início de 2014 após ter trabalhado por dois anos no Departamento de Psiquiatria da Ludwig Maximilians Universität (LMU) e ter sido colaborador no Instituto Max Planck de Psiquiatria, ambos em Munique.

© KERRY HYNDMAN / GETTYIMAGES
Dieta mediterrânea: frutas, legumes e azeite em teste contra a inflamação
Dieta mediterrânea: frutas, legumes e azeite em teste contra a inflamação

O trabalho analisou as concentrações de 1.919 proteínas presentes nos leucócitos de 20 pacientes com depressão crônica que participavam de um estudo tocado pelas instituições alemãs. Os níveis das moléculas foram medidos no momento em que os pacientes deram entrada no hospital da universidade e após terem recebido antidepressivos por seis semanas. Cerca de 30 proteínas apresentaram níveis distintos antes e depois de as pessoas começarem a ser medicadas. Entre as pessoas que melhoraram sua condição psiquiátrica com a medicação, os pesquisadores viram que a concentração da maioria das proteínas diminuiu depois de 42 dias de tratamento. O oposto ocorreu com os indivíduos que não responderam ao tratamento com antidepressivos. Nesses pacientes, os níveis das proteínas se elevaram. “Nossos dados sugerem que os antidepressivos afetam processos biológicos similares nas pessoas que respondem e nas que não respondem ao tratamento, mas em direções opostas”, diz Souza, que toca um projeto de Jovem Pesquisador financiado pela FAPESP na área de neuroproteômica e doenças psiquiátricas.

Além de entender o papel dos processos inflamatórios no desencadeamento da depressão, trabalhos como os de Livia, Souza e de outros pesquisadores perseguem também o objetivo de encontrar marcadores moleculares que indiquem se uma pessoa deprimida tende a melhorar se tomar antidepressivos. “O ideal era termos um teste de sangue que mostrasse se o paciente vai reagir ao tratamento”, diz Livia, que, desde 2008, investiga se citosinas inflamatórias, como a interleucina 6, podem ser esse marcador. Estudos feitos no UCL indicam que essa substância, produzida em situações de perigo e de estresse e capaz de alterar o funcionamento do cérebro, apresenta níveis elevados em pacientes com depressão. “Alguns trabalhos sugerem até que a interleucina 6 pode ser útil para prever quem desenvolverá quadros de depressão no futuro”, afirma a pesquisadora.

Outra molécula que pode ser útil para prever a eficácia do uso de antidepressivos é o fibrinogênio, proteína fundamental para a coagulação do sangue. Um estudo recente de Souza, também feito quando ainda estava na Alemanha, detectou concentrações mais altas dessa proteína em pacientes que não responderam ao tratamento do que nos que responderam. “Encontramos um candidato a marcador para a resposta ao uso de antidepressivos”, afirma Souza. “Como dois terços dos pacientes não respondem às primeiras tentativas de tratamento, seria ótimo identificar os que têm níveis altos de fibrinogênio e pensar em terapias alternativas.” Se uma resposta imunológica exacerbada pode ser uma das causas de problemas psiquiátricos, combater a inflamação pode ser uma abordagem complementar ao emprego de antidepressivos. Por isso há estudos que testam até o emprego da aspirina ou de dietas anti-inflamatórias, como a mediterrânea (rica em vegetais, frutas, azeite e com pouca carne vermelha), como terapias suplementares contra a depressão.

Estresse, sono e envelhecimento
Uma das vantagens dos trabalhos de Livia na Inglaterra é contar com um grupo de mais de 10 mil pessoas de meia-idade e idosos cujo estado de saúde, inclusive o psiquiátrico, vem sendo acompanhado por pesquisadores do University College London. Trata-se do estudo epidemiológico Whitehall II. Esse contingente de homens e mulheres, que tinham entre 35 e 55 anos de idade no início do estudo, forneceu subgrupos de pacientes que permitiram à pesquisadora brasileira e seus colegas ingleses realizar uma série de estudos relacionando estresse/inflamação à depressão e também a outras doenças.
Cristais de serotonina: inflamação pode alterar produção de neurotransmissores
Cristais de serotonina: inflamação pode alterar produção de neurotransmissores
© ASIEKA / SCIENCE PHOTO LIBRARY

Um desses trabalhos recentes, publicado em março deste ano na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), mostra que homens saudáveis, com idade entre 54 e 76 anos, expostos a estresse psicológico contínuo – com poucos amigos, pessimistas diante da vida e personalidade agressiva – apresentam telômeros menores e produzem uma forma menos funcional da enzima que repara essa estrutura celular. A redução no tamanho dos telômeros, que protegem a ponta dos cromossomos, é interpretada como um indicador do processo de envelhecimento celular. Telômeros menores são um sinal de degradação biológica. “O estresse psicológico parece acelerar o processo de envelhecimento, em parte por desencadear uma inflamação crônica”, afirma Livia. Há dois anos, em outro artigo no mesmo periódico, Livia e colegas já haviam mostrado que homens que dormiam cinco ou menos horas por dia apresentavam telômeros 6% menores do que os que tinham sete horas diárias de sono. Em ambos os trabalhos as alterações nos telômeros não foram encontradas nas mulheres que participaram dos estudos. Isso talvez se deva ao fato de as mulheres, devido a suas peculiaridades hormonais, responderem ao estresse de forma diferente dos homens.

