Equipamento de estimulação magnética transcraniana
aplicado por pesquisador gera uma reação do cérebro detectada pelo
eletroencefalograma e exibida no monitor
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Quando uma pessoa está em coma, sob anestesia ou em
sono profundo, é difícil determinar se ela está ou não consciente. Um caso
extremo da incapacidade de responder a estímulos foi descrito no livro O
escafandro e a borboleta, assim como no filme homônimo, em que a mente
intacta do personagem central estava aprisionada num corpo imobilizado. Em
casos como esse, formas tradicionais de avaliar que a pessoa está alerta, como
pedir que aperte a mão ou pisque os olhos caso esteja ouvindo, não funcionam.
Um novo método que se propõe a verificar de maneira objetiva o nível de
consciência, desenvolvido pelo físico brasileiro Adenauer Casali durante o
doutorado na Universidade de Milão, na Itália, em colaboração com uma equipe
internacional, pode finalmente abrir uma janela sobre a mente de pacientes que
não conseguem se comunicar com o meio externo por limitações cognitivas, sensoriais
ou motoras. A técnica mereceu a capa da edição desta semana (14/8) da revista Science Translational Medicine.
Os pesquisadores associaram a estimulação magnética
transcraniana, uma técnica já usada para outros propósitos no estudo do
funcionamento do cérebro (ver Pesquisa FAPESP nº 131), à detecção de
sinais por eletroencefalograma para avaliar a capacidade de diferentes partes
do cérebro de interagirem e formarem uma percepção ou atividade consciente. “Se
uma região do cérebro diz uma coisa e as outras regiões não podem ouvi-la, a
resposta do cérebro ao estímulo será simples, indicando que a informação foi
perdida no processo de integração. Nessas condições acredita-se que o cérebro,
incapaz de integrar informação, seja também incapaz de sustentar uma cena
consciente”, explica Casali, que acaba de voltar da Itália e desde julho é
pós-doutorando no Instituto do Coração (Incor), da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Para ele, associar a consciência (entendida como a
capacidade cerebral de sustentar experiências subjetivas) à complexidade da
ativação no cérebro é parte do que permitiu o avanço. “É preciso medir a coisa
certa”, afirma. Outros estudos usaram parâmetros como a força ou a extensão da
atividade cerebral, mas sem sucesso. “Durante uma crise epiléptica, a atividade
cerebral pode aumentar, mas a pessoa mesmo assim pode perder a consciência. O
importante não é apenas a força ou a extensão da atividade cerebral, mas sim
quão complexa ela pode ser.”
Com essa ideia em mente, o físico – que quase virou
especialista em teoria das cordas, mas acabou enveredando pela neurociência –
comparou a complexidade da ativação cerebral de 32 voluntários saudáveis em
diferentes níveis de consciência: quando despertos e alertas, dormindo em sono
profundo ou sob efeito de diferentes anestésicos. Os resultados das medições foram
claros: sempre que os sujeitos perdiam a consciência, a complexidade da
ativação cerebral era drasticamente reduzida. Esses parâmetros foram então
comparados aos resultados obtidos em 20 pacientes diagnosticados com diferentes
níveis de consciência, alguns deles vítimas da mesma síndrome de Jean-Dominique
Bauby, autor de O escafandro e a borboleta. “Em dois pacientes capazes
de controlar o movimento de apenas um dos olhos, mas que eram plenamente
conscientes, a medida de complexidade cerebral estava na mesma faixa dos
sujeitos saudáveis e despertos”, conta Casali.
A aplicação clínica de seus resultados é óbvia:
caso entre em uso, a técnica pode evitar que pacientes conscientes sejam
erroneamente classificados como vegetativos. Mas ainda será necessário refinar
o método, que é indolor e não apresenta riscos, em mais pacientes antes que se
possa torná-lo prática corrente nas Unidades de Tratamento Intensivo. O próprio
Casali pretende continuar com essa linha de pesquisa, assim que consiga se
estabelecer de forma mais permanente em alguma instituição de pesquisa
brasileira. “Precisamos apenas do equipamento para coletar os dados, mas essa é
a parte mais fácil”, afirma. O conhecimento para fazer a coleta e análise dos
dados, que requer um longo aprendizado, ele já tem.
Além da aplicação prática, esses resultados também
têm um impacto teórico potencial:a definição de consciência está longe de ser
consenso entre especialistas. Por ser capaz de indicar, com resultados
empíricos diretos, uma forte relação entre consciência e complexidade cerebral,
o enfoque de Casali pode trazer uma contribuição importante para a compreensão
de um dos maiores mistérios da natureza humana.
Artigo científico
CASALI, A.G. et al. A theoretically based
index of consciousness independent of sensory processing and behavior. Science
Translational Medicine, v. 5, n. 198. 14 ago. 2013
Fonte:
Revista Fapesp / Edição Online / agosto de 2013
Por:
MARIA GUIMARÃES
Imagem:
© ADENAUER CASALI/INCOR-USP
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