Prêmio laureou cientistas por suas contribuições no desenvolvimento da nanoscopia, na identificação de células que constituem GPS cerebral e na concepção do LED azul
A Academia Real Sueca de Ciências anunciou na quarta-feira, 8, os vencedores do prêmio Nobel de Química, encerrando a safra de premiações de 2014 em categorias científicas. Eric Betzig, 54, do Instituto Médico Howard Hughes, nos Estados Unidos (EUA), Stefan Hell, 52, do Instituto Max Planck, na Alemanha, e William Moerner, 61, da Universidade de Stanford, também nos EUA, foram laureados por terem desenvolvido uma tecnologia conhecida como nanoscopia, que permite estudar com mais precisão o que acontece no universo molecular dentro de células vivas. Com a nanoscopia se tornou possível observar as células nervosas do cérebro transmitindo impulsos elétricos, investigar quais proteínas estariam relacionadas ao desenvolvimento das doenças de Parkinson, Alzheimer e Huntington e, até mesmo, acompanhar proteínas individuais em óvulos fertilizados enquanto eles se dividem para gerar embriões. Em outras palavras, Betzig, Hell e Moerner ampliaram a capacidade da microscopia a um nível que por mais de um século pareceu ser impossível alcançar.
Para entender a relevância do trabalho do grupo é preciso voltar para 1873. Naquele ano, o microscopista alemão Ernst Abbe estipulou, por meio de uma série de equações, que o limite máximo de resolução de um microscópio óptico tradicional não poderia nunca ser melhor do que 0,2 micrômetros (o equivalente a 0,0002 milímetro). Ou seja, qualquer que fosse a amostra, ela não poderia ser observada se fosse menor que 0,2 micrômetros. O principal mérito dos laureados com o Nobel de Química foi ultrapassar esse limite desenvolvendo dois métodos de microscopia óptica que nos permite hoje explorar o mundo molecular.
Em 2000, Hell desenvolveu o primeiro método, conhecido como “Microscopia de Depleção por Emissão Estimulada”, no qual dois feixes de laser são usados. Um deles estimula moléculas fluorescentes a brilharem, enquanto o outro cancela todo brilho exceto os de volumes na escala nanométrica. Com isso, ao digitalizar a amostra, o microscópio consegue gerar uma imagem com uma resolução melhor que o limite estipulado por Abber. Seis anos depois, Betzig e Moerner, trabalhando separadamente, estabeleceram as bases que fundamentaram o segundo método, conhecido como “Microscopia de Molécula Única”. O método consiste na possibilidade de se ligar e desligar a fluorescência individual das moléculas. Assim, os cientistas conseguem fazer várias imagens de uma mesma área, permitindo que apenas uma molécula brilhe de cada vez. Em seguida, sobrepondo estas imagens, obtêm uma imagem em alta resolução em escala nanométrica.
GPS cerebral
A semana pela qual muitos cientistas aguardam ansiosamente todos os anos começou na segunda-feira, 6. Para abrir as premiações, o Instituto Karolinska, em Estocolmo, laureou John O’Keefe, 75, da Universidade College London, na Inglaterra, May-Britt Moser, 51, e seu marido Edvard Moser, 52, ambos da Universidade de Ciência e Tecnologia de Trondheim, na Noruega, com o prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia. A contribuição do grupo consistiu na identificação de um conjunto de células que dão forma a um sistema de posicionamento próprio do cérebro — uma espécie de GPS interno —, que possibilita ao órgão orientar-se em ambientes distintos. O senso de espaço e a habilidade de navegar por ele é fundamental para nossa existência porque dá a percepção de posição em relação ao ambiente.
A constatação de O´Keefe e do casal Moser resolveu um problema que há tempos intrigava os neurocientistas: como o cérebro conseguia desenvolver um mapa do ambiente que o rodeia e como conseguimos nos orientar em espaços tão complexos e distintos com base nesse mapa? O´Keefe identificou os primeiros componentes celulares desse sistema de posicionamento em 1971. À época, ele observou que um grupo de neurônios em uma região do cérebro chamada hipocampo era sempre ativado quando camundongos eram colocados em lugares específicos mais de uma vez. Ou seja, o cérebro estava marcando esses ambientes como pontos de referência.