Boa parte dos trabalhos que relacionam depressão a diferentes formas de inflamação é feita em adultos de meia-idade ou idosos. Livia se associou recentemente a grupos de pesquisa de universidades brasileiras para estudar esse tema em populações mais jovens e de perfil distinto. A equipe da pediatra Heloisa Bettiol, professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, mediu os níveis de 42 citosinas, ligadas ao processo inflamatório, em um grupo de 1.400 gestantes que já vinham sendo acompanhadas pelos pesquisadores da universidade. Um dos objetivos é ver se mães com altos índices de proteínas inflamatórias teriam maior propensão a ter depressão durante a gravidez ou após o parto. “Ainda estamos tabulando os dados e em breve teremos dados sobre essa questão”, diz Heloisa.

A professora Kênia Mara Baiocchi de Carvalho, da Universidade de Brasília (Unb), aproveitou os trabalhos regionais de um grande estudo nacional sobre a saúde dos adolescentes de 12 a 17 anos, o projeto Erica, para analisar a presença de proteínas ligadas à inflamação no sangue de 1.400 jovens da capital federal. “Não aplicamos um teste para ver se eles estavam deprimidos, mas algumas perguntas feitas no estudo podem nos dar uma ideia de se os adolescentes estavam submetidos a estresse psicológico”, diz Kênia. Como no caso de Heloisa, os dados ainda estão sendo analisados. Mas, se tudo der certo, novas informações sobre possíveis ligações entre  estresse/inflamação e depressão na população brasileira devem ser divulgadas.

Projeto
Desenvolvimento de um teste preditivo para medicação bem-sucedida e compreensão das bases moleculares da esquizofrenia através da proteômica (nº 13/08711-3); Modalidade Programa Jovem pesquisador; Pesquisador responsável Daniel Martins de Souza (IB-Unicamp); Investimento R$ 926.108,49 (FAPESP).

Fonte: Revista Fapesp - edição 219 / 2014

quinta-feira, 13 de março de 2014

Depressão, uma doença inflamatória?

Estão se acumulando indicações de que a depressão poderia ser consequência de desajustes no sistema de defesa do organismo. Desse modo, uma inflamação poderia precipitar o surgimento e agir como um fator de continuidade da doença. Com base nessa possibilidade, acredita-se que, se forem encontradas uma ou várias moléculas que possam servir como marcadores da depressão, seria possível prever a evolução da depressão e melhorar a resposta aos tratamentos. Ao estudar os níveis de proteínas no sangue de pessoas com depressão tratadas em um hospital de Munique, na Alemanha, o biólogo brasileiro Daniel Martins de Souza verificou que o fibrinogênio, proteína essencial para a coagulação do sangue, apresentou-se em níveis mais altos nos pacientes que não responderam à medicação, em comparação com os que responderam. “Encontramos um candidato a marcador para a resposta ao uso de antidepressivos”, diz Souza, de volta ao Brasil para dar aulas na Unicamp. “Como dois terços dos pacientes não respondem às primeiras tentativas de tratamento, seria ótimo identificar os que têm níveis altos de fibrinogênio e pensar em terapias alternativas.” Em um estudo a ser publicado na Translational Psychiatry, Souza e seus colegas da Alemanha e do Brasil lembram que até mesmo a aspirina, por inibir a ação do fibrinogênio, poderia ser cogitada como um medicamento complementar para tratar a depressão.

Fonte: Revista Fapesp - edição 217 - 2014

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Energia para os neurônios: Estimulação com corrente elétrica de baixa intensidade amadurece como técnica promissora no tratamento contra depressão


© LÉO RAMOS
Representação artística dos efeitos da estimulação elétrica
Representação artística dos efeitos da estimulação elétrica
Em um final de tarde de janeiro, o psiquiatra Leandro Valiengo abriu um dos armários do já quase deserto quarto andar do Hospital Universitário (HU) da Universidade de São Paulo (USP), retirou uma mala preta, colocou-a sobre o colchonete azul de uma maca e apresentou o equipamento que está sendo visto como uma nova forma de tratamento contra depressão e outros distúrbios neuropsiquiátricos: é um aparelho de estimulação transcraniana de corrente contínua (ETCC). “É muito simples”, ele diz. O aparelho é uma caixa de tamanho aproximado ao de um laptop, com um teclado para se registrar o código de cada paciente em tratamento e alguns botões para regular o fornecimento de energia. De uma das laterais saem dois fios em cujas pontas há dois eletrodos – um positivo e um negativo – que são fixados nas têmporas por meio de uma bandana. Os eletrodos geram uma corrente elétrica de baixa intensidade que atravessa o córtex, a região mais superficial do cérebro, durante 20 a 30 minutos seguidos, e desse modo ajuda a restabelecer o funcionamento normal dos neurônios.
 
Por meio de estudos realizados em vários países, milhares de pessoas – cerca de 250 delas no Brasil – já foram tratadas por meio da ETCC, uma técnica experimental que amadurece a passos firmes, aparentemente com efeitos colaterais mínimos, e ganha consistência como alternativa ou complementação ao uso de medicamentos, principalmente contra depressão, o mais disseminado dos distúrbios psíquicos. Um levantamento coordenado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) detectou os sintomas da depressão em quase um terço da população brasileira (ver quadro). Novas técnicas de tratamento são a princípio bem-vindas porque 30% das pessoas com depressão não respondem aos medicamentos atuais, que, quando aceitos, podem causar efeitos colaterais indesejados, como ganho de peso, perda de libido ou insônia, que limitam a adesão ao tratamento.
 
