Bastões de prata que só podem ser vistos em potentes microscópios eletrônicos apresentaram ação contra a bactéria Staphylococcus aureus,resistente ao antibiótico meticilina e conhecida como Sarm, responsável por infecções hospitalares. “Foi por acaso que encontramos esses bastões de prata crescendo espontaneamente em uma amostra de tungstato de prata [Ag2WO4]”, diz o professor Elson Longo, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, no interior paulista. “Estávamos estudando uma nova rota de produção do tungstato de prata, um composto de prata e tungstênio, para análise desse material, que é um cristal semicondutor, até possivelmente como esterilizante, e o colocamos num microscópio de emissão de campo elétrico por varredura e vimos o bastão, mas achávamos que o equipamento estava com defeito e fomos para outro microscópio, o de transmissão, e constatamos o mesmo fenômeno”, diz Longo, que também é o coordenador do Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento de Materiais Funcionais, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP.
“É uma nova geração de material bactericida”, diz Longo. Os testes biológicos coordenados pelo professor Carlos Eduardo Vergani, da Faculdade de Odontologia da Unesp em Araraquara, mostraram resultados promissores também contra fungos. “Os fungos são compostos por moléculas maiores e muitos apresentam resistência aos fungicidas convencionais. Conseguimos bons resultados em experimentos com aCandida albicans e estamos testando em outras espécies”, diz a professora Ana Machado, da equipe coordenada por Vergani. “Evidenciamos ainda que o crescimento de filamentos de prata no tungstato potencializou a capacidade do material de combater a proliferação de Sarm, resultando na redução em quatro vezes da quantidade da substância necessária para eliminar esse microrganismo”, diz Ana.
A novidade traz mais uma vez o uso da prata como um potente e natural material bactericida. Ela é utilizada para esse fim desde a antiguidade. A explicação científica para esse uso está relacionada às cargas elétricas ou radicais livres presentes no metal que alteram as moléculas de DNA e interagem com as membranas celulares levando a danos nos microrganismos. “Mas não existe na literatura nada que se assemelhe ao que encontramos: um material se formando de dentro de outro material”, diz Longo. “Jogamos partículas – que são elétrons presentes em maior quantidade e energia no microscópio de transmissão – no tungstato de prata e foram gerados espontaneamente filamentos apenas de prata, como se fosse uma semente de feijão que brota depois de ser enterrada na terra”, diz Longo. “Normalmente se você tem um material composto, por exemplo, o cloreto de prata, e fazemos algo para decompô-lo, o resultado são dois elementos separados, cloro e prata”, explica. “Ainda não sabemos exatamente o que acontece na prata do tungstato, estamos fazendo cálculos teóricos para entender melhor o fenômeno. Sabemos que existem uma desordem e ordem dos clusters de prata que se decompõem formando prata metálica e se movimentam para a superfície dentro do cristal de tungstato de prata, e formam fios que se consolidam em algumas partes do material.” O tamanho dos filamentos vai de micrômetros (da ordem de 1 milímetro dividido por mil) no comprimento a nanômetros (equivalente a 1 milímetro dividido por 1 milhão) na largura.
Repasse para a indústria
Os filamentos de prata do tungstato não servem para compor medicamentos, e sim para serem incorporados a metais, plásticos ou outros materiais. Nos atuais usos, a prata sozinha é aplicada como bactericida em instrumentos cirúrgicos, máquinas de lavar, geladeiras e filtros, por exemplo. O grupo coordenado por Longo faz parte também do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia, apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico (CNPq). O trabalho com nanopartículas de prata é desenvolvido há mais de uma década em parceria pelos grupos dos professores Longo, antes na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e José Arana Varela, da Unesp, atual diretor-presidente da FAPESP. Os avanços tecnológicos com essas nanopartículas conquistados pelos dois grupos foram repassados para a empresa Nanox (ver Pesquisa FAPESP n° 187), uma star-up dos laboratórios da Unesp e da UFSCar, que produz e vende material formado por nanopartículas de prata para dotar de propriedades bactericidas e autoesterilizantes uma série de produtos como purificadores de água, secadores de cabelo, tintas, embalagens de alimentos, cerâmicas e instrumentos cirúrgicos.
O novo material, apresentado na edição de abril da edição Scientific Reports da revistaNature, também demonstra outra atividade: uso na decomposição de matéria orgânica em efluentes industriais ou águas de rios e riachos. “Testamos os filamentos com rodamina B, um composto químico vermelho que não perde a cor facilmente e é usado em testes internacionais em experimentos de produtos usados em tratamento de água”, diz Longo. “Com os bastões de prata conseguimos em 30 minutos degradar a rodamina em água e dióxido de carbono [CO2] em ambiente com luz solar porque os filamentos também são fotoluminescentes e reagem com o corante ajudando a degradá-lo. Os produtos atuais fazem a rodamina ser decomposta em mais de uma hora.” Outra vantagem nesse processo é que os bastões de prata do tungstato podem ser reutilizáveis. Agora os pesquisadores, além de entender melhor o fenômeno, estão escrevendo patentes sobre os usos dos bastões de prata do tungstato.
Projetos
1. Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento de Materiais Funcionais (n° 2013/07296-2); Modalidade: Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coord. Elson Longo/Unesp; Investimento: R$ 1.184.793,34 e US$ 1.060.186,89 por ano (FAPESP).
2. Instituto Nacional de Ciências dos Materiais em Nanotecnologia (n° 2008/57872-1);Modalidade: Projeto Temático/INCT; Coord. Elson Longo/Unesp; Investimento:R$ 838.500,00 e US$ 772.295,09 (FAPESP).
Artigo científico
Longo, E. et al. Direct in situ observation of the electron-driven synthesis of Ag filaments on alpha-Ag2WO4 crystals. Scientific Reports. v. 3, n° 1.676. abr. 2013.
Fonte: Revista Fapesp edição 212 / 2013
Por: Marcos de Oliveira
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