Descobertas abrem caminho para o desenvolvimento de substâncias capazes de interferir no ciclo de vida do parasita ainda na fase inicial da infecção
Inoculado no organismo pela picada do barbeiro, um inseto de hábitos noturnos que se alimenta de sangue, o protozoário Trypanosoma cruzi
influencia o funcionamento das células humanas antes mesmo de as
invadir. Ao chegar aos tecidos pelos quais tem afinidade, o parasita
libera no meio extracelular uma molécula, a enzima mevalonato quinase
(MVK), que facilita a sua entrada nas células. A MVK é mais conhecida
por participar da síntese de colesterol em diversos organismos. Mas,
secretada pelo T. cruzi, ela ganha uma nova função. Em contato
com as células hospedeiras, ela ativa uma cascata de reações químicas
que ajudam o parasita a invadir a célula e dar início à infecção que
caracteriza a doença de Chagas, enfermidade que afeta aproximadamente 7
milhões de pessoas no mundo, sobretudo na América Latina.
Uma equipe de pesquisadores da Escola Paulista de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) identificou recentemente
essa ação extracelular do protozoário e a descreveu em um artigo
publicado na revista Scientific Reports. Segundo os
pesquisadores, os achados abrem caminho para o desenvolvimento de
estratégias capazes de interferir no ciclo de vida do T. cruzi em uma fase bem inicial da infecção. “Até onde se sabe, o T. cruzi
é o único organismo em que a MVK exerce uma segunda, e inesperada,
função além de sintetizar colesterol”, diz a bióloga Diana Bahia,
pesquisadora do Departamento de Microbiologia, Imunologia e
Parasitologia da Unifesp e coordenadora da pesquisa. O estudo também
envolveu a participação de colaboradores das universidades federais de
Uberlândia (UFU) e de Minas Gerais (UFMG), do Laboratório Nacional de
Biociências em Campinas (LNBio), no interior de São Paulo, e da
Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos.
Em experimentos feitos em laboratório, os pesquisadores introduziram
no meio extracelular uma proteína produzida artificialmente para simular
a ação da MVK. O objetivo era verificar se com mais MVK o protozoário
invadiria mais facilmente as células. Eles observaram que a presença do
protozoário era significativamente maior quando a enzima era secretada
para o meio externo. “Concluímos que a MVK estimula outras vias de
sinalização da célula hospedeira que vão culminar na facilitação da
entrada do parasita na célula”, acrescenta a pesquisadora.
Em outro estudo, publicado na revista Cellular Microbiology,
o grupo de Diana descreveu uma dessas vias usada pelo parasita para se
estabelecer nas células dos mamíferos. Eles verificaram que proteínas
quinase (PKs) adicionam fosfato em outra proteína, a cortactina. Esta,
por sua vez, forma um complexo com uma proteína quinase D, a PKD.
Juntas, a PKD e a cortactina auxiliam na polimerização de outra
proteína, a actina, amplamente distribuída pelo interior da célula. A
actina ancora-se a outras proteínas aprisionadas na membrana celular de
modo a formar uma rede difusa de filamentos, o chamado citoesqueleto,
responsável por manter a forma das células e suas junções e auxiliar
seus movimentos. Sob a ação da PKD e da cortactina, a actina forma uma
espécie de taça que envolve o parasita, trazendo-o para dentro da
célula.
“Essa é a primeira vez que se descreve a participação da PKD e da cortactina como essenciais na invasão do T. cruzi
na célula”, diz Diana. “Verificamos que, se eliminarmos a cortactina, a
taxa de invasão diminui significativamente.” De acordo com a bióloga,
essa via de sinalização ocorre paralelamente a outras já descritas — e
possivelmente a muitas outras ainda desconhecidas. “Agora sabemos que,
ao retirar uma dessas moléculas, podemos interferir no estabelecimento
do parasita na célula. Ao intervir em uma via, é possível afetar as
demais, pois elas são cruzadas”, explica. A ideia, segundo ela, é
investir no estudo de moléculas que possam desativar ou inibir as
moléculas envolvidas no processo de invasão pelo T. cruzi.
Projetos
1. Biologia molecular e celular do parasitismo por Trypanosoma cruzi (nº 2011/51475-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa — Temático; Pesquisador responsável José Franco da Silveira Filho (Unifesp); Investimento R$ 3.226.116,91 (FAPESP).
2. Identificação e caracterização molecular de proteínas quinases de Trypanosoma cruzi para o estudo da comunicação celular, modelagem molecular e desenho de drogas inibidoras: estudo dos parceiros das vias de sinalização focado na invasão de EA (nº 2007/50551-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa — Apoio a Jovens Pesquisadores; Pesquisadora responsável Diana Bahia (Unifesp); Investimento R$ 532.546,98 (FAPESP).
1. Biologia molecular e celular do parasitismo por Trypanosoma cruzi (nº 2011/51475-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa — Temático; Pesquisador responsável José Franco da Silveira Filho (Unifesp); Investimento R$ 3.226.116,91 (FAPESP).
2. Identificação e caracterização molecular de proteínas quinases de Trypanosoma cruzi para o estudo da comunicação celular, modelagem molecular e desenho de drogas inibidoras: estudo dos parceiros das vias de sinalização focado na invasão de EA (nº 2007/50551-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa — Apoio a Jovens Pesquisadores; Pesquisadora responsável Diana Bahia (Unifesp); Investimento R$ 532.546,98 (FAPESP).
Artigos científicos
FERREIRA, E. R. et al. Unique behavior of Trypanosoma cruzi mevalonate kinase: A conserved glycosomal enzyme involved in host cell invasion and signaling. ScientificReports. 2016.
BONFIM-MELO, A. et al. Trypanosoma cruzi extracellular amastigotes trigger the protein kinase D1-cortactin-actin pathway during cell invasion. CellularMicrobiology. 2015.
FERREIRA, E. R. et al. Unique behavior of Trypanosoma cruzi mevalonate kinase: A conserved glycosomal enzyme involved in host cell invasion and signaling. ScientificReports. 2016.
BONFIM-MELO, A. et al. Trypanosoma cruzi extracellular amastigotes trigger the protein kinase D1-cortactin-actin pathway during cell invasion. CellularMicrobiology. 2015.
Fonte: Revista Fapesp on line
Por Rodrigo de Oliveira Andrade
Nenhum comentário:
Postar um comentário