Em outubro de 2013, o psiquiatra André Brunoni e sua equipe do Hospital Universitário da USP iniciaram um teste amplo em que 240 participantes com depressão grave, divididos em três grupos, deviam receber diariamente, durante 10 semanas, estimulação elétrica real ou simulada, um antidepressivo conhecido como escitalopram (Lexapro) ou placebo. Realizado no Centro de Pesquisas Clínicas e Epidemiológicas do HU-USP em colaboração com o Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, esse estudo é chamado de duplo-cego porque os participantes e os pesquisadores só sabem no final se o que foi aplicado era um tratamento efetivo ou simulado (a enfermeira coloca os eletrodos na têmpora dos participantes, mas não sabe se de fato se formou uma corrente elétrica entre os eletrodos). Se tudo correr bem, esse teste deve indicar se o efeito da estimulação elétrica poderia ser equivalente ou superior ao do medicamento e, além disso, qual o perfil das pessoas com depressão que poderiam responder melhor a um tipo ou outro de tratamento, de acordo com seu perfil genético e comportamental, que serão avaliados por meio de exames de sangue, tomografias e entrevistas ao longo de quatro anos.
 
Em um estudo anterior, com 103 participantes com depressão grave acompanhados durante seis semanas, Brunoni e sua equipe verificaram que a estimulação elétrica poderia ampliar o efeito de um antidepressivo de uso amplo, a sertralina (nome comercial, Zoloft), que, assim como o escitalopram, apresenta o mesmo mecanismo de ação da fluoxetina (Prozac) – todos prolongam a ação de neurotransmissores como a serotonina, essenciais para o funcionamento dos neurônios.
© LÉO RAMOS
Manequim com bandana e eletrodos do aparelho de estimulação elétrica, usado para esclarecer funções cognitivas (imagens ao fundo)
Manequim com bandana e eletrodos do aparelho de estimulação elétrica, usado para esclarecer funções cognitivas (imagens ao fundo)
 
De acordo com o artigo que detalha os resultados, publicado em 2013 no JAMA Psyquiatry, o efeito do tratamento combinado – estimulação elétrica e sertralina – foi não só mais intenso, mas também mais rápido, já que os participantes desse grupo relataram remissão dos sintomas a partir da segunda semana de tratamento, enquanto os de outros grupos, que haviam tomado apenas medicação, estimulação elétrica ou placebo, relataram melhoras no bem-estar seis semanas após o início da terapia. “Aparentemente os efeitos são complementares e atingem regiões diferentes, a sertralina com uma ação mais subcortical e a estimulação elétrica com uma ação mais intensa na região cortical”, diz Brunoni. Talvez por causa desse efeito ampliado é que no grupo de tratamento combinado de ETCC e sertralina houve um número maior de pessoas (5, ante apenas 1 em cada um dos outros grupos) que apresentaram euforia, o efeito oposto ao da depressão, com duração máxima de duas semanas.
 
Na etapa seguinte, 42 participantes do estudo que haviam tomado placebo foram convidados a receber antidepressivo e estimulação elétrica efetivos. Desta vez, os participantes do estudo foram tratados por seis semanas e acompanhados por seis meses, e o que se viu foi que, após interromper as aplicações, os sintomas de depressão retornaram em 25% dos pacientes com quadros clínicos menos graves e em 70% dos que eram resistentes a qualquer medicamento. Não há demérito nesse resultado, assegura Leandro Valiengo, da equipe de Brunoni, porque os benefícios dos medicamentos antidepressivos também cessam quando as pessoas param de tomá-los.
 
“A duração do efeito da estimulação elétrica, de algumas semanas, é similar ao da eletroterapia convulsiva”, diz ele. Essa técnica, conhecida como ETC ou eletrochoque, consiste na aplicação de uma descarga elétrica única e elevada – de até 1 ampère – em pacientes que têm de ser anestesiados. Ainda é bastante usada, apesar dos efeitos colaterais, como a perda de memória, porque é o único método eficaz quando as pessoas com depressão grave não respondem a nenhum outro tratamento. Na ETCC, uma corrente contínua de 2 miliampères, 400 vezes menor, é aplicada durante 20 a 30 minutos em pessoas acordadas. “A estimulação elétrica é muito mais simples e segura que a eletroterapia convulsiva”, assegura Brunoni, que em 2011 avaliou o uso da ETCC em 14 pessoas com transtorno bipolar, obtendo resultados que considerou animadores.
 
A estimulação elétrica é também mais simples que a estimulação magnética por corrente contínua, em que uma bobina, quando ativada, forma um campo magnético, que por sua vez gera um campo elétrico de baixa intensidade no córtex. Aprovada em 2008 nos Estados Unidos e em 2009 no Brasil para tratamento contra depressão, a estimulação magnética é considerada um tratamento caro, exige acompanhamento médico, por causa do risco de convulsões, e só pode ser aplicada em centros médicos especializados. Acredita-se que a estimulação elétrica poderia ter um uso mais amplo, porque o custo do aparelho é menor e, se aprovada pelos órgãos reguladores, poderia ser adotada em centros de saúde e empregada tanto por médicos quanto por outros profissionais da saúde.
© LÉO RAMOS
Versões portáteis dos aparelhos de estimulação elétrica, que, se aprovados, poderiam facilitar o tratamento contra depressão
Versões portáteis dos aparelhos de estimulação elétrica, que, se aprovados, poderiam facilitar o tratamento contra depressão
 
Há indicações de que poderia tanto estimular quanto inibir a atividade dos neurônios, dependendo da posição em que os eletrodos são colocados – a estimulação magnética e a eletroterapia convulsiva apenas estimulam os neurônios. Essa possibilidade poderia ampliar suas aplicações. Desde 2006, estudos duplos-cegos – inicialmente com uma corrente elétrica elevada, de 500 miliampères – indicam que a ETCC, além de ser bem tolerada, poderia causar uma redução dos sinais de várias doenças. O médico brasileiro Felipe Fregni está avaliando a ação dessa técnica em pessoas com Parkinson atendidas no hospital da Universidade Harvard, Estados Unidos, e, associada com exercícios aeróbicos, em pessoas com fibromialgia, uma síndrome caracterizada por dores musculares crônicas por todo o corpo, atendidas em hospitais de São Paulo.
 
