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Encontrar
estratégias para minimizar um dos efeitos colaterais mais comuns do
tratamento prolongado contra Parkinson, os movimentos repetitivos e
involuntários conhecidos pelo termo técnico discinesia, é um dos
desafios atuais dos grupos que estudam a doença. Trabalhos feitos pelo
grupo de Elaine Del-Bel, do Departamento de Morfologia, Fisiologia e
Patologia Básica da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (USP), sugerem que o controle dessa disfunção
pode ser alcançado se for possível regular a quantidade de óxido nítrico
no cérebro, onde o composto atua como neurotransmissor. O uso de duas
substâncias, uma que inibe a ação do óxido nítrico e um conhecido
corante, para controlar a produção desse neurotransmissor, foi testado
em animais e os resultados foram animadores. “O óxido nítrico deve atuar
em conjunto com a dopamina [outro neurotransmissor] para que os
movimentos aconteçam com harmonia. Ao modular o primeiro
neurotransmissor, controlamos também os níveis do segundo, fazendo
desaparecer a discinesia”, explica a pesquisadora, cujos estudos são
conduzidos no âmbito de um projeto temático da FAPESP.
No tratamento do Parkinson, quando se chega a um estágio em que a
pessoa já não consegue mais controlar tremores nas mãos e nas pernas e
tem dificuldades para se levantar da cadeira ou assinar o próprio nome,
por exemplo, os médicos costumam recomendar o uso de remédios compostos à
base de uma substância chamada Levodopa (ou somente L-Dopa). Ela é
precursora da dopamina, neurotransmissor associado aos movimentos e que é
produzido em quantidade insuficiente no cérebro de pacientes com a
doença – daí as limitações motoras. Com a regulação da dopamina, os
tremores tendem a desaparecer e o controle da movimentação retorna a um
nível satisfatório.
Esse período de recuperação, a fase de “lua de mel” da doença,
permite ao paciente ganhos consideráveis, pois ele volta a dar conta com
relativa facilidade de tarefas cotidianas e triviais, como usar
talheres e segurar copos, sem riscos de derrubá-los. Os benefícios, no
entanto, têm prazo de validade. Duram em média cinco anos. Depois desse
período, por razões ainda pouco conhecidas, as tremedeiras involuntárias
ressurgem, ainda mais fortes e agressivas. É quando se manifesta a
discinesia, disfunção que pode fazer o paciente mover involuntariamente
os músculos da face, dos braços e das pernas. Em grego, a palavra kínesis significa movimento.
Reação em cadeia
Num primeiro trabalho, publicado em janeiro de 2009 na revista Neuroscience,
o grupo de Ribeirão Preto inicialmente induziu Parkinson em ratos,
injetando toxinas nos neurônios responsáveis pela produção de dopamina e
aguardando que as lesões provocadas atingissem cerca de 80% das células
nervosas, para simular o estágio avançado da doença. Os animais foram
em seguida tratados com a L-Dopa até que surgissem os sintomas da
discinesia. Por fim, os pesquisadores aplicaram nos ratos o composto
7-nitro-indazol, que inibe a ação de enzimas importantes para a produção
do óxido nítrico. A esperada reação em cadeia funcionou. Com menor
quantidade do neurotransmissor no sistema nervoso, os movimentos
involuntários praticamente desapareceram.
A pesquisadora lembra que a investigação sobre os efeitos do óxido
nítrico não foi aleatória. “Já sabíamos que ele é um neurotransmissor
fabricado sob demanda, de acordo com as necessidades do organismo,
altamente solúvel, que atua em muitos neurônios e, principalmente, que
pode modular a atividade de outros neurotransmissores”, explica Elaine.
