Agência FAPESP – Além das conhecidas
sinapses químicas – que permitem a interação entre as células nervosas,
envolvendo neurotransmissores e receptores –, os neurônios também se comunicam
com sinapses elétricas. Nesse tipo de sinapse, correntes de íons passam
diretamente de uma célula a outra por meio de canais conhecidos como “junções
comunicantes”, produzindo um acoplamento entre os neurônios.
Uma pesquisa realizada por pesquisadores
brasileiros mostrou que desacoplar os neurônios pode ser uma estratégia simples
e eficaz para a neuroproteção – isto é, interromper processos de morte celular
relacionados a doenças neurodegenerativas como Parkinson, Alzheimer e
epilepsia.
O estudo, publicado na revista PLoS One,
foi liderado pelo professor Alexandre Kihara, coordenador da pós-graduação em
Neurociência e Cognição da Universidade Federal do ABC (UFABC). O trabalho foi
realizado com apoio da FAPESP por meio do Programa Jovens
Pesquisadores em Centros Emergentes.
Além de Kihara, participaram da pesquisa seus
orientandos de doutorado Vera Paschon e Guilherme Higa – ambos bolsistas da
FAPESP –, além dos professores Luiz Roberto Britto, do Departamento de
Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da
Universidade de São Paulo (USP), e Rodrigo Resende, do Departamento de
Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Segundo Kihara, embora sejam historicamente menos
estudadas que as sinapses químicas, sabe-se hoje que as sinapses elétricas são
fundamentais em diversas funções fisiológicas e cognitivas, como
desenvolvimento, aprendizado, memória e percepção. Estudos recentes têm
mostrado, também, que a participação das junções comunicantes no acoplamento
entre os neurônios está relacionada com o espalhamento da apoptose, ou morte
celular.
“Na apoptose, que é um processo comum a todas as
doenças neurodegenerativas, o neurônio altera sua programação interna para ‘se
suicidar’. Ocorre que, se um neurônio em apoptose estiver acoplado com um
neurônio sadio – como mostra nosso estudo –, esse acoplamento permite a
passagem de determinadas moléculas que aumentam a probabilidade de o neurônio
sadio entrar em apoptose também”, disse Kihara à Agência FAPESP.
Segundo Kihara, no entanto, os cientistas ainda
estão investigando quais são as moléculas envolvidas no espalhamento da
apoptose por meio do acoplamento entre os neurônios. Além de tradicionais
segundos mensageiros – como IP3, um importante sinalizador de cálcio – , o
grupo da UFABC levanta a hipótese de que os microRNAs (miRNAs) podem estar
envolvidos no processo.
“Os miRNAs regulam negativamente a tradução e
representam uma camada adicional de controle entre o RNAm e as proteínas. A
proposta de que miRNAs possam trafegar por junções comunicantes é considerada
muito ousada. No entanto, ninguém conseguiu levantar argumentos concretos
contra a hipótese, enquanto nós já temos alguns indícios a favor”, disse
Kihara.
Para que ocorra um trânsito de moléculas entre as
células, não basta que elas estejam acopladas. É preciso também que existam
gradientes – isto é, que um dos neurônios acoplados tenha uma concentração de
moléculas maior que o outro. Sendo assim, os pesquisadores usaram a estratégia
de gerar gradientes a partir de lesões feitas com agulhas finíssimas nas
retinas de galos.
A lesão era focada o suficiente para produzir a
morte celular em um ponto específico do tecido, sem afetar o entorno, gerando
um gradiente. Esse acoplamento foi manipulado farmacologicamente com diversas
drogas. Quando os fármacos desacoplavam os neurônios, os pesquisadores
observaram uma redução do espalhamento da morte celular.
“A estratégia foi produzir uma lesão aguda e
localizada, com o intuito de gerar gradientes de concentração no tecido, para
em seguida desacoplar bioquimicamente os neurônios. Para isso, uma dupla
abordagem foi realizada, combinando lesões de retina in vivo e explantes
de retina, modelo in vitro, mais adequado que as tradicionais culturas
de células”, explicou Kihara.
Aplicação potencial
A estratégia de neuroproteção utilizando
diferentes moléculas que desacoplam neurônios foi também capaz de regular
negativamente genes pró-apoptóticos como as caspases. “A estratégia se mostrou
tão eficiente que foi reproduzida in vivo, resultando em diminuição da
área afetada e da morte neuronal”, disse Kihara.
“Mostramos também que os neurônios que estão em
apoptose mantêm a expressão de conexinas – que são proteínas responsáveis por
formar os canais de junções comunicantes, permitindo a ocorrência do acoplamento.
Isso é importante, porque assim pudemos eliminar a hipótese de que um neurônio
em processo de apoptose pudesse deixar de expressar as proteínas que formam o
canal de acoplamento”, disse.
Segundo Kihara, a partir de agora os estudos irão
investigar a hipótese de que os miRNAs transitem pelos canais de junções
comunicantes e participam do processo de espalhamento da apoptose entre células
acopladas.
A equipe que trabalhará com essa hipótese terá a
participação de Erica de Sousa, aluna de graduação da UFABC e autora de um
capítulo sobre miRNAs no livro Sinalização de Cálcio: Bioquímica e
Fisiologia Celulares, que será lançado no início de outubro, no 1º Simpósio
Brasileiro de Sinalização de Cálcio: Bioquímica e Fisiologia Celulares, na
UFMG.
De acordo com Kihara, os estudos continuarão
também a explorar as possibilidades de utilizar o desacoplamento de neurônios
como estratégia de neuroproteção, com potencial aplicação no tratamento de
doenças neurodegenerativas.
“Continuaremos investigando como e quando fazer
isso de forma mais eficiente dependendo da doença. Mas acreditamos que uma nova
porta foi aberta para estudos em neurodegeneração”, disse.
O artigo Blocking of Connexin-Mediated
Communication Promotes Neuroprotection during Acute Degeneration Induced by
Mechanical Trauma, de Vera Paschon e outros, pode ser lido na PLoS One
em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0045449
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