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sábado, 14 de junho de 2014

Identidade esclarecida: Nova metodologia diferencia as estruturas das heparinas de baixo e ultrabaixo peso molecular e elucida sua ação como anticoagulante

Alerta vermelho: o núcleo oval de mastócito preenchido e cercado por grânulos (em vermelho) que contêm heparina, liberada em resposta a bactérias e vírus
Alerta vermelho: o núcleo oval de mastócito preenchido e cercado por grânulos (em vermelho) que contêm heparina, liberada em resposta a bactérias e vírus
Sempre foi difícil separar os diversos tipos de heparina, substância produzida pela maioria dos organismos e usada como anticoagulante. Cada tipo, com peso molecular próprio, pode ter funções diferentes, até mesmo opostas. Comparando as características estruturais de uma heparina de baixo peso molecular, usada há décadas, com as de ultrabaixo peso molecular, produzidas há apenas alguns anos, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) verificaram que as propriedades anticoagulantes das heparinas de ultrabaixo peso molecular podem variar de acordo com a composição das cadeias de açúcar que as compõem e com o próprio peso molecular, apesar de serem estruturalmente semelhantes às de baixo peso molecular.

“Quanto menor o peso molecular, mais específica será a ação da heparina sobre determinadas enzimas fundamentais para a coagulação do sangue”, diz Helena Nader, professora da Unifesp e uma das principais especialistas em heparina no mundo. Nos anos de 1970, seu orientador de doutorado e futuro marido, Carl Peter Dietrich, falecido em 2005, isolou a heparina de baixo peso molecular, o que possibilitou sua produção em ampla escala como anticoagulante. Agora a equipe da Unifesp desenvolveu uma metodologia de identificação das estruturas químicas das heparinas de baixo e ultrabaixo peso molecular, mostrando como usar melhor cada grupo e abrindo novas possibilidades de uso.

“Podemos agora entender os mecanismos de ação das heparinas de baixo e ultrabaixo peso molecular mais usadas atualmente”, afirma Marcelo Andrade de Lima, pesquisador do Departamento de Bioquímica da Unifesp e primeiro autor de um artigo publicado na Thrombosis and Haemostasis em março de 2013 e destacado pelos editores em março de 2014 como um dos mais importantes trabalhos publicados na própria revista no ano anterior.

Tornou-se possível identificar as reações químicas usadas para produzir cada tipo de heparina, desse modo evitando equívocos e falsificações. A partir daí, os especialistas poderiam desenvolver reações químicas específicas para obter heparinas de ultrabaixo peso molecular com ações novas ou mais específicas. “Poderíamos determinar por qual caminho queremos que esses novos compostos atuem no organismo e, assim, criar novos agentes terapêuticos”, diz Lima.

Produzidas por células chamadas mastócitos, encontradas em diferentes tecidos, as heparinas em geral se ligam a um inibidor natural da coagulação chamado antitrombina, aumentando em até 2 mil vezes a velocidade com que a antitrombina inibe as enzimas responsáveis pela coagulação. Por isso são bastante usadas para evitar a formação de coágulos, que podem ser fatais. O processo de coagulação constitui uma sequência de reações enzimáticas. Como em uma cascata, elas se ligam uma a outra, convertendo pró-enzimas em enzimas ativas, que por fim transformam uma proteína solúvel, o fibrinogênio, em outra, insolúvel, denominada fibrina, que corresponde ao produto final da coagulação.

“Todas as heparinas agem da mesma forma sobre a antitrombina”, diz Helena. Quanto menor o peso molecular, porém, mais seletiva será a ação. As heparinas convencionais, chamadas de não fracionadas, constituídas por moléculas com pesos moleculares diferentes, depois de se ligarem à antitrombina, inibem a ação de pelo menos cinco enzimas desde o início do processo de coagulação do sangue. As de baixo peso molecular agem principalmente em duas enzimas – chave do processo, o Fator Xa e a trombina, ou Fator IIa. As de ultrabaixo peso molecular são ainda mais seletivas e agem apenas sobre a Xa, inibindo sua ação. “Ao separar as heparinas de acordo com o peso molecular e características estruturais peculiares, restringimos sua ação, cada vez mais específica”, afirma Lima.

