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sábado, 4 de janeiro de 2014

Mineração com micro-organismos: Bactérias são usadas para recuperar metais valiosos de sucata de eletrônicos e rejeitos de minas


© FOTOS: EDUARDO CESAR / ILUSTRAÇÕES: PEDRO HAMDAN

O Brasil é um dos campeões mundiais na geração de lixo eletrônico. Um estudo recente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), do governo federal, revelou que cerca de 1 milhão de toneladas de sucata eletrônica, formada por monitores de computadores, telefones celulares, impressoras e câmeras fotográficas, entre outros equipamentos, é descartado todos os anos no país. Apenas uma pequena parcela é reciclada porque as técnicas atuais que a tornam viável são caras e poluentes. Essa situação pode mudar se der certo comercialmente um método sustentável, tanto no âmbito econômico quanto ambiental, para recuperar metais como cobre e ouro presentes em circuitos impressos, as placas esverdeadas de fibra de vidro presentes na maioria dos aparelhos eletrônicos. A técnica, conhecida como bio-hidrometalurgia, foi desenvolvida por um grupo de pesquisadores brasileiros e usa, em uma de suas etapas, bactérias inofensivas aos seres humanos para extrair o metal existente nessas placas.
“Já se usam bactérias para bioprocessamento de metais em minas ou para a recuperação de rejeitos metálicos em barragens. A nossa ideia foi usar o método para recuperar cobre a partir da sucata”, diz o engenheiro metalurgista Jorge Tenório, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). A título de comparação, Tenório diz que o minério de cobre extraído pela Vale em suas minas tem uma concentração de menos de 1% de cobre, enquanto uma placa de circuito impresso de computador contém cerca de 30% de cobre (ver Pesquisa Fapesp nº 200, de outubro de 2012).
Atualmente já é possível reaproveitar o cobre e outros metais presentes nas placas de circuito impresso por meio de processos químicos, que usam ácidos para fazer a extração, ou pelo processo pirometalúrgico, no qual a recuperação dos metais é feita a altas temperaturas, resultando na emissão de gases poluentes. “A vantagem da nossa técnica é ser mais barata do que as convencionais e não agredir o meio ambiente”, diz Luciana Yamane, aluna que fez o doutorado no grupo de Tenório com bolsa da FAPESP. Sua tese, Recuperação de metais de placas de circuito impresso de computadores obsoletos através de processo bio-hidrometalúrgico, ganhou menção honrosa no Prêmio Dow-USP de Inovação em Sustentabilidade 2012. Nesse processo, explica Luciana, o primeiro passo é o processamento mecânico das placas de circuito. Elas são picotadas e trituradas em um moinho até virarem grãos com até 2 milímetros de diâmetro. Em seguida, usa-se um separador magnético para a retirada das partes contendo ferro e níquel. “Trabalhamos somente com o resíduo não magnético, que é o que contém cobre”, diz Luciana. O próximo passo é adicionar os grãos da placa em uma solução aquosa com ferro em sua forma solúvel (íon ferroso ou Fe+2). Quando a bactéria Acidithiobacillus ferrooxidans linhagem LR é inoculada nesse meio, ela oxida o íon ferroso, transformando-o em íon férrico (Fe+3). Este, por fim, oxida o cobre, que é liberado dos grânulos da placa e é dissolvido na solução – um processo conhecido como biolixiviação. A etapa final – a separação do cobre solubilizado – é executada por meio de processos já estabelecidos.

O grande desafio de Luciana foi condicionar os microrganismos, cujo hábitat natural são rochas contendo ferro, a sobreviver e se reproduzir no meio líquido com as placas trituradas de circuito. “Sempre que adicionávamos esses pedaços triturados no meio de cultura das bactérias, elas morriam. Certos componentes das placas, como fibra de vidro, resinas e materiais cerâmicos, são tóxicos para elas”, diz Luciana. A saída foi fazer uma lenta adaptação do microrganismo às placas. “Começamos misturando 1,25 grama de placa para cada litro de solução contendo as bactérias. Selecionamos os microrganismos resistentes, aumentamos sua população e elevamos a concentração. Repetimos esse processo várias vezes até que, no final do estágio adaptativo, conseguimos misturar 28 gramas de placa por litro. Quanto maior a concentração, mais produtivo é o processo de recuperação do cobre. Isso significa que mais placas podem ser processadas de uma só vez”, diz Luciana. O ineditismo do processo levou os pesquisadores a entrar com um pedido de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Segundo o professor Jorge Tenório, o processo bio-hidrometalúrgico permite extrair 99% do cobre presente no pó triturado das placas de circuito impresso. Curiosamente, o objetivo inicial da pesquisa não era simplesmente recuperar o cobre dos circuitos impressos. Sua intenção era criar uma sequência de etapas que, ao final, deixasse somente resíduos de ouro impregnados nos grãos triturados das placas. Esse metal também está presente nas placas de circuito impresso numa baixa concentração de 0,01%. Pode parecer um teor insignificante, mas 1 tonelada de placa contém 100 gramas de ouro. “Ocorre que a cianetação, o método para extração do ouro, não pode acontecer na presença de outros metais, principalmente o cobre. Daí a importância de recuperar primeiro o cobre para, depois, extrair o ouro das placas”, diz Luciana.
© REPRODUÇÃO
Matérias-primas para recuperação de cobre: placas de computador e rochas como calcopirita e malaquita
Matérias-primas para recuperação de cobre: placas de computador e rochas como calcopirita e malaquita
Empresa mineradora
A recuperação de metais presentes em rejeitos rochosos com a mesma bactéria A. ferrooxidans, entre eles ouro, cobre, níquel e cobalto, foi a motivação que levou um grupo de pesquisadores egressos do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) e do Instituto de Química da USP a montar em março deste ano a Itatijuca Biotech, uma start up instalada na incubadora Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), na Cidade Universitária em São Paulo. “Usamos a biolixiviação para fazer a recuperação de metais em minérios, diminuindo o desperdício e o passivo ambiental das mineradoras”, afirma o químico Érico Perrella, um dos sócios da Itatijuca. “Oferecemos um serviço inédito no país.” Segundo ele, não existe nenhuma empresa no Brasil que realize processamento mineral e recupere metais em rejeitos de mineração empregando biolixiviação, técnica já usada comercialmente em outros países, como Chile e África do Sul.