Ela reconhece que essas associações ainda precisam ser estudadas e
complementadas: “A discinesia é um quadro complexo e envolve a
degeneração celular e a ação de diversos neurotransmissores”. No
entanto, os resultados do estudo mostram que, ao regular a quantidade de
óxido nítrico, controla-se por tabela o nível de dopamina no cérebro e,
por consequência, a discinesia. Nesses casos, a eliminação parcial ou
por completo dos sinais da discinesia pode se dar graças a um efeito
conhecido como turnover da dopamina. “Com apenas uma dose do
composto 7-nitro-indazol, a discinesia desaparece, e o animal consegue
recuperar quase 100% dos movimentos. Se fôssemos transportar para seres
humanos, seria como dizer que retornam à fase de lua de mel do
tratamento da doença. Foi a primeira vez que essa relação foi
identificada”, afirma Elaine, que neste ano publicou outros dois artigos
sobre o papel do óxido nítrico no controle da discinesia.
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Azul de metileno: corante em teste contra discinesia
Na sequência, os pesquisadores decidiram avançar um pouco mais para
apostar em outra ideia promissora: substituir o 7-nitro-indazol pelo
azul de metileno, substância também conhecida por impedir a ação do
óxido nítrico. “A vantagem do azul de metileno em relação ao
7-nitro-indazol é que ele já é largamente usado em testes clínicos em
seres humanos e até mesmo em tratamentos de infecções em unidades de
terapia intensiva”, diz a pesquisadora. Mais uma vez a expectativa foi
confirmada: a discinesia retrocedeu. O corante provavelmente reduziu a
disponibilidade de óxido nítrico no sistema nervoso. “Essa foi a segunda
evidência desse mecanismo de associação entre os dois
neurotransmissores”, diz Elaine. O estudo é desenvolvido em colaboração
com o neurologista Vitor Tumas, responsável pelo Ambulatório dos
Distúrbios do Movimento do Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão
Preto, que deverá testar o azul de metileno em pacientes humanos com
discinesia. “Essa linha de pesquisa vem oferecendo contribuições
bastante originais, incluindo os primeiros estudos a indicar o papel que
o óxido nítrico pode ter no controle motor, e sugere possíveis testes
clínicos e aplicações terapêuticas”, comenta Francisco Silveira
Guimarães, do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina da
USP de Ribeirão Preto, coordenador do projeto temático.
Para Henrique Ballalai Ferraz, professor de neurologia da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o trabalho dos colegas da
USP de Ribeirão Preto representa avanços importantes, mas ainda não
encerra a questão do controle das discinesias. “O grupo olhou para uma
faceta relevante, que ainda não tinha sido evidenciada, mas ela não é a
solução definitiva”, afirma Ferraz. Segundo ele, trabalhos
internacionais mostram que a modulação de outros neurotransmissores,
como a adenosina, a serotonina e o glutamato, também permite estabilizar
os movimentos em pacientes com Parkinson. “A questão é mais ampla. A
discinesia envolve vários sistemas de neurotransmissores”, diz o
pesquisador da Unifesp.
Descrita pela primeira vez em 1817 por James Parkinson (1755-1824), a
doença se manifesta quando os neurônios da chamada substância negra,
que ficam no tronco cerebral, morrem e deixam de produzir dopamina. Como
um neurônio pode ser comparado a uma árvore, com vários galhos,
ramificações e distintas conexões, há redução também do neurotransmissor
nos neurônios dos núcleos da base, localizados abaixo do córtex
cerebral. Essa região, em parceria com o córtex motor, é a principal
responsável pelos movimentos voluntários. “O complicado é que o
diagnóstico só pode ser definido com segurança a partir da manifestação
dos sintomas motores, que são bem característicos, e quando a doença já
está geralmente em estágio bem avançado e cerca de 80% da dopamina já
desapareceu”, diz Elaine. Inicia-se então o tratamento com a L-Dopa.
Por conta de mecanismos ainda não completamente esclarecidos, a
substância funciona bem no início do tratamento, mas seu uso regular e
contínuo faz surgir como efeito colateral a discinesia. “Provavelmente o
que acontece é uma maior quantidade de dopamina no cérebro, associada a
complicados processos decorrentes da morte de neurônios. A liberação do
neurotransmissor não é natural, fisiológica, mas induzida por
medicamentos no organismo. Como ação rebote, os movimentos involuntários
anormais aparecem”, comenta Elaine.
