Imagem de tecido adiposo: peptídeos que têm relação direta com o desejo de ingerir alimentos são alvo do projeto de pesquisa |
Considerada um grave problema de saúde pública, a obesidade atinge
17% dos brasileiros com mais de 20 anos, enquanto o excesso de peso
afeta metade da população, segundo os dados mais recentes do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mundo, estima-se que os
obesos formem um contingente de 500 milhões de pessoas sem que exista
um tratamento medicamentoso confiável e com resultados duradouros para a
enfermidade. Num esforço para descobrir uma droga eficaz que combata o
mal, um grupo de pesquisadores do Brasil e da Alemanha selou no primeiro
semestre deste ano um acordo de cooperação internacional, cujo foco é o
estudo das cininas, uma família de peptídeos gerada no sangue e nos
tecidos que tem relação direta com o desejo de ingerir alimentos e
outros parâmetros clínicos, como processos inflamatórios e pressão
arterial. A ideia dos cientistas é comprovar a participação e a eficácia
do uso de antagonistas de cininas como possíveis drogas antiobesidade.
Antagonistas são moléculas capazes de bloquear a ação de determinada
substância – nesse caso as cininas.
“O acordo contempla uma colaboração entre a nossa equipe e a do
professor Michael Bader, do Max Delbrück Center for Molecular Medicine
(MDC), da Alemanha. Queremos buscar um aprofundamento de modelos animais
que comprovem a importância das cininas no fenômeno da obesidade”, diz o
biólogo molecular João Bosco Pesquero, professor da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp). A colaboração entre os dois grupos
envolve um projeto de auxílio regular à pesquisa da FAPESP e um projeto
similar financiado pelo Helmholtz Association of German Research
Centers, agência de fomento à pesquisa alemã com orçamento anual de €
3,76 bilhões (cerca de R$ 12 bilhões) e 18 institutos vinculados. O
acordo foi firmado por iniciativa dos próprios pesquisadores, sem que
houvesse um convênio ou acordo prévio entre a FAPESP e o Helmholtz. A
maioria dos auxílios e bolsas concedidos pela Fundação, como o auxílio
regular pedido por Pesquero, inclui recursos que podem ser utilizados, a
critério do pesquisador responsável e de acordo com as regras da
FAPESP, para a colaboração internacional na pesquisa. Esse é o primeiro
projeto de colaboração entre pesquisadores apoiados pelas duas
instituições.
“A cooperação entre o Brasil e a Alemanha tem se intensificado ao
longo dos anos e quando o professor Jürgen Mlynek, presidente da
Helmholtz, esteve no Brasil em 2011, demonstrou muito interesse numa
cooperação científica entre os dois países”, conta Pesquero. “Eu e o
professor Bader decidimos que iríamos iniciar a colaboração e, como não
tínhamos nenhum acerto entre as duas fundações, nenhuma regra
preestabelecida, pedi um projeto regular de pesquisa à FAPESP para dar o
pontapé inicial. Nós aprovamos o projeto aqui e o professor Bader fez o
mesmo lá, com o Helmholtz.” O mesmo projeto – Cininas como novos alvos da obesidade
– foi submetido nos dois países para obtenção dos dois financiamentos. O
auxílio da Helmholtz tem duração de três anos, com aportes anuais de €
50 mil (cerca de R$ 160 mil), enquanto o da FAPESP é de R$ 267 mil no
período de dois anos.
Camundongos transgênicos
No âmbito dos estudos que serão realizados, os modelos animais têm importância primordial porque são camundongos transgênicos em que foram desligados os genes relacionados aos receptores B1, responsáveis pela transmissão das ações das cininas. Estudos feitos anos atrás pelos dois grupos demonstraram que o receptor B1 está intimamente envolvido na sinalização da leptina, um hormônio que funciona como modulador de apetite. Níveis elevados dessa substância no sangue reduzem a fome da pessoa. Camundongos deficientes em receptores B1 criados pelo grupo no passado foram resistentes à obesidade induzida por dieta rica em gordura (ver Pesquisa Fapesp n° 189).
No âmbito dos estudos que serão realizados, os modelos animais têm importância primordial porque são camundongos transgênicos em que foram desligados os genes relacionados aos receptores B1, responsáveis pela transmissão das ações das cininas. Estudos feitos anos atrás pelos dois grupos demonstraram que o receptor B1 está intimamente envolvido na sinalização da leptina, um hormônio que funciona como modulador de apetite. Níveis elevados dessa substância no sangue reduzem a fome da pessoa. Camundongos deficientes em receptores B1 criados pelo grupo no passado foram resistentes à obesidade induzida por dieta rica em gordura (ver Pesquisa Fapesp n° 189).