Devido ao grande conhecimento sobre a bactéria A. ferrooxidans, a professora Denise Bevilaqua, da Unesp de Araraquara, é uma das consultoras do negócio. A bactéria se alimenta de substâncias presentes nas rochas onde o metal está impregnado facilitando sua recuperação. Segundo Perrella, a biolixiviação é uma alternativa biotecnológica aos métodos convencionais de processamento mineral, que liberam no ambiente grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2), dióxido de enxofre e vários materiais tóxicos, entre eles arsênio. Além da vantagem ambiental, a nova tecnologia possibilita o processamento de minérios de baixos teores, os quais não são viáveis economicamente para extração por métodos tradicionais. Durante a biolixiviação, a pilha de minério é continuamente “irrigada” com uma solução contendo a bactéria que solubiliza os metais presentes nela. Esse processo ocorre de maneira contínua e quando se esgotam os metais passíveis de biolixiviação é possível fazer a recuperação do ouro que estava ocluso.
Ouro acessível
Outro serviço oferecido pela Itatijuca é o tratamento de cianeto que reduz o impacto na exploração de ouro. A cianetação é uma técnica executada em minérios e rejeitos rochosos para tornar o ouro residual acessível. “Imagine uma pilha de minério contendo ouro e cobre. Com a biolixiviação, retiramos o cobre. Em seguida, com a cianetação, é feita a recuperação do ouro. Mas aquela pilha de rejeitos fica com alto teor de cianeto, que é uma substância altamente tóxica – 1,25 grama dela é capaz de matar uma pessoa. Então estamos desenvolvendo um tratamento biotecnológico com outra bactéria, que preferimos não revelar o nome, para neutralizar o cianeto e, ao mesmo tempo, gerar a partir dos rejeitos um subproduto ambientalmente inócuo e com valor comercial. Isso é o que chamamos tratamento de cianeto”, explica Fábio Elias, sócio da Itatijuca. O processo de neutralização do cianeto dará origem a um pedido de patente.

O primeiro contrato da empresa está sendo fechado e prevê a recuperação de ouro de uma antiga mina localizada em Minas Gerais, que possui uma pilha de rejeitos, em forma de pirâmide, com 200 metros de extensão por cerca de 75 de largura e 6 de altura. “Vamos usar a biolixiviação e outros processos químicos, como a cianetação, para recuperar os metais da pilha, que se encontra a céu aberto”, explica Elias. De acordo com ele, a empresa prevê obter, a partir de 2016, um lucro de R$ 29 milhões ao ano, caso determinadas condições sejam atingidas. “O negócio atingirá essa lucratividade se considerarmos a recuperação de metais em uma mina com 350 mil toneladas de rejeitos, contendo 4% de cobre e 2 partes por milhão (ppm) de ouro.
Se tudo correr bem, os pesquisadores da Itatijuca têm interesse em entrar em outro ramo, a biolixiviação de fosfato, técnica bem parecida com a dos minérios metálicos. A principal diferença é que, nesse caso, ela é usada para a produção comercial de fertilizantes. “O Brasil importa atualmente uma grande quantidade de minérios fosfatados para uso na agricultura, e essa técnica ajudaria a melhorar a produção brasileira, que é baixa”, diz Perrella. “Estamos fazendo o levantamento inicial para criar um processo comercial usando biolixiviação com fungos, e não bactérias.” O principal desafio da Itatijuca será o custo. Como o fosfato tem baixo valor de mercado, para a técnica ser economicamente viável é preciso processar grandes volumes em curtos períodos de tempo.
Yuri Vasconcelos

Projeto
Recuperação de ouro de placas de circuito impresso de computadores obsoletos através de processo bio-hidrometalúrgico (nº 2010/51009-0); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coord. Jorge Soares Tenório/USP; Investimento R$ 19.550,00 (FAPESP).

Fonte: Revista Fapesp edição 214
Por: Yuri Vasconcelos 

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