Essa é uma pergunta que escuto frequentemente, quando converso com jovens
ainda indecisos com relação a qual carreira seguir. Na verdade, o que vejo, e
tenho certeza que meus colegas confirmam isso, é que a maioria absoluta dos
jovens não tem a menor ideia do que significa ser um cientista ou como se
constitui a carreira. Imagino que nem 5% da população brasileira possa mencionar
o nome de três (ou um?) cientista brasileiro da atualidade. A questão não é essa
constatação, que é óbvia, mas o que podemos fazer para mudar isso.
O primeiro obstáculo é o da invisibilidade. Se ninguém conhece um cientista,
fora o que se vê na TV ou no cinema, fica difícil contemplar a possibilidade de
uma carreira em ciências. Contraste isso com médicos, dentistas, professores,
policiais, profissões que fazem parte da vida dos jovens. Quando um jovem
imagina um cientista, provavelmente pensa no programa de TV "The Big Bang
Theory", ou em uma foto do Einstein de língua de fora.
A solução é maior visibilidade: é ter cientistas visitando escolas públicas e
particulares, incluindo estudantes de pós-graduação que, na maioria absoluta,
têm uma bolsa de estudos do governo. Proponho que, como parte da bolsa,
estudantes de mestrado e doutorado devam fazer uma visita ao ano (ou mais se
desejarem) a uma escola local para conversar com as crianças sobre o seu
trabalho de pesquisa e planos para suas carreiras. Sugiro que seus orientadores
façam o mesmo.
Sim, eu faço isso com muita frequência, tanto no Brasil quanto nos EUA. Pelo
menos uma visita ou palestra (às vezes via Skype) por mês. Não tira pedaço e é
extremamente útil e gratificante.
O segundo obstáculo é o estigma de nerd. Cientista é o cara bobão, o que não
tem nenhum amigo e por isso vira CDF. Grande bobagem. Tem cientista de todo
jeito, e alguns são nerds, como são alguns médicos, dentistas e policiais, e
outros são "supercool", com suas motocicletas, pranchas de surfe e
sintetizadores. Tem nerd que é "cool". Tem cientista ateu e religioso,
flamenguista e corintiano, conservador e comunista. A comunidade é tão variada
quanto em qualquer outra profissão.
O terceiro obstáculo é o da motivação. Por que fazer ciência? Esse é o mais
importante deles, e o que requer mais cuidado. A primeira razão para se fazer
ciência é ter uma paixão declarada pela natureza, um desejo insaciável de
desbravar os mistérios do mundo natural. Essa visão, sem dúvida romântica, é
essencial para muita gente: fazemos ciência porque nenhuma outra profissão nos
permite dedicar a vida a entender como funciona o mundo e como nós humanos nos
encaixamos no grande esquema cósmico. Mesmo que o que cada um pode contribuir
seja, na maioria dos casos, pouco, é o fazer parte desse processo de busca que
nos leva em frente.
Existe também o lado útil da ciência, ligado diretamente a aplicações
tecnológicas, em que novos materiais e novas tecnologias são postos a serviço da
criação de produtos e da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Mas dado que
a preparação para a carreira é longa --depois da graduação ainda tem a pós com
bolsas bem baixas-- sem a paixão fica difícil ver a utilidade da ciência como a
única motivação. No meu caso, digo que faço ciência porque não me consigo
imaginar fazendo outra coisa que me faça tão feliz. Mesmo com todas as barreiras
da profissão, considero um privilégio poder pensar sobre o mundo. E poder
dividir com os outros o que vou aprendendo no caminho.
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College,
em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente,
de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".
Fonte: Folha de SP - on line - 06/10/2013
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