Os efeitos colaterais da estimulação elétrica registrados até agora parecem mínimos, o que contribui bastante para que os testes de eficácia continuem. Até o momento, verificou-se que a passagem da corrente pelos eletrodos colocados sobre o crânio causa apenas a sensação de formigamento durante alguns segundos e uma vermelhidão por cerca de 20 minutos na região sobre a qual é aplicado um bloco de esponja com os eletrodos positivo ou negativo. Segundo Valiengo, esses efeitos são bem mais amenos e passageiros que os de medicamentos antidepressivos, que podem causar taquicardia ou perda de interesse sexual.
 
IncertezasAinda há ajustes a serem feitos. Estudos como os do Hospital Universitário da USP, registrando a volta dos sintomas da depressão após o tratamento, são importantes porque mostram os limites do efeito desejado e alertam para a necessidade de definição de detalhes clínicos, principalmente sobre a dosagem e a periodicidade mais adequadas para cada aplicação, como se faz normalmente com novos tratamentos. “Uma sessão de estimulação elétrica a cada 15 dias não foi suficiente e talvez seja melhor uma ou duas vezes por semana”, observa Brunoni. “Esse é um mundo novo, que precisamos conhecer melhor”, reitera Valiengo. Ele próprio está avaliando a ETCC como alternativa para tratar depressão em pessoas que sofreram acidente vascular cerebral (AVC), para as quais os efeitos colaterais dos medicamentos podem ser muito prejudiciais. Em um estudo duplo-cego do qual devem participar 48 pessoas, 33 já receberam tratamento simulado ou efetivo. No Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, ligado à USP, o neurologista Marcel Simis emprega a estimulação elétrica, ainda experimentalmente, em estudos duplos-cegos como técnica complementar na reabilitação de pessoas com AVC. Desse modo, ele acredita, talvez seja possível estimular a área lesada do cérebro e inibir a área preservada, evitando a sobrecarga de um dos hemisférios cerebrais – a lesão de um lado do cérebro faz o outro lado trabalhar mais intensamente. “A estimulação elétrica, em associação com outras técnicas, deve ampliar nosso conhecimento sobre os limites da plasticidade neuronal”, afirma Simis.
 
Por ser uma técnica ainda experimental, os participantes dos estudos têm de ir aos hospitais para receber as aplicações de corrente elétrica. Aparelhos portáteis, porém, já estão em desenvolvimento e em avaliação. Se forem aprovados e adotados por médicos e pacientes, talvez possam permitir a redução do custo do tratamento, evitando internações. Os especialistas também acreditam que a ETCC permitiria um controle do tratamento até maior do que o obtido com os medicamentos, que os pacientes podem tomar a menos ou a mais que o recomendado.
 
Os aparelhos de estimulação elétrica cerebral são simples e de baixo custo (cerca de R$ 6 mil) – essencialmente, um gerador de corrente contínua com um amperímetro e uma saída para eletrodos. Essas características podem facilitar seu manuseio, mas também aumentar o risco de acidentes e de mau uso. “Já houve quem tentou construir o aparelho, seguindo instruções encontradas na internet, e queimou a pele”, relatou Valiengo. Uma empresa dos Estados Unidos produz e vende pela internet aparelhos de estimulação cerebral para aumentar o desempenho de jogadores de videogames, argumento que não precisa de registro nos órgãos de governo porque não se trata de um dispositivo médico. Como não há evidências nem dos benefícios reais nem dos riscos possíveis do uso, os especialistas estão preocupados. “A configuração dos eletrodos não faz sentido”, alerta Paulo Sergio Boggio, pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie e um dos pioneiros nessa área no Brasil, mostrando na tela de seu computador o aparelho da empresa norte-americana.
 
A possibilidade de acesso fácil ao aparelho de estimulação elétrica traz alguns dilemas éticos, que as equipes de Boggio e de Brunoni apresentam em um artigo a ser publicado na revista Psychology & Neuroscience. Os médicos poderiam recomendar ou permitir que pessoas saudáveis usassem essa técnica para aumentar o desempenho escolar, para se manterem mais ligadas e enfrentarem concursos com mais tranquilidade ou para reduzir a impulsividade ou a inquietação dos filhos? Há também o risco de uso forçado por pilotos de caça ou controladores de voo, e não se sabe ainda como resolver essas situações. “Sabemos que o uso da estimulação pode ser benéfico durante 30 minutos por dia”, observa Brunoni. “Mais do que esse limite, não sabemos.”
 