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Exercício físico: melhora cognitiva dos pacientes com a doença
Os possíveis benefícios de exercitar corpo e mente
Além de procurar marcadores que possam antecipar o diagnóstico do
Parkinson
e testar formas de reduzir os efeitos colaterais do
tratamento prolongado, as pesquisas buscam garantir uma maior qualidade
de vida aos pacientes, que sofrem de uma doença progressiva e
irreversível. Na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), campus
de Rio Claro, Lilian Teresa Bucken Gobbi analisou os efeitos de
diferentes exercícios, físicos e cognitivos, em pacientes com Parkinson.
Como qualquer movimento feito pelo corpo exige dopamina, os médicos
tendem a recomendar menos atividades físicas para os pacientes com
Parkinson, para não gastar reservas daquilo que já é produzido em menor
quantidade. Mas a literatura médica indica que adultos sadios que fazem
exercícios têm menor probabilidade de desenvolver a doença. “Costuramos
as duas informações, aparentemente contraditórias, e resolvemos
investigar”, diz Lilian, coordenadora do Laboratório de Estudos da
Postura e da Locomoção (Leplo) da Unesp.
Ela trabalhou com três grupos de pacientes, que cumpriram duas
sessões semanais de exercícios, cada uma com uma hora de duração. O
primeiro grupo fez ginástica geral (musculação, movimentos rítmicos e de
flexibilidade); o segundo, além da ginástica geral, adotou caminhadas
que exigiam sair
do ambiente conhecido para enfrentar outros trajetos
com piso irregular, por exemplo, com intuito de estimular a atenção e o
sistema sensorial. O terceiro, chamado de ativaMente, enfrentou desafios
lógicos e matemáticos.
O estudo deve durar três anos– e os
participantes de cada equipe, a cada ano, irão trocar os exercícios, até
que tenham circulado por todas as abordagens propostas.“É um trabalho
de longa duração”, diz Lilian.
Os primeiros resultados são animadores. Depois de quatro meses,
pacientes dos três grupos conseguiram melhorar as variáveis cognitivas
da doença. “Em um ano, é esperado que, nos testes cognitivos usados para
avaliar Parkinson, os pacientes piorem em média oito pontos. Com os
exercícios, físicos ou mentais, não houve avanço nessa pontuação, e o
quadro ficou estável”, diz. Uma explicação possível para a conquista é a
plasticidade cerebral, com os neurônios que ainda funcionam,
estimulados pelos exercícios, assumindo as funções dos que já morreram.
“Além disso, as sessões de atividades aconteciam sempre no início da
manhã, logo em seguida à administração dos remédios, e, atuando em
conjunto, podem ajudar a equacionar a ação da droga no cérebro”,
completa.
Projeto
Neurotransmissores típicos e atípicos em transtornos neuropsiquiátricos (
07/03685-3);
Modalidade Projeto Temático;
Coord. Francisco Silveira Guimarães – FMRP/USP;
Investimento R$ 1.947.653,25 (FAPESP).
Artigos científicos
DEL-BEL, E. et al. Counteraction by nitric oxide synthase
inhibitor of neurochemical alterations of dopaminergic system in
6-OHDA-lesioned rats under L-Dopa treatment. Neurotoxicity Research. 27 jun. 2013.
PADOVAN-NETO, F.E. et al. Anti-dyskinetic effect of the neuronal nitric oxide synthase inhibitor is linked to decrease of FosB/deltaFosB expression. Neuroscience Letters. v. 541, p. 126-31. 29 abr. 2013.
PADOVAN-NETO, F.E. et al. Nitric oxide synthase inhibition attenuates L-Dopa-induced dyskinesias in a rodent model of Parkinson’s disease. Neuroscience. v. 159, p. 927-35. 2009.
Fonte: Revista Fapesp - Edição 214 - dezembro/2013
Por: Francisco Bicudo