Colaboradores

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Pesquisadores avaliam os efeitos do LSD no cérebro humano

Substância desencadeia alterações nos padrões de conectividade de regiões do cérebro associadas à visão e à consciência


Áreas do cérebro responsáveis pela visão estavam muito mais ativas sob o efeito do LSD
Um grupo internacional de pesquisadores, entre eles o neurocientista brasileiro Eduardo Schenberg, à época no Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), analisou em detalhes os efeitos do LSD no cérebro humano por meio de diferentes técnicas de neuroimagem. LSD é a sigla de Lysergsäurediethylamid, palavra alemã para a dietilamida do ácido lisérgico, substância conhecida pelo seu efeito alucinógeno. Em um estudo publicado na segunda-feira, 11, na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), os pesquisadores verificaram que o ácido desencadeou alterações nos padrões de atividade e conectividade de redes de neurônios no cérebro de voluntários.
Os achados podem ampliar as perspectivas de estudo envolvendo o uso de LSD e outras substâncias químicas no tratamento de distúrbios psiquiátricos. Isso porque essas drogas parecem interromper padrões de conectividade entre redes cerebrais em diferentes áreas do cérebro. É a primeira vez que esse tipo de estudo é feito. Até então, quando o LSD era mais estudado, antes de sua proibição em meados dos anos de 1960, nenhuma das técnicas usadas de neuroimagem existiam.
No estudo, os pesquisadores administraram o LSD em 20 indivíduos, todos considerados saudáveis do ponto de vista físico e mental. Os experimentos foram feitos em dois dias. Em um deles, cada voluntário recebeu uma injeção de 75 microgramas do LSD. Em outro dia, placebo. Para entender os efeitos do alucinógeno no cérebro dos indivíduos, os pesquisadores valeram-se de três técnicas de neuroimagem que mediram o fluxo de sangue, as conexões funcionais dentro e entre as redes cerebrais e as ondas cerebrais no cérebro dos indivíduos sob efeito do LSD e do placebo. “Das 20 pessoas que participaram do estudo, cinco não foram aproveitadas, uma vez que é muito difícil ficar quieto sob efeito dessa droga”, explica Schenberg. “Descartamos essas pessoas porque os equipamentos não conseguiram escanear seus cérebros adequadamente.”
Os participantes relataram terem experimentado alucinações visuais e estados de consciência alterados pelo LSD. Os pesquisadores associaram essas alucinações visuais a alterações em uma área específica na parte de trás do cérebro, responsável pelo processamento de estímulos visuais — chamado córtex visual —, incluindo o aumento do fluxo sanguíneo e a conectividade expandida com outras regiões do órgão. Em condições consideradas normais, os estímulos visuais são processados pelo córtex visual. No entanto, sob efeito do LSD, neurônios de áreas associadas ao processamento de estímulos visuais tornaram-se ainda mais ativos, embora os olhos dos voluntários estivessem fechados. “A atividade no córtex visual durante a experiência com o LSD está relacionada à atividade de muito mais regiões cerebrais do que a atividade registrada com o uso do placebo”, diz.
Ao mesmo tempo, os cientistas associaram a diminuição dos índices de conectividade entre os neurônios de duas regiões do cérebro — os córtices para-hipocampal e retrosplenial — a alterações nos estados de consciência, expressas pelos voluntários como uma sensação de desintegração de si mesmo (ou dissolução do ego). “O LSD diminuiu a intensidade das oscilações elétricas de praticamente todo o córtex cerebral, o que está associado a uma menor sincronia entre neurônios, indicando que o córtex se encontra, de maneira geral, em um estado de funcionamento muito diferente do usual”, explica Schenberg. O cérebro humano funciona tendo como base redes independentes responsáveis por funções específicas, como a visão, os movimentos, a audição e a atenção. Sob o efeito do alucinógeno, no entanto, as regiões responsáveis por essas funções tornaram-se mais conectadas, dando forma a um cérebro mais integrado ou unificado.
Os achados, ele diz, podem ser úteis no estudo envolvendo o uso de LSD no tratamento de distúrbios psiquiátricos, como transtorno obsessivo compulsivo, dependência química, estresse pós-traumático e depressão. Drogas como essa parecem interromper padrões de conectividade entre redes cerebrais localizadas em diferentes áreas do cérebro. Em outras palavras, o possível efeito terapêutico do LSD estaria relacionado a maior fluidez da atividade cerebral que acompanha a experiência subjetiva da perda da noção de si. Além de Schenberg, participaram da pesquisa cientistas do Reino Unido, Canadá, da Alemanha e Nova Zelândia.
Artigo científico
CARHART-HARRIS, R. L. & NUTT, D. J. et al. Neural correlates of the LSD experience revealed by multimodal neuroimaging. Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). v. 113, n. 15, p. 1-6. abr. 2016.