Além de participar de estudos clínicos com outros grupos de pesquisadores, Boggio usa a estimulação elétrica como uma abordagem complementar de pesquisa de funções cognitivas. Por permitir a estimulação ou inibição de regiões específicas do córtex, de acordo com a posição dos eletrodos, essa técnica indicou que poderia haver uma relação causal entre a ativação do córtex pré-frontal direito e o comportamento de risco, para a qual outra técnica, a ressonância magnética, havia indicado apenas uma associação. Em seu laboratório, Boggio verificou também que essa técnica, por estimular regiões do córtex associadas à tomada de decisões, poderia ajudar as pessoas a deter seus impulsos para beber, fumar ou comer em excesso, o que abre perspectiva de aplicações para controle de compulsões para o uso de drogas ou para o jogo patológico. “A estimulação anódica no córtex pré-frontal acentuou a cautela e favoreceu a tomada de decisões, o que poderia beneficiar as pessoas não só no mundo dos negócios, mas em qualquer comportamento”, diz. Em outro teste, feito em colaboração com Dora Fix Ventura e Thiago Costa, ambos do Instituto de Psicologia da USP, Boggio verificou um ganho na percepção de cores. “Se a estimulação elétrica interfere positivamente nos processos de percepção visual”, ele imagina, “não poderia ser usado para ajudar pessoas com danos no sistema visual?”
 
Depressão no Brasil
A frequência de sintomas é maior em mulheres, mais velhos, mais pobres e moradores da região Norte
Quase um terço da população brasileira apresenta sintomas de depressão, de acordo com um levantamento nacional coordenado por uma equipe da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Nesse estudo, parte do I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, foram entrevistadas 3.007 pessoas com idade mínima de 14 anos, representando o perfil demográfico da população, em 143 cidades do país, de novembro de 2005 a abril de 2006.
Nesse trabalho, o primeiro de alcance nacional, publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria em 2013, a frequência de pessoas com sintomas de depressão na população amostrada foi de 28,27%, a maioria delas (15%) com sinais de depressão severa. É uma média bem mais alta que a de levantamentos anteriores, feitos separadamente em São Paulo, Brasília e Porto Alegre, que indicaram uma taxa de sintomas de depressão de no máximo 10% da população amostrada. Mesmo considerando a possibilidade de que o rastreamento de possíveis casos de depressão possa levar a falsos positivos, embora seja uma metodologia aprovada internacionalmente. “A depressão no Brasil provavelmente é alta mesmo”, diz o psiquiatra Cassiano Coelho, da Unifesp.

Como em outros estudos, as mulheres apresentaram uma taxa de sintomas de depressão de duas a três vezes maior que a dos homens, e as pessoas com mais de 60 anos apresentaram uma propensão à depressão maior que os mais jovens. Diferentemente de outros estudos, os adolescentes com idade entre 14 e 17 anos apresentaram uma alta frequência de sintomas de depressão, maior que a verificada entre pessoas com 18 a 44 anos, o que os autores do levantamento consideram uma razão para preocupação e para análises mais aprofundadas. Os moradores da região Norte do Brasil, amostrados provavelmente pela primeira vez, foram os que apresentaram as taxas mais elevadas, em comparação com os de outras regiões.
 
A hipótese dos pesquisadores é que a depressão poderia ser um fenômeno associado ao isolamento social e à soma de posições sociais e econômicas desfavoráveis, ao acometer com frequência maior “pessoas com menor escolaridade e renda mais baixa”, diz Coelho. Em uma situação extrema, uma mulher viúva, sem filhos, amigos ou vizinhos, de pouco estudo e baixa renda, vivendo isolada em uma área pobre da região Norte, teria uma propensão maior à depressão que uma mulher com círculo social mais amplo, mais estudo e mais expectativa de melhoria de vida.
 
ProjetoEscitalopram e estimulação transcraniana por corrente contínua no transtorno depressivo maior: um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, placebo-controlado de não Inferioridade (nº 12/20911-5); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Andre Russowsky Brunoni – USP; Investimento R$ 453.591,70.
Artigos científicosBRUNONI, A.R. et al. The sertraline vs. electrical current therapy for treating depression clinical study: results from a factorial, randomized, controlled trial. JAMA Psychiatry. v. 70, n. 4, p. 383-91. 2013.
COELHO, C.L.S. et al. Higher prevalence of major depressive symptoms in Brazilians aged 14 and older. Revista Brasileira de Psiquiatria. v. 35, n. 2, p. 142-43. abr.-jun. 2013.
KRISHNADAS R, CAVANAGH J. Depression: an inflammatory illness? Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry. vol. v. 84, n. 5, p. 495-502. 2012.
 
FONTE: Revista Fapesp  Edição 216 - Fevereiro de 2014
Por: CARLOS FIORAVANTI | Edição 216 - Fevereiro de 2014

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Sistema para aprimorar diagnóstico de transtornos mentais



Instituto Nacional de Saúde Mental (NIHM) dos Estados Unidos apresenta método diagnóstico de transtornos como a depressão, a esquizofrenia e o transtorno bipolar 

Agência FAPESP – Pesquisadores ligados ao Instituto Nacional de Saúde Mental (NIHM) dos Estados Unidos estão desenvolvendo um novo sistema de diagnóstico de transtornos mentais, como a depressão, a esquizofrenia e o transtorno bipolar.

A mais recente versão do sistema foi apresentada por Bruce Cuthbert, diretor da Divisão de Desenvolvimento de Pesquisa Translacional e Tratamento de Adultos da NIHM, durante a São Paulo School of Advanced Science for Prevention of Mental Disorders (Y Mind).

Promovida pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade Columbia, nos Estados Unidos, e o King’s College, da Inglaterra, o evento, realizado no âmbito do Programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), da FAPESP, ocorreu nos dias 25 a 29 de março no campus da Unifesp, em São Paulo.

Foram selecionados 102 estudantes de pós-graduação para participar da Escola, dentre os 270 inscritos, dos quais 25 eram provenientes do Estado de São Paulo, 27 de outros estados do Brasil e 50 do exterior, advindos de 25 países.