Os rastros da heparina
Essas reações são conhecidas há décadas, mas poucos pesquisadores haviam se preocupado em identificar as estruturas químicas responsáveis por sua ação anticoagulante. Em colaboração com pesquisadores do Paraná, Estados Unidos e França, Lima e Helena desenvolveram uma metodologia para determinar as diferenças entre dois fármacos do grupo das heparinas de ultrabaixo peso molecular: a semuloparina, com peso molecular de 2,9 mil daltons (a unidade de medida da massa molecular), produzida na França; e a bemiparina, com 3,8 mil daltons, fabricada na Espanha. As duas foram comparadas com a enoxaparina, a heparina de baixo peso molecular mais usada no mundo, também produzida na França, com peso molecular de 4,1 mil daltons. Todas foram produzidas a partir da heparina não fracionada de mucosa intestinal de porcos, uma das principais fontes da heparina usada como medicamento.

Por meio de espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN) e outras técnicas, o grupo da Unifesp avaliou as características estruturais de cada substância e as relacionou com seu peso molecular. “Desenvolvemos um método que combina diferentes técnicas e análises matemáticas para avaliar essas estruturas”, diz Helena. “Em seguida tentamos entender como poderíamos usar esses dados para a concepção de novas drogas.”

Definidas as estruturas químicas dessas heparinas no Laboratório Institucional de RMN da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e outros centros de análise, os pesquisadores identificaram a reação química usada para obter as heparinas de baixo e ultrabaixo peso molecular. Cada heparina, de baixo e ultrabaixo peso, foi obtida por meio de um processo específico. “A reação química usada para despolimerizar a heparina deixa rastros. Nosso método identifica esses rastros e a reação usada na produção de cada substância”, afirma Lima.

Um dos rastros é a composição das cadeias de açúcares da heparina, que aumentam a afinidade pela antitrombina. No caso da semuloparina, uma reação química específica usada pela empresa Sanofi, da França, é capaz de despolimerizar a heparina preservando uma sequência de cinco açúcares, que se ligam fortemente à antitrombina. “Assim, a semuloparina foi obtida por uma reação química específica em que os pentassacarídeos são preservados na maioria das moléculas, levando a um composto com atividade anticoagulante dirigida contra o Fator Xa e sem ação contra a trombina”, diz Helena. Essas informações ajudaram a explicar resultados clínicos recentes. Há três anos, a empresa francesa relatou que a administração de semuloparina teria reduzido em 64% o risco de trombose venosa profunda, embolia pulmonar e mortes relacionadas a tromboembolismo venoso em pessoas com câncer no início da quimioterapia.

O Brasil produz apenas a heparina não fracionada, retirada da mucosa de bois e porcos. Em 2012, o país exportou o equivalente a R$ 24 milhões de heparina não fracionada e importou as formas mais purificadas, de maior valor agregado.

Projetos
1. Espectrometria de massas e de ressonância magnética nuclear na caracterização estrutural de glicosaminoglicanos e polissacarídeos complexos de invertebrados e algas (n° 2010/52426-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Helena Bonciani Nader (Unifesp); Investimento R$ 819.080,01 (FAPESP).
2. Compostos bioativos obtidos a partir de resíduos de carcinicultura e modificações químicas de heparina (nº 2012/00850-1); Modalidade Bolsa no país – Regular – Pós-doutorado; Pesquisadora responsável Helena Bonciani Nader (Unifesp); Bolsista Marcelo Andrade de Lima (Unifesp); Investimento R$ 152.469,11 (FAPESP).
Artigos científicos
LIMA, M. A. et al. Ultra-low-molecular-weight heparins: precise structural features impacting specific anticoagulant activities. Thrombosis and Haemostasis. v. 109, n. 3, p. 471-8. mar. 2013.
CHRISTIAN W. e GREGORY Y. H. L.. Editors’ Choice papers in Thrombosis and Haemostasis. Thrombosis and Haemostasis. v. 111, n. 1, p. 185-8. jan. 2014. 

Fonte: Revista Fapesp on line - edição 219
Por: RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE 

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