Mais de 30 anos depois, em 2005, o casal Moser identificou outro tipo de neurônio, chamados de “células de grade”, que era ativado quando os animais estavam em uma determinada região. Esses neurônios geravam um sistema de coordenadas que permitiam o posicionamento preciso e, com isso, a navegação espacial dos animais. Pesquisas posteriores verificaram como esses dois tipos de neurônios permitem determinar o posicionamento e a navegação.
LED azul
Na terça-feira, 7, a Academia Real Sueca de Ciências anunciou os laureados com o prêmio Nobel de Física. Este ano, o trio de pesquisadores japoneses Isamu Akasaki, 85, e Hiroshi Amano, 54, ambos da Universidade de Nagoya, no Japão, e Shuji Nakamura, 60, da Universidade da Califórnia, nos EUA, foi premiado por ter desencadeado uma transformação fundamental na forma como iluminamos o mundo, com mais economia de energia e durabilidade das lâmpadas. Os pesquisadores desenvolveram, ainda no início dos anos de 1990, um diodo emissor de luz (LED) azul bastante eficiente e ambientalmente sustentável. Diodos são semicondutores de cargas variadas de correntes elétricas. Em termos práticos, a criação do grupo contribuiu para a concepção das lâmpadas LED de luz branca que conhecemos hoje, mais eficazes e duradouras que as convencionais.
O desenvolvimento de LED azul é recente, apenas 20 anos. Até aquela época, meados dos anos de 1990, apenas diodos emissores de luz verde e vermelha, desenvolvidos respectivamente nos anos 1960 e 1970, haviam sido criados. Mas ainda era preciso ir um passo além. À luz do modelo de cores RGB, baseado na teoria de visão colorida tricromática de Young-Helmholtz e no triângulo de cores de Maxwell, era necessário um terceiro componente para que fosse possível obter luz branca, usada atualmente para a iluminação de casas e escritórios, semáforos e grandes placas de publicidade.
Foi apenas com a concepção pelo trio japonês do diodo emissor de luz azul que se tornou possível produzir lâmpadas brancas com a tecnologia LED que, ainda hoje, continuam sendo melhoradas, com um fluxo luminoso maior por unidade de energia consumida (medida em watts). “Akasaki, Amano e Nakamura foram bem-sucedidos onde ninguém mais foi”, destaca o texto da Academia Real Sueca de Ciências, que em 2014 completa 275 anos.
Para o físico Vanderlei Salvador Bagnato, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, o mérito maior dos pesquisadores foi conseguir obter o elemento que faltava para que fosse possível desencadear a terceira revolução da óptica. “As lâmpadas incandescentes constituíram a primeira revolução, pois tiraram a humanidade da escuridão. Depois veio o Laser, e com ele uma nova forma de emissão de luz. Agora vivemos a Era da luz LED, a qual vem desencadeando uma revolução da óptica e, com isso, ampliando as possibilidades de aplicação da óptica, tanto na comunicação quanto na iluminação”, diz Bagnato, que é coordenador do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CEPOF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), programa financiado pela FAPESP.
Cerca de um quarto do consumo de eletricidade no mundo hoje é destinada para iluminação. Assim, argumentam os organizadores da premiação, “as lâmpadas LED contribuem para preservar os recursos do planeta, já que o consumo de materiais é menor, visto que essas lâmpadas duram até 100 mil horas, enquanto as incandescentes duram apenas mil horas e as fluorescentes 10 mil horas.” Basicamente, as lâmpadas convencionais são ineficientes porque produzem luz a partir do aquecimento de um filamento de arame. No entanto, este processo desperdiça uma quantidade significativa de energia por meio do calor perdido. Já as lâmpadas fluorescentes são melhores, mas não chegam perto para a eficiência dos LEDs brancos, nos quais a luz é produzida quando elétrons negativos se combinam com “buracos” positivos em camadas muito finas de semicondutores.
O trio japonês, assim como o de Medicina ou Fisiologia e Química, dividirá 8 milhões de coroas suecas, cerca de R$ 2,64 milhões.
Fonte: Revista Fapesp on line edição outubro/2014
Por: Rodrigo de Oliveira Andrade
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