O diagnóstico dos transtornos mentais é realizado atualmente com base na observação clínica de um conjunto de sinais e sintomas apresentados pelos pacientes em um determinado período.

Segundo Cuthbert, apesar de útil e estar disseminado amplamente pelos serviços médico, legal e social, o sistema está defasado por ter sido desenvolvido em uma época em que o conhecimento em genética, neurociências e ciências do comportamento humano era limitado.

“É preciso integrar genética, neurobiologia, ambiente, comportamento e outros componentes fundamentais para desenvolver medidas confiáveis e válidas de transtornos mentais que possam ser utilizadas em estudos básicos e clínicos para esclarecer suas causas”, disse.

O NIHM estabeleceu em seu plano estratégico de 2008 a meta de desenvolver, para fins de pesquisa, novas maneiras de classificar as bases do transtorno mental na dimensão do comportamento observável e em medidas neurobiológicas.

Desde então, pesquisadores da instituição têm se dedicado a identificar e incorporar recentes descobertas de componentes genéticos, neurobiológicos e comportamentais que podem ser extensivos a diversos tipos de transtornos mentais em seus estudos, com o intuito de aprimorar o diagnóstico e o tratamento dos pacientes.

“Um distúrbio mental tem muitos mecanismos e cada mecanismo abrange muitos tipos de transtornos”, afirmou Cuthbert. “É necessário mudar de uma visão tradicional da fenomenologia clínica vigente hoje – calcada nos aspectos de cognição, emoção, mente e cérebro – para uma abordagem do comportamento baseada na análise de circuitos cerebrais importantes.”

Análise global
De acordo com Cuthbert, atualmente não são exploradas abordagens baseadas nos circuitos cerebrais para o desenvolvimento de diagnóstico e tratamento relevantes, que possam indicar a classificação e mensurar um transtorno mental.

A fim de preencher essa lacuna, o novo método, denominado NIHM Research Domain Criteria Project (RDoc), incluirá a análise dos circuitos cerebrais dos pacientes como uma das unidades de estudo para diagnosticar e medir seus níveis de transtorno mental.

“A análise dos circuitos cerebrais dos pacientes com transtorno mental pode fornecer caminhos para a fisiopatologia [estudo dos mecanismos e causas que levam ao aparecimento de uma doença]. As doenças mentais são estudadas agora especificamente como distúrbios de circuitos cerebrais”, disse Cuthbert.

Além dos circuitos cerebrais, outras unidades de análises candidatas a integrar o novo modelo de classificação de transtornos mentais desenvolvidos pelo NIHM são genes, moléculas, células, fisiologia, comportamento e relatos pessoais, os quais incluem sintomas.

Cuthbert explica que estudos têm demonstrado que certas variações genéticas podem aumentar o risco de desenvolver um transtorno mental. Já influências ambientais e experiências, como o estresse traumático, podem interagir com variações genéticas específicas durante períodos sensíveis do desenvolvimento humano.

“A complexa interação entre genética, ambiente, experiências e desenvolvimento pode agravar risco para transtornos mentais, alterando a estrutura e função de vias neurais relevantes para algumas formas de comportamento adaptativo”, disse.

O desafio, no entanto, é demonstrar como as interações entre genes, ambiente, experiência e trajetória de desenvolvimento pessoal contribuem para a formação e a função dos circuitos neurais. Ainda se sabe pouco, por exemplo, sobre como a informação é armazenada nos circuitos neurais.

“Melhorar a nossa compreensão das causas dos transtornos mentais fornecerá a base necessária para aumentar a precisão do diagnóstico e intervenção clínica”, afirmou Cuthbert.

Foco nos jovens
Na avaliação de Jair de Jesus Mari, professor do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e um dos coordenadores da Y Mind, o novo sistema de diagnóstico de transtornos mentais em desenvolvimento pelo NIHM deverá contribuir para o diagnóstico precoce das doenças mentais que surgem especialmente na adolescência, quando o cérebro humano está se reorganizando.

Por conta disso, de acordo com Jesus Mari, as ações de prevenção ao transtorno mental no Brasil – a exemplo do que vem sendo feito em outros países – devem ser focadas nos jovens.

“Estudos realizados no Brasil e no exterior apontam que, se pudermos intervir mais precocemente nesse grupo populacional nessa fase crítica do desenvolvimento, em que os transtornos mentais surgem, será possível diminuir a incidência de transtornos mentais graves, atrasar o seu início ou, pelo menos, reduzir os prejuízos durante a sua progressão. Por isso, queremos desenvolver um modelo de saúde mental que priorize mais a questão da adolescência”, disse Jesus Mari.

Os pesquisadores brasileiros pretendem replicar no Brasil uma experiência realizada em países como a Austrália, que implementou centros de prevenção a transtornos mentais em jovens – denominados Headspace Centres –, de modo a diagnosticar adolescentes que apresentam ou estão expostos a fatores de risco que potencializam o desenvolvimento de adicções, estados depressivos e transtornos mentais graves, como esquizofrenia e transtorno afetivo bipolar.

Outro projeto que pode ser implantado no Brasil, segundo Jesus Mari, é o desenvolvimento de um currículo sobre o que é saúde mental para jovens, como ocorre no Canadá.

O plano dos pesquisadores é a criação de um centro de convivência que ofereça atividades socioeducativas, como oficinas de leitura, teatro, música e esportes, e concentre diversas ações de prevenção em saúde mental. “A ideia é que nesse espaço realizemos uma ação articulada com a escola, com agentes de saúde e com as famílias desses jovens”, disse Jesus Mari.

