GILBERTO
DIMENSTEIN
Universidade
do prazer
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Valorizar
mais as baladas a disseminação da maconha ou as festas do que as aulas seria
uma fase passageira?
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DIANTE da frase "baladas e jogos me
motivam mais do que as aulas", apenas 16,1% dos estudantes das
universidades da capital e região metropolitana de São Paulo disseram discordar
totalmente. Uma expressiva parcela (52,3%) admitiu que fumou maconha; muitos
certamente preferiam não revelar nada. Beijar na boca várias pessoas numa única
noite é rotina. O resultado é que muitos enxergam no ensino superior um espaço
de prazer, onde se misturam baladas, drogas e sexo.
Estamos
falando aqui de 15 universidades, entre as quais USP, PUC, Unifesp, Mackenzie,
FGV, FMU, Unip, Anhembi Morumbi -ou seja, locais que produzem a futura elite
política, empresarial, cultural e social do país. Valorizar mais as baladas -a
disseminação da maconha pelos campi ou as festas universitárias- do que as
aulas seria apenas uma fase passageira, típica da liberdade e transgressão
juvenis? Em parte sim, claro.
"Minha
suspeita é que existe um jeito de encarar o mundo que vai além de uma atitude
juvenil", comenta Marcos Calliari, responsável pela pesquisa.
O
levantamento entre universitários foi feito pela Namosca, agência de marketing
focada em entender o que passa pela cabeça dos jovens -e, para isso, montou uma
rede de entrevistadores e contatos entre os próprios estudantes para facilitar
a obtenção das informações.
A
suspeita de Calliari, a partir desse levantamento, é como um imediatismo
exacerbado marca uma geração. O levantamento indicou que 77% dos entrevistados
já beijaram na boca mais de uma pessoa num dia; 89% disseram que beijaram logo
no primeiro encontro. "É um pouco como se não houvesse um dia depois de
hoje", analisa.
Isso
pode significar também que o consumidor vai mudar cada vez mais rapidamente de
marcas. Ou que não terá paciência para abrir a conta num banco se tiver de
assinar muitos papéis ou formulários na internet. Nem entrar num site que exija
cadastramento.
Talvez
explique a prosperidade da indústria de venda de trabalhos escolares (até
dissertações). Ou por que muitas pessoas mudam tanto de curso no ensino
superior, criando uma alta taxa de evasão.
O
desinteresse pela política não se deve só à ojeriza aos políticos, mas porque
os debates implicam pensar e planejar o futuro -a chance de conseguir um emprego
estaria condicionada mais ao desempenho individual do que ao coletivo. A frase
"meu sucesso depende apenas de mim mesmo" é discordada totalmente por
apenas 3,4%.
Se
Lula esbanja popularidade no país, falta-lhe identificação nesse grupo. Apenas
19% disseram que "gostariam de tomar uma cerveja com ele". É, aliás,
a mesma percentagem dedicada a Fernando Gabeira, que tem entre suas propostas a
descriminalização da maconha e a defesa ambiental. Cerca de 40% gostariam de
tomar uma cerveja com o ator Selton Mello; 33% com o apresentador Luciano Huck,
empatado com Wagner Moura. Para 45%, Sérgio Groismann entende da juventude; 25%
tomariam a cerveja com ele.
Não
vou empunhar discurso moralista nem saudosista; o passado não foi melhor do que
o presente. Muito menos deixar de entender que a juventude é um período, às
vezes arriscado, de testes de limites e experimentações. Mas a pesquisa sugere
um problema: a dificuldade de focar e desenvolver um projeto, o que exige
necessariamente postergar prazer. Mas esse culto excessivo da celebridade, da
pressa e do prazer não vai acabar bem.
Não
é por outro motivo que, apesar do desemprego, grandes empresas têm uma
crescente dificuldade de recrutar trainees -isso apesar de que, em alguns
casos, há mais de 3.000 candidatos por vaga. O que pode estar acontecendo é até
mesmo uma mudança na paisagem das elites. Os jovens de periferia, mais focados
e com mais garra (afinal, sobreviveram ao massacre educacional), que começam a
chegar às faculdades públicas, ganharão cada vez mais espaço. Estudaram de
noite e nos finais de semana para alcançar, para ter o prazer de entrar na
faculdade e garantir um bom emprego.
PS
- Entre os vários dados que me chamaram a atenção, um deles se destacou.
Indagados sobre o estilo musical preferido, não houve pontuação, nem apareceu
na lista, música erudita. Será que é consequência do imediatismo e a
dificuldade de lidar com obras mais complexas? Fico imaginando se, num futuro
breve, as salas de concertos não estarão vazias. A íntegra da pesquisa está no site:
www.dimenstein.com.br.
gdimen@uol.com.br
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