Estudo que associa dados de evolução dos vírus e modelos epidemiológicos ajuda a traçar estratégia para combater a doença
As imagens que chegam dos países atingidos pela epidemia de ebola são
aterradoras. Pessoas sem forças para se levantar, barradas na porta de
hospitais superlotados; profissionais de saúde enfrentando uma
verdadeira guerra vestidos quase como astronautas ou mergulhadores de
águas profundas, e mesmo assim sem segurança de sobreviver ao trabalho.
“Será muito difícil parar essa epidemia”, avalia o biólogo Atila
Iamarino, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São
Paulo (ICB-USP).
Não é pessimismo gratuito. Durante pós-doutorado no laboratório de
Jeffrey Townsend, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, com bolsa da
FAPESP, o brasileiro participou de um estudo pioneiro por ter reunido
modelos epidemiológicos e dados sobre a evolução do vírus. Os
resultados, publicados hoje (16/12) na revista Clinical Infectious Diseases,
mostram que conceitos inadequados foram usados para estimar o avanço da
doença no oeste da África durante a epidemia de 2014. “Os modelos
presumem que qualquer doente tem chance de encontrar qualquer pessoa, de
maneira aleatória”, explica Iamarino. Isso pode ser verdade para
doenças como a gripe, facilmente transmitida pelo ar. Mas é diferente no
caso de ebola, em que é preciso contato com fluidos de doentes para ser
contaminado. Por isso, muito do contágio se dá em funerais, quando o
corpo é lavado e muitos tocam e beijam o falecido. “No caso do ebola, a
pessoa ainda é capaz de transmitir o vírus depois que morre”, alerta.
Especialista em evolução viral, Iamarino analisou a sequência
genética do vírus dos primeiros 78 pacientes que foram admitidos em
hospitais em Serra Leoa, onde a doença já atingiu mais de 8 mil pessoas
este ano e matou quase 2 mil, segundo estimativas divulgadas pela
Organização Mundial da Saúde. As diferenças entre os genomas permitem
avaliar o número real de doentes e compará-los com os casos notificados,
para saber a taxa de subnotificação, que é comum por medo de enfrentar
estigma na comunidade e de ter o corpo do familiar levado por agentes de
saúde. Esses dados indicaram que, em média, cada doente transmite o
vírus a menos de duas outras pessoas (1,4), enquanto os modelos
epidemiológicos mais usados estimaram uma transmissão para mais de duas
pessoas a cada infectado. Parece pouco, mas em termos epidemiológicos
faz muita diferença.
A explicação para essa discrepância está no pressuposto de como a
doença se espalha: a transmissão não é aleatória, mas sim concentrada em
grupos localizados. Entender isso é essencial para traçar estratégias
de combate à doença. É possível conter uma epidemia trabalhando
rapidamente em tratar e isolar os primeiros doentes e as pessoas que
estiveram em contato com eles. Mas isso não aconteceu em Serra Leoa e na
Libéria, onde o atendimento médico demorou a chegar e a se organizar.
Segundo a análise publicada, com o decorrer do surto a doença deixou de
circular em grupos e passou a ser transmitida mais aleatoriamente.
“Enquanto a doença circula em grupos definidos, é muito mais fácil
traçar os contatos e isolar os doentes”, diz Iamarino.
A prevenção também precisa ser pensada em escala local, agora que
vacinas estão sendo testadas. “É preciso montar cadeias de vacinação em
torno das regiões afetadas, em vez de distribuir as doses ao acaso.” É
impossível saber como o surto atual vai avançar e quando vai terminar,
mas dado o longo período de incubação e contágio, o biólogo da USP
aposta que no próximo ano o vírus continuará a agir nessa região do
oeste africano.
Artigo científico
SCARPINO, S. V. et al. Epidemiological and viral genomic sequence analysis of the 2014 Ebola outbreak. Clinical Infectious Diseases. 16 dez 2014.
SCARPINO, S. V. et al. Epidemiological and viral genomic sequence analysis of the 2014 Ebola outbreak. Clinical Infectious Diseases. 16 dez 2014.
Fonte: Revista Fapesp - dez/2014
Por: Maria Guimarães
Nenhum comentário:
Postar um comentário