O início dos testes de uma droga contra a síndrome
de Rett, um transtorno que atinge meninas com uma mutação genética, está
abrindo caminho para a busca de tratamentos para o autismo --síndrome
psiquiátrica de alta prevalência contra a qual não há nenhum fármaco.
A síndrome de Rett é uma doença rara, mas sua
semelhança com o autismo típico instiga cientistas, que veem nela uma janela para
investigar drogas mais gerais contra esse transtorno, caracterizado por
problemas motores, de comunicação e de afeto.
Três ensaios clínicos estão testando a ação do
IGF1, um hormônio de crescimento, em meninas com Rett.
O primeiro avaliou seis pacientes no Hospital
Versilia, na Toscana (Itália), e concluiu que a droga é segura. Apesar de não
ter conseguido quantificar efeito terapêutico do remédio com tão poucas
pacientes, o trabalho relata que todas as meninas tiveram melhora das funções
cognitivas.
"Uma das pacientes, que não conseguia mover os
braços, está agora comendo frutas sozinha usando suas mãos", disse à Folha
Daniela Tropea, médica que liderou o ensaio clínico. "Já é um grande
avanço."
O grupo italiano ainda não conseguiu apoio para
iniciar um estudo em escala maior para avaliar a eficácia da droga. Cientistas
do Hospital de Crianças de Boston, porém, já têm um teste de fase dois --são
necessários três para aprovar uma droga-- em andamento, com objetivo de
recrutar 40 meninas.
A síndrome de Rett, que era considerada um
transtorno da classe do autismo, deixou de sê-lo no DSM-5, o novo manual de
diagnósticos da Associação Americana de Psiquiatria, lançado neste ano.
No entanto, Alysson Muotri, cientista brasileiro na
Universidade da Califórnia em San Diego, defende a ideia de que as duas doenças
têm semelhanças o suficiente para que um mesmo tipo de tratamento funcione em
ambas.
Não há nenhum teste programado da droga em crianças
autistas ainda, mas Muotri já mostrou que o IGF1 é capaz de "curar"
neurônios criados a partir de células de crianças autistas ou com Rett.
O brasileiro tem dúvidas, porém, sobre se esse
hormônio é pequeno o bastante para atingir todos os neurônios necessários. Seu
laboratório agora busca moléculas com efeito mais potente.
O biólogo ajudou os NIH (Institutos Nacionais de
Saúde dos EUA) a montarem um centro que usa um sistema de pesquisa robotizado
para testar centenas de compostos em amostras de células reprogramadas de
crianças autistas e com Rett.
Jeffrey Neul, do Baylor College, de Houston, já
começou a testar em pacientes adultas uma versão alterada do IGF1.
Com ajuda de uma farmacêutica neozelandesa, ele
extraiu um peptídeo --pedaço da molécula do hormônio-- e o modificou para se
tornar quimicamente estável.
Em sua nova forma, a droga penetra o cérebro com
mais eficácia e previne efeitos colaterais em pacientes com problemas
metabólicos --dificuldade verificada no uso de IGF1 em experimentos com
camundongos.
"Doenças como a síndrome de Rett permitem
vislumbrar um pouco o autismo idiopático [clássico]. Esperamos que muitos dos
tratamentos testados para essas doenças possam vir a beneficiar um subconjunto
de pessoas com autismo, ainda que não seja possível ajudar todas elas",
diz Neul.
Fonte: Folha de São
Paulo /julho 2013
Por:
Rafael Garcia / São Paulo
Imagem: Editoria de Arte/Folhapress
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