Uma equipe de pesquisadores da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) liderada pelo
neurocientista Iván Izquierdo conseguiu demonstrar em ratos ser possível
melhorar uma técnica de psicoterapia conhecida como exposição ou sessão de
extinção de memória, na qual o paciente é confrontado com as situações que
desencadeiam medo excessivo para aprender a lidar com ele. Esse tipo de terapia
comportamental é usado geralmente no tratamento de pessoas com síndrome do
pânico ou estresse pós-traumático.
Na experiência, o grupo gaúcho conseguiu sobrepor
com mais eficiência memórias boas a memórias de medo, depois de submeter ratos
a treinamentos que simulam as sessões de extinção. Em outras palavras, o estudo
Behavioral Tagging of Extinction Learning, publicado na edição de
janeiro da revista Proceedings of the National Academy of Sciences
(PNAS), mostra que a exposição a uma simples novidade (o caso, um ambiente novo
por poucos minutos) influencia a recordação da informação de outro
acontecimento.
“Talvez esse seja o trabalho mais importante que
tenhamos feito nos últimos dez ou 12 anos”, comenta Izquierdo. Embora ainda se
trate de um estudo experimental com roedores, o achado pode abrir
possibilidades de uma nova abordagem para o tratamento de estresse
pós-traumático, sem necessidade de recorrer a medicações. “Seu potencial
terapêutico é muito grande, já que a sessão de extinção é o método preferido na
psicoterapia das memórias de medo.”
Existem dois tipos de memória: a de longa duração e
a de curta duração. Esta última é retida pelo cérebro por um período de, no
máximo, três a seis horas, enquanto a primeira pode durar a vida toda. Sabe-se
que as memórias de longa duração necessitam de síntese de proteínas em sinapses
das células nervosas (neurônios) de uma estrutura cerebral chamada hipocampo.
São as proteínas as responsáveis pela fixação mental de uma informação
significativa.
O cérebro de uma pessoa submetida a situações
extremas que põem sua vida em risco ou lhe causam um grande trauma, como um
assalto ou a morte de uma pessoa querida, pode fixar essa lembrança tão
profundamente que se desvencilhar dela vira uma tarefa árdua. A mente desse
indivíduo fica condicionada a reviver o que sentiu no momento do trauma. E o
estresse pós-traumático pode desencadear crises de ansiedade e de síndrome do
pânico que tornam a vida diária normal quase impossível.
É aí que entra a aplicação das sessões de extinção
de memória, também chamada “exposição” em terapia cognitiva. Nessas sessões, o
terapeuta apresenta estímulos ou situações semelhantes às que causaram o trauma
ao paciente, mas sem expô-lo ao perigo. Dessa forma, o indivíduo aprenda que na
maioria das vezes nada de ruim irá acontecer quando ele reviver esse evento. O
processo é habitualmente lento e às vezes penoso
Em estudos realizados com ratos, os pesquisadores
da PUC-RS demonstraram que é possível melhorar a extinção expondo o animal a um
ambiente novo 1 ou 2 h antes ou depois da primeira sessão de extinção. Nesse
trabalho postulam que, obviamente é possível testar esse efeito em pacientes; o
efeito da novidade em humanos é amplamente conhecido e todos sabemos que não é
prejudicial. ,E bastante utilizado conhecido em outras situações
neuropsiquiátricas.
Na experiência, roedores traumatizados foram
expostos a um ambiente novo e neutro num período que variou de uma a duas horas
antes a uma a duas horas depois da primeira sessão de extinção. Essa exposição
acelerou a extinção da memória traumática, porque a novidade estimula a
produção de proteínas novas em sinapses do hipocampo. Essas novas proteínas se
fixam nas marcas deixadas por proteínas das lembranças desagradáveis. O
processo é conhecido como behavioral tagging (marcação comportamental) e
se baseia na interação das proteínas geradas numa determinada sinapse (pelo
trauma) com outras geradas por outras sinapses (as que detectam a novidade),
fenômeno conhecido como synaptic tagging (marcação sináptica).
“Nossa experiência comprovou que há marcação
sináptica na sessão de extinção. Até então sabíamos que tal fenômeno bioquímico
ocorria na consolidação da memória, mas ninguém sabia que isso era possível
também no processo de extinção”, explica Jociane Myskiw, professora do Instituto
de Geriatria e Gerontologia da PUC-RS e uma das autoras do estudo.
Base para o estudo
O estudo parte do princípio de que somos
bombardeados diariamente por novas informações, conta Jociane. De acordo com
ela, a questão a ser respondida é o motivo pelo qual alguns fatos, a princípio
irrelevantes, são guardados na memória, enquanto outros são perdidos.
Em situações relevantes, as sinapses são marcadas
por proteínas e se tornam fortemente ativas. Já fatos sem importância são
marcados de forma mais fraca. Mas as sinapses de alguns acontecimentos
irrelevantes “roubam” a proteína de uma memória significativa e fazem um fato
sem valor ser fixado na memória.
“Por exemplo, um evento de que as pessoas se
recordam são os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque. Certamente
muitos se lembram de algumas informações irrelevantes, mas que foram fixadas em
suas mentes graças às novidades ocorridas ao longo daquele dia fatídico”,
explica a professora da PUC-RS.
Entender o mecanismo por trás das alterações nas
sinapses responsáveis pelo armazenamento das memórias é um dos desafios para os
pesquisadores. Eles já sabem que um único neurônio tem milhares de sinapses
distintas, porém é preciso que apenas algumas delas se modifiquem para formar
uma memória. “Ao longo dos últimos anos, diversos trabalhos mostraram que a
‘potenciação’ de uma memória efêmera por uma memória duradoura também ocorre em
diversos modelos animais, utilizando mecanismos semelhantes aos da marcação
sináptica. Mas neste trabalho recente feito na PUC-RS foi demonstrado que o
mesmo mecanismo também se aplica à extinção de memórias aversivas – ou seja, ao
aprendizado de uma nova associação que se sobrepõe a uma memória de medo
estabelecida”, comenta Olavo Amaral, professor do Instituto de Bioquímica Médica
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Na avaliação do professor da UFRJ, este achado
poderá representar um ganho para os pacientes com estresse pós-traumático. “A
demonstração de que a extinção pode ser modulada por outro aprendizado ocorrido
pouco tempo antes constituiria uma forma de modulação simples deste processo,
que poderia ser realizada sem custo em qualquer consultório”, acrescenta o
professor. “Resta esperar, porém, para ver se o que foi encontrado em ratos
vale também para humanos num contexto terapêutico”
FONTE:
Revista Fapesp on line / fevereiro de 2013
Por: Júlio César Barros Imagem: © NOVARTIS/FLICKR
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