Algumas das ações possíveis são a disseminação de comportamentos sexuais saudáveis, o estímulo a atividades físicas e esportivas e socioculturais e a conscientização sobre os riscos do consumo de álcool, drogas e o tabagismo na adolescência.

Por meio da articulação com outros setores, como o de educação e o judiciário, os especialistas pretendem identificar mais precocemente jovens com maior probabilidade de desenvolver transtornos mentais e que tenham dificuldade de adaptação social.

Entre eles, estão estudantes que praticam bullying nas escolas, que são candidatos a apresentar comportamento agressivo e ter problemas com a justiça, além de jovens alvos de violência física ou psicológica no ambiente escolar ou que começaram a usar drogas pesadas.

“Precisamos ter um sistema de saúde mais aberto que permita a esses jovens se comunicar com os profissionais de saúde e estabelecer um diálogo franco. Isso pode contribuir para a identificação precoce e possível redução da morbidade associada aos transtornos mentais que se iniciam na infância e adolescência”, disse Jesus Mari.

Fonte: Revista Fapesp - Edição Online 4/04/13
Por: Elton Alisson

sábado, 16 de fevereiro de 2013

USP testa estimulação com corrente elétrica para depressão


Pesquisadores da USP testam uma alternativa indolor, de baixo custo e com poucos efeitos colaterais para o tratamento da depressão.

Trata-se da estimulação com corrente elétrica contínua. E, ao que indica um estudo publicado pelo grupo no "Jama Psychiatry", revista da Associação Médica Americana, a técnica é eficaz.

Na pesquisa, 120 pessoas com depressão foram divididas em grupos para avaliar a eficácia da técnica, do antidepressivo sertralina (um inibidor da recaptação da serotonina) e da combinação dos dois tratamentos.

Drogas e estimulação tiveram resultados similares e, juntas, um resultado ainda melhor. Entre os que usaram as terapias combinadas, 63% tiveram alguma melhora.

Desses, 46% tiveram remissão, ou seja, a ausência completa de sintomas.

Segundo André Brunoni, psiquiatra do Hospital Universitário da USP e principal autor da pesquisa, esse é o primeiro estudo a comparar o tratamento com antidepressivos e a combiná-los.

A explicação para o sucesso dessa soma ainda precisa ser confirmada por exames de imagem, mas os pesquisadores imaginam que a estimulação e o remédio atuem em diferentes regiões do cérebro ligadas à depressão.

A técnica, ainda experimental, tem poucos efeitos colaterais (no estudo, foram observados vermelhidão na área da cabeça onde os eletrodos foram posicionados e sete episódios de mania) e custo relativamente baixo.

O aparelho é simples de ser fabricado, pode ser portátil e custa de R$ 500 a R$ 1.000, segundo Brunoni.

Um aparelho de estimulação magnética transcraniana (técnica de neuromodulação não invasiva mais estudada e que recebeu o aval para depressão no Brasil em 2012) chega a custar de US$ 30 mil a US$ 50 mil (R$ 59 mil a R$ 119 mil).
 

CONVINCENTE

A estimulação por corrente contínua não é novidade --pesquisas em humanos para depressão e esquizofrenia são feitas desde a década de 1960. Os estudos foram retomados a partir de 1990, mas a quantidade é pequena.

"Até esse estudo da USP, os resultados desse tipo de estimulação não eram muito convincentes. Talvez isso se modifique agora", afirma Marcelo Berlim, professor assistente do departamento de psiquiatria da Universidade McGill, em Montréal, Canadá, e diretor da clínica de neuromodulação da instituição.

"É um avanço importante, mas não significa que vamos usar amanhã na prática clínica. Precisamos de mais estudos", diz Brunoni.

Berlim afirma que um dos entraves para que sejam feitas pesquisas maiores para a aprovação da técnica é a falta de investimento de grandes fabricantes do aparelho.

"Como ele é simples e barato, não há interesse por parte da indústria em desenvolver pesquisas de milhões de dólares", afirma o psiquiatra.

ELETROCHOQUE

Bobinas e eletrodos na cabeça não são exclusividade da estimulação elétrica por corrente contínua. Duas técnicas similares, que têm em comum a ausência de medicação, são usadas e aprovadas para depressão no país.

A eletroconvulsoterapia, conhecida como eletrochoque, é a mais invasiva. O paciente recebe anestesia geral, e os eletrodos induzem uma corrente elétrica no cérebro que provoca a convulsão, alterando os níveis de neurotransmissores e neuromoduladores, como a serotonina.

Ela é indicada para depressão profunda e em situações em que o paciente não responde aos medicamentos.

Seus efeitos cognitivos, porém, são indesejáveis e incluem perda de memória. Os defensores da técnica dizem que o problema é temporário.

Já a estimulação magnética é indolor e não requer anestesia, assim como a que usa corrente contínua.

Uma bobina, que é apoiada na cabeça do paciente, gera um campo magnético que afeta os neurônios, ativando-os ou inibindo-os. As ondas penetram cerca de 2 cm.

Em maio de 2012, o CFM (Conselho Federal de Medicina) aprovou a técnica para tratamento de depressões uni e bipolar (que pode causar oscilações de humor) e de alucinações auditivas em esquizofrenia e para planejamento de neurocirurgia.

O IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP), centro pioneiro em pesquisas com estimulação magnética no país, estuda a aplicação para depressão desde 1999.

"A estimulação por corrente contínua está hoje onde a estimulação magnética estava há 15 anos", afirma o psiquiatra André Brunoni.
 