Fonte: Revista Fapesp on line abril/2016
Por: RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE
Imagem: Imperial College London

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Vírus zika provavelmente chegou ao Brasil em 2013

Agente infeccioso deve ter entrado no país em um único evento, 18 meses antes de os primeiros casos serem registrados
 
 
© JAMES GATHANY/CDC
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O fato de a maioria das infecções não provocar sintomas pode ter contribuído para que o zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, se espalhasse pelo país quase sem ser percebido.
 
O vírus zika pode ter entrado no Brasil em meados de 2013, quase um ano e meio antes de os primeiros casos começarem a ser registrados no país. Até então, o Ministério da Saúde estimava que o vírus havia aportado em território nacional entre 2014 e 2015, o mesmo período em que se começou a detectar um aumento nos casos de microcefalia — um tipo de malformação congênita em que os bebês nascem com a cabeça menor que o esperado para o tempo de gestação —, sobretudo na região Nordeste. Em um estudo publicado nesta quinta-feira (24/3) na revista Science, um grupo internacional de pesquisadores, do qual participam brasileiros dos institutos Evandro Chagas e Adolfo Lutz e da Fundação Oswaldo Cruz, sugere que o vírus, até pouco tempo atrás considerado inofensivo, entrou no Brasil em único evento. Uma vez aqui, encontrou condições favoráveis para se espalhar rapidamente, segundo os pesquisadores. A disseminação no país possivelmente começou em algum momento entre os meses de maio e dezembro de 2013, período que coincide com a realização de eventos esportivos de grande porte, como a Copa das Confederações, e o aumento no trânsito de pessoas pelo país.
As conclusões baseiam-se em análises de dados genéticos do vírus e epidemiológicos de pessoas infectadas por ele. Ao combiná-los com informações geográficas e temporais, os pesquisadores recuperaram as origens e os possíveis padrões de dispersão do vírus. No estudo, eles extraíram amostras de zika de sete indivíduos de várias regiões do país, todas colhidas em diferentes meses de 2015. Em seguida, sequenciaram o material genético do vírus.
A partir daí, para estimar o período em que o microrganismo entrou no Brasil, os pesquisadores construíram uma árvore filogenética com todos os genomas disponíveis em circulação nas Américas. “Em conjunto com uma técnica chamada de relógio molecular, conseguimos reconstruir no tempo como as relações entre esses genomas se estabeleceram”, explica o virologista Renato Pereira de Souza, do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, e um dos autores do estudo. Essa técnica, segundo ele, possibilita calcular o momento em que dois vírus próximos divergiram entre si. “Esses dados servem como indicadores do tempo em que existia um ancestral comum entre essas linhagens. Dessa forma, foi possível calcular o momento provável que o zika entrou no país.” O grupo, coordenado pelo biomédico português Nuno Faria, do Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford, já havia usado essa mesma técnica em 2014 para identificar o ponto a partir do qual o HIV — vírus causador da Aids — se disseminou na África (ver Pesquisa FAPESP On-line).
