Substância desencadeia alterações nos padrões de conectividade de regiões do cérebro associadas à visão e à consciência
Um grupo internacional de pesquisadores, entre eles o neurocientista brasileiro Eduardo Schenberg, à época no Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), analisou em detalhes os efeitos do LSD no cérebro humano por meio de diferentes técnicas de neuroimagem. LSD é a sigla de Lysergsäurediethylamid, palavra alemã para a dietilamida do ácido lisérgico, substância conhecida pelo seu efeito alucinógeno. Em um estudo publicado na segunda-feira, 11, na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), os pesquisadores verificaram que o ácido desencadeou alterações nos padrões de atividade e conectividade de redes de neurônios no cérebro de voluntários.
Os achados podem ampliar as perspectivas de estudo envolvendo o uso de LSD e outras substâncias químicas no tratamento de distúrbios psiquiátricos. Isso porque essas drogas parecem interromper padrões de conectividade entre redes cerebrais em diferentes áreas do cérebro. É a primeira vez que esse tipo de estudo é feito. Até então, quando o LSD era mais estudado, antes de sua proibição em meados dos anos de 1960, nenhuma das técnicas usadas de neuroimagem existiam.
No estudo, os pesquisadores administraram o LSD em 20 indivíduos, todos considerados saudáveis do ponto de vista físico e mental. Os experimentos foram feitos em dois dias. Em um deles, cada voluntário recebeu uma injeção de 75 microgramas do LSD. Em outro dia, placebo. Para entender os efeitos do alucinógeno no cérebro dos indivíduos, os pesquisadores valeram-se de três técnicas de neuroimagem que mediram o fluxo de sangue, as conexões funcionais dentro e entre as redes cerebrais e as ondas cerebrais no cérebro dos indivíduos sob efeito do LSD e do placebo. “Das 20 pessoas que participaram do estudo, cinco não foram aproveitadas, uma vez que é muito difícil ficar quieto sob efeito dessa droga”, explica Schenberg. “Descartamos essas pessoas porque os equipamentos não conseguiram escanear seus cérebros adequadamente.”
Os participantes relataram terem experimentado alucinações visuais e estados de consciência alterados pelo LSD. Os pesquisadores associaram essas alucinações visuais a alterações em uma área específica na parte de trás do cérebro, responsável pelo processamento de estímulos visuais — chamado córtex visual —, incluindo o aumento do fluxo sanguíneo e a conectividade expandida com outras regiões do órgão. Em condições consideradas normais, os estímulos visuais são processados pelo córtex visual. No entanto, sob efeito do LSD, neurônios de áreas associadas ao processamento de estímulos visuais tornaram-se ainda mais ativos, embora os olhos dos voluntários estivessem fechados. “A atividade no córtex visual durante a experiência com o LSD está relacionada à atividade de muito mais regiões cerebrais do que a atividade registrada com o uso do placebo”, diz.
Ao mesmo tempo, os cientistas associaram a diminuição dos índices de conectividade entre os neurônios de duas regiões do cérebro — os córtices para-hipocampal e retrosplenial — a alterações nos estados de consciência, expressas pelos voluntários como uma sensação de desintegração de si mesmo (ou dissolução do ego). “O LSD diminuiu a intensidade das oscilações elétricas de praticamente todo o córtex cerebral, o que está associado a uma menor sincronia entre neurônios, indicando que o córtex se encontra, de maneira geral, em um estado de funcionamento muito diferente do usual”, explica Schenberg. O cérebro humano funciona tendo como base redes independentes responsáveis por funções específicas, como a visão, os movimentos, a audição e a atenção. Sob o efeito do alucinógeno, no entanto, as regiões responsáveis por essas funções tornaram-se mais conectadas, dando forma a um cérebro mais integrado ou unificado.
Os achados, ele diz, podem ser úteis no estudo envolvendo o uso de LSD no tratamento de distúrbios psiquiátricos, como transtorno obsessivo compulsivo, dependência química, estresse pós-traumático e depressão. Drogas como essa parecem interromper padrões de conectividade entre redes cerebrais localizadas em diferentes áreas do cérebro. Em outras palavras, o possível efeito terapêutico do LSD estaria relacionado a maior fluidez da atividade cerebral que acompanha a experiência subjetiva da perda da noção de si. Além de Schenberg, participaram da pesquisa cientistas do Reino Unido, Canadá, da Alemanha e Nova Zelândia.
Artigo científico
CARHART-HARRIS, R. L. & NUTT, D. J. et al. Neural correlates of the LSD experience revealed by multimodal neuroimaging. Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). v. 113, n. 15, p. 1-6. abr. 2016.
Fonte: Revista Fapesp on line abril/2016
Por: RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE
Imagem: Imperial College London
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