 
Fonte: Folha de São Paulo – on line
Por: MARIANA VERSOLATO DE SÃO PAULO
Imagem:  Editora de arte/FolhaPress

 

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Tempestades do corpo e da alma


Crises de depressão e de euforia provocam desequilíbrios químicos que podem danificar as células e acelerar o envelhecimento do corpo.

Desde 2009 o psiquiatra Rodrigo Bressan e outros pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) acompanham um grupo de adolescentes com alto risco de desenvolver doenças mentais graves como o transtorno bipolar e a esquizofrenia. Eles querem descobrir o momento adequado para agir antes que os problemas se manifestem e, assim, tentar evitar que se instalem. Ao mesmo tempo, procuram ensinar os adolescentes e seus familiares a lidar com situações estressantes que podem disparar as crises. Assim que possível, Bressan e os psiquiatras Elisa Brietzke e Ary Araripe Neto querem ver se compostos anti-inflamatórios, antioxidantes ou neurotróficos poderiam proteger as células cerebrais e, quem sabe, reduzir o risco de desenvolver essas doenças mentais.

A estratégia de tentar proteger o cérebro com esses e outros compostos se baseia na hipótese de que os neurônios e outras células cerebrais sofrem danos gradativos a partir do primeiro episódio mais intenso da doença – há quem suspeite de que os danos podem começar até mesmo antes. Estudos recentes indicam que nesses distúrbios o cérebro produz certos compostos em níveis nocivos que atrapalham o funcionamento das células e podem causar danos irreparáveis à medida que se sucedem, levando à deterioração das capacidades de raciocínio, planejamento e aprendizagem e até a uma alteração leve e definitiva do humor. Simultaneamente ao aumento na concentração dessas substâncias, haveria também uma diminuição nos de compostos neuroprotetores naturalmente produzidos pelo organismo.

Um dos pesquisadores que ajudou a desenvolver essa hipótese é o psiquiatra Flávio Kapc-zinski, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Translacional. Ele está convencido de que a evolução dramática dos casos graves de transtorno bipolar e de depressão é consequência de alterações fisiológicas causadas pelas crises recorrentes.

As crises que de tempos em tempos atormentam a mente também intoxicam o corpo, acredita Kapc-zinski. Elas seriam como tempestades químicas que desfazem o equilíbrio das células cerebrais e liberam compostos que, carregados pelo sangue, inundariam o organismo – às vezes levando a um grau de intoxicação quase tão grave como o enfrentado por quem desenvolve uma infecção generalizada (sepse). Repetidas ao longo de anos ou décadas, essas avalanches tóxicas precipitadas por surtos de depressão ou de mania produziriam um desgaste lento e progressivo do cérebro e de todo o corpo, reduzindo a capacidade de recuperação e acelerando o processo de envelhecimento.
Kapczinski começou a elaborar esse modelo teórico com base em experimentos feitos por sua equipe e por outros grupos para explicar como e por que a depressão e o transtorno bipolar, uma vez instalados e sem o tratamento adequado, seguem um padrão de agravamento progressivo que pode culminar com a morte precoce por problemas cardiovasculares e até câncer. De acordo com o modelo, as outras doenças que aparentemente nada têm a ver com o que se passa no cérebro poderiam evoluir como resultado dos desequilíbrios orgânicos gerados pelos episódios severos de depressão e mania.

Apresentada inicialmente em 2008 na Neuroscience and Behavioral Reviews, essa hipótese vem ganhando reconhecimento internacional. No último ano os estudos de Kapczinski já foram citados cerca de mil vezes em outros trabalhos. O psiquiatra australiano Michael Berk, da Universidade de Melbourne, acompanha essas pesquisas e, com Kapczinski, chamou esse novo modelo de neuroprogressão.

“Sabemos que esses distúrbios são progressivos e essa proposta teórica explica por quê”, diz Berk. Para ele, a interpretação de que essas doenças se agravam a cada surto pode gerar um impacto importante no tratamento por indicar a necessidade de diagnóstico e intervenção precoce e por sugerir que terapias neuroprotetoras possam atenuar o efeito desses problemas.

“A ideia está posta”, diz o pesquisador da UFRGS. “Agora é possível trabalhar para tentar confirmá-la ou refutá-la.” Ele sabe que o modelo é ousado e que é necessário reunir mais evidências para demonstrar que ele representa de modo adequado a evolução da depressão e do transtorno bipolar. “Temos trabalho para umas duas décadas”, diz Kapczinski.


Fonte: Revista Fapesp - Edição 197 - Julho de 2012
Por: RICARDO ZORZETTO
Imagem: EDUARDO SANCINETTI




sábado, 23 de abril de 2011

Quando amar é um problema

Depressões profundas e, por vezes, tendências suicidas podem resultar do ciúme excessivo e do amor patológico, dois distúrbios mentais identificados há poucos anos que estão ganhando mais atenção. Em um estudo recém-concluído no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Andrea Lorena da Costa, sob orientação de Monica Levit Zilberman, avaliou a frequência de comportamentos excessivos e as características do relacionamento amoroso em 32 pessoas com ciúme excessivo, 33 com amor patológico e 31 saudáveis. Mais danoso que o amor patológico, o ciúme exacerbado pode ser alimentado por situações reais ou imaginárias e combinar raiva, humilhação, medo, tristeza, depressão, insegurança, ansiedade, angústia, traição, rejeição e medo de perder o parceiro ou parceira de modo tão intenso a ponto de causar alterações neurológicas. Pode também ser um efeito adicional do alcoolismo ou do uso de drogas psicoativas.


Fonte: Revista Fapesp abril 2011 edição impressa 182

Imagem: Catarina Bessell