Mudança no sistema nervoso
Agora a ideia é aprofundar essa investigação e tentar descobrir exatamente qual tipo de receptor B1 – já que ele é encontrado no tecido adiposo e em diversos órgãos – teria relação direta com a obesidade. Nas pesquisas conjuntas anteriores eles constataram que ocorre uma mudança no sistema nervoso central do animal transgênico sem o receptor B1, levando ao aumento da expressão de um hormônio que controla o apetite chamado Cart (Cocaine and Amphetamne-Related Transcript). “Como o receptor B1 está presente em diferentes tecidos e células, incluindo o cérebro, a finalidade desse modelo será testar a hipótese de que o fenótipo que vemos no animal, que não engorda, de resistência à obesidade é devido à retirada do receptor expresso nas células do sistema nervoso”, explica Pesquero. “Portanto, se a hipótese estiver correta, ao aumentarmos a expressão do receptor B1 nessas células devemos observar um efeito contrário. São formas diferentes de testar uma hipótese geneticamente.” Uma consequência direta dessa nova investigação – caso a hipótese proposta se mostre acertada – é a geração de possíveis drogas antiobesidade baseadas no antagonista do receptor B1 capazes de chegar até o cérebro para ter melhor eficácia. “Para isso, a nova droga deverá ter uma estrutura tal que a permita ser capaz de atravessar a barreira hematoencefálica”, diz Pesquero.
Agora a ideia é aprofundar essa investigação e tentar descobrir exatamente qual tipo de receptor B1 – já que ele é encontrado no tecido adiposo e em diversos órgãos – teria relação direta com a obesidade. Nas pesquisas conjuntas anteriores eles constataram que ocorre uma mudança no sistema nervoso central do animal transgênico sem o receptor B1, levando ao aumento da expressão de um hormônio que controla o apetite chamado Cart (Cocaine and Amphetamne-Related Transcript). “Como o receptor B1 está presente em diferentes tecidos e células, incluindo o cérebro, a finalidade desse modelo será testar a hipótese de que o fenótipo que vemos no animal, que não engorda, de resistência à obesidade é devido à retirada do receptor expresso nas células do sistema nervoso”, explica Pesquero. “Portanto, se a hipótese estiver correta, ao aumentarmos a expressão do receptor B1 nessas células devemos observar um efeito contrário. São formas diferentes de testar uma hipótese geneticamente.” Uma consequência direta dessa nova investigação – caso a hipótese proposta se mostre acertada – é a geração de possíveis drogas antiobesidade baseadas no antagonista do receptor B1 capazes de chegar até o cérebro para ter melhor eficácia. “Para isso, a nova droga deverá ter uma estrutura tal que a permita ser capaz de atravessar a barreira hematoencefálica”, diz Pesquero.
No recém-firmado acordo internacional, com duração prevista de três a
quatro anos, o papel do grupo alemão será produzir os novos animais
transgênicos. “Meu grupo trabalha em vários sistemas hormonais
envolvidos no controle cardiovascular, entre eles o relacionado às
cininas”, afirma o biólogo molecular Michael Bader. “Nós geramos modelos
de ratos e camundongos com alteração dos genes envolvidos nesses
processos. Ao analisar esses animais, podemos descobrir novas funções
relativas a esses sistemas geralmente com relevância terapêutica.” Assim
que o camundongo transgênico for gerado e caracterizado nos
laboratórios do MDC, entrará em ação a equipe da Unifesp, que ficará
responsável por realizar os experimentos fisiológicos com o animal.
“Vamos colocá-lo sob dieta hiperlipídica e avaliar diferentes parâmetros
como massa corporal, quantidade de gordura, concentração e resposta a
vários hormônios ligados ao metabolismo”, explica o professor da
Unifesp.
Não é de hoje que Bader e Pesquero realizam trabalhos em conjunto. A
primeira colaboração entre eles remonta a 1992, quando o brasileiro foi
para a Alemanha fazer seu pós-doutorado no MDC e conheceu o colega
alemão. Pesquero passou quatro anos no país – dois com bolsa da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e
outros dois com financiamento do governo alemão – e, desde então, tem
mantido contatos com Bader. Ao voltar para o Brasil, assumiu o cargo de
professor do Departamento de Biofísica da Unifesp. “Durante vários anos,
muitos alunos meus, que hoje são pesquisadores ou docentes da
universidade e de outras instituições brasileiras, tiveram a
oportunidade de desenvolver parte de seu trabalho no Max Delbrück com o
grupo do professor Bader.” Em 2003 os dois depositaram, em conjunto com
outros colaboradores das respectivas equipes, uma patente sobre a ação
de drogas no diabetes e na obesidade, intitulada Mecanismos e Drogas
Utilizados no Tratamento de Diabetes e Obesidade e Controle dos
Distúrbios da Fome.
Projeto
Cininas como novos alvos na obesidade (n° 2011/12909-8); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coord. João Bosco Pesquero – Unifesp; Investimento R$ 147.025,00 e US$ 50.000,00 (FAPESP).
Cininas como novos alvos na obesidade (n° 2011/12909-8); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coord. João Bosco Pesquero – Unifesp; Investimento R$ 147.025,00 e US$ 50.000,00 (FAPESP).
FONTE: Revista Fapesp - setembro de 2013
Por: Yuri Vasconcelos
Ilustração: Astrid & Hanns-Frieder Michler / Science Photo Library
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