O sequenciamento do material genético do zika revelou um genoma com cerca de 10,7 mil nucleotídeos compondo uma fita simples de ácido ribonucleico (RNA) com genes capazes de expressar dez diferentes proteínas. As análises filogenéticas, por sua vez, sugerem que a variedade que circula no Brasil e em outros países da América do Sul é a mesma originária da Polinésia Francesa, que registrou um surto de infecção por zika em novembro de 2013 que se estendeu até meados de 2014. Os resultados reiteram algo que há algum tempo alguns pesquisadores já suspeitavam. O vírus deixou as florestas de Uganda, na África, por volta de 1945, e circulou pelo planeta nas décadas seguintes, passando pela Ásia até chegar à Polinésia Francesa em 2013, de onde alcançou o Brasil (ver Pesquisa FAPESP nº 240).
Antes desse estudo, suspeitava-se de que o zika havia sido introduzido no país por indivíduos infectados, sobretudo da África, que vieram ao Brasil para dois grandes eventos esportivos em 2014: a Copa do Mundo de futebol e uma competição internacional de canoagem, no Rio de Janeiro — este último teve a participação de atletas da Polinésia Francesa. Os resultados apresentados agora pela equipe de Faria, porém, reforçam a ideia de que o vírus zika, na verdade, deve ter entrado no Brasil durante a Copa das Confederações — evento-teste da Copa do Mundo —, realizada entre os dias 15 e 30 de junho de 2013.
Os pesquisadores chegaram a essa conclusão ao confrontar os resultados da análise genética do vírus com informações de voos provenientes de países nos quais houve surtos de infecção por zika entre 2012 e 2014. A partir de fins de 2012, aumentou o número de pessoas vindas desses lugares desembarcando no Brasil: a média era de 3.775 passageiros por mês no início de 2013 e de 5.754 em 2014. “O vírus pode ter permanecido indetectável por cerca de um ano até os primeiros casos começarem a ser reportados, em maio de 2015”, diz Nuno Faria. Ele e Souza sugerem que o fato de a maioria das infecções não provocar sintomas pode ter contribuído para que o zika se espalhasse pelo país quase sem ser percebido. Além dos casos assintomáticos, há outra complicação. Nas vezes em que surgem sintomas estes são muito parecidos com os provocados pelos vírus da dengue e da febre chikungunya, o que pode ter dificultado e até atrasado a identificação dos primeiros casos de zika.
Os dados, segundo Faria, são importantes e “podem servir de base para outros estudos com o objetivo de entender melhor a relação entre o vírus e a microcefalia e outras malformações congênitas”. No entanto, ele diz, ainda são insuficientes para determinar por onde exatamente o vírus entrou no Brasil. O Ministério da Saúde estima que entre 443 mil e 1,3 milhão de brasileiros já podem ter tido zika, sobretudo na Bahia, o estado com maior número de casos registrados. De 2000 a 2014, o ministério registrou a média anual de 164 casos de microcefalia. De outubro de 2015 a fevereiro deste ano, o número de casos confirmados alcançou 583.
Artigos científicosFARIA, N. R. et al. Zika virus in the Americas: early epidemiological and genetic findings. Science. v. 351, n. 6280, p. 1-9. 25 mar. 2016.
SALVADOR, F. S. Entry routes for Zika virus in Brazil after 2014 world cup: new possibilities. Travel Medicine Infectious Disease. fev. 2014.
MUSSO, D. Zika Virus Transmission from French Polynesia to Brazil. Emerging Infectious Diseases. out. 2015.
 
Fonte: Revista Fapesp
Por Rodrigo de Oliveira Andrade - março de 2016

sábado, 2 de abril de 2016

Incertezas sobre a microcefalia

Registros atuais e anteriores ainda não retratam a realidade do problema no país

 © RUNPHOTO / GETTY IMAGES
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Foi preciso atravessar meio mundo para o vírus zika deixar o anonimato. Por quase 60 anos o vírus circulou pela África e pela Ásia praticamente sem ser notado. Ao aportar no Brasil, porém, encontrou condições favoráveis para se espalhar rapidamente e atraiu a atenção internacional ao se tornar o principal suspeito do aumento nos casos de microcefalia, um tipo de má-formação congênita da qual pouco se ouvia falar no país.
Microcefalia é um termo de origem grega usado pelos médicos para designar uma condição em que as crianças nascem com a cabeça pequena demais para o tempo de gestação. A maioria delas, segundo especialistas, é saudável. Apenas uma pequena parte nasce com microcefalia em decorrência de problemas de desenvolvimento que deixam o cérebro menor. Nesses casos, não há cura. Um bebê pode nascer com o cérebro pequeno demais por causa de uma série de defeitos genéticos – há ao menos 16 genes conhecidos associados ao problema. Mas também pode ter microcefalia em consequência de razões ambientais, como o consumo de álcool ou exposição a produtos tóxicos na gestação, ou de uma série de infecções, como as causadas pelo vírus da rubéola e do herpes, pelo parasita da toxoplasmose ou pela bactéria da sífilis.
A possibilidade de o zika também causar o problema soou o alerta geral pela facilidade com que o vírus se dissemina. Considerado inofensivo por muito tempo, o zika entrou no Brasil entre 2014 e 2015 e, segundo o Ministério da Saúde, já pode ter infectado 1,4 milhão de pessoas. Nesse mesmo tempo, detectou-se um aumento nos casos de microcefalia, em especial na região Nordeste. De 2000 a 2014, o ministério registrou a média anual de 164 casos de microcefalia. Mas, de outubro de 2015 a 20 de fevereiro deste ano, o número de casos confirmados alcançou 583.
Em meio ao surto, políticos e autoridades da saúde chegaram a afirmar que o país estaria diante da mais terrível epidemia dos últimos tempos, que, se não fosse contida, poderia deixar toda uma geração de brasileiros com danos neurológicos ou, como disseram, “sequelados”.
Começam a surgir evidências, porém, de algo que muita gente já suspeitava: o número de casos de microcefalia sempre foi subestimado no Brasil. Não conhecer bem a realidade anterior à entrada do zika no país torna mais difícil saber se o problema está de fato aumentando – e, caso esteja, de quanto é o aumento e qual proporção dele se deve ao vírus. Nesse cenário, coletar dados que permitam conhecer como o problema evolui ao longo do tempo é tão importante quanto estudar a melhor forma de combater o vírus e o mosquito.
Uma indicação importante de que o sistema de saúde brasileiro não identificava parte dos casos de microcefalia vem de um estudo recente realizado por pesquisadores de Pernambuco e da Paraíba, os dois estados que mais relataram nascimentos de bebês suspeitos de terem a cabeça anormalmente pequena nos últimos meses.
Com a possibilidade de se estar diante de um surto do problema, a médica Sandra da Silva Mattos, especializada em cardiologia fetal no Recife, propôs um desafio à sua equipe. Ela coordena uma rede de cardiologia que nos últimos anos acompanhou 100 mil recém-nascidos na vizinha Paraíba. No final de 2015, Sandra recrutou 40 enfermeiras e auxiliares de enfermagem de 21 maternidades paraibanas e pediu que vasculhassem os registros das salas de parto para recuperar informações sobre 10% das crianças.
Conseguiu-se mais. Em dezembro, elas revisaram as medidas do tamanho da cabeça (perímetro cefálico) de 16.208 bebês nascidos entre 2012 e 2015 na Paraíba. O levantamento indicou que de 2% a 8% dessas crianças poderiam ser classificadas como tendo microcefalia, dependendo do critério adotado para definir o problema. Isso representa, respectivamente, 320 e 1.300 recém-nascidos e não significa que todos os casos suspeitos de microcefalia estejam necessariamente associados ao vírus zika.
O importante é que mesmo o número menor, obtido pelo critério mais restritivo e que representaria os casos mais graves de microcefalia, já somaria cerca de metade da média anual de 164 casos que o Ministério da Saúde registrava para todo o país por meio do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), a base de dados nacional que coleta informações sobre os recém-nascidos brasileiros. Nessa base, há um campo para inserir a medida do crânio, mas