Cientistas testam duas matérias-primas abundantes e baratas: o soro de leite e as leveduras de cana-de-açúcar |
Segundo a OMS, 21% das crianças com até 5 anos, 43% das gestantes e 23% das mulheres em idade fértil têm deficiência em ferro
Agência FAPESP – No prazo de cinco anos, um
suplemento mineral, produzido a partir de matérias-primas de alta
disponibilidade e baixo custo, poderá contribuir para que sejam supridas as
necessidades de ferro de quem carece desse nutriente.
O potencial do novo produto é uma das aplicações
possíveis de um projeto de pesquisa recém-concluído por Maria Teresa Bertoldo
Pacheco e sua equipe, do Centro de Química de Alimentos e Nutrição Aplicada do
Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), com apoio da FAPESP.
O conjunto dos potenciais beneficiários é
extremamente vasto. No Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),
21% das crianças com até 5 anos, 43% das gestantes e 23% das mulheres em idade
fértil (que sofrem depleção periódica do nutriente devido à menstruação) possuem
algum grau de deficiência em ferro.
“Testamos duas matérias-primas abundantes e
baratas: o soro de leite e as leveduras de cana-de-açúcar (Saccharomyces
cerevisae). As proteínas de uma e de outra fonte foram hidrolisadas, isto é,
‘clivadas’ ou ‘cortadas’, com diferentes enzimas”, disse Pacheco.
“Os peptídeos (fragmentos de proteínas) resultantes
passaram por ultrafiltragem para a obtenção de frações com massas menores do
que 5KDa (cinco quilodaltons). Essas foram utilizadas na reação de quelação com
o ferro, na forma de sulfato ferroso (FeSO4)”, explicou.
A quelação consiste em ligar o íon ferro a mais de
um radical do peptídeo. “Os peptídeos com capacidade quelante foram isolados e
enviados ao Centro de Investigación de Alimentos, em Madri, para o sequenciamento
dos aminoácidos presentes”, disse.
A pesquisadora contou que, para o produto
resultante ser ideal como suplemento alimentar, a quelação ao ferro deve ser
forte, mas não demais. “Deve ser forte o suficiente, para garantir a
estabilidade do composto durante sua passagem pelo trato digestivo,
caracterizado pelo pH ácido do estômago; mas não tão forte, de modo que a
molécula seja capaz de liberar o ferro ao chegar aos enterócitos da membrana
intestinal, possibilitando sua absorção”, disse.
Novos estudos
A força das ligações é um fator decisivo, por ser ela que determina a biodisponibilidade do mineral. Por apresentarem baixa biodisponibilidade, muitos alimentos ricos em ferro acabam sendo de pouca utilidade para o ser humano.
A força das ligações é um fator decisivo, por ser ela que determina a biodisponibilidade do mineral. Por apresentarem baixa biodisponibilidade, muitos alimentos ricos em ferro acabam sendo de pouca utilidade para o ser humano.
Não basta que haja ferro, é preciso que o organismo
consiga absorvê-lo. “De modo geral, a absorção é muito pequena, pois, devido ao
potencial oxidativo e tóxico do ferro, o organismo possui mecanismos naturais
de defesa, para limitar sua assimilação”, disse Pacheco.
Segundo a pesquisadora do Ital, os resultados
obtidos com as proteínas hidrolisadas do soro de leite foram muito favoráveis.
Já os hidrolisados de proteína de levedura apresentaram menor capacidade de
quelação ao ferro (destes, aquele cuja hidrólise foi obtida por meio da enzima
viscozyme exibiu maior biodisponibilidade do ferro ligado).
“Isso se deve provavelmente ao fato de essas
proteínas serem materiais de menor pureza, contaminados com polissacarídeos
provenientes da parede celular”, disse.
Constatado o potencial do soro de leite, o próximo
passo é testar a biodisponibilidade do material com células conhecidas como
CACO 2, que simulam o comportamento fisiológico e metabólico da borda
intestinal humana, e, em seguida, com modelos animais.
“Se chegarmos a um peptídeo com alta
biodisponibilidade, poderemos até sintetizá-lo a partir dos aminoácidos
componentes”, afirmou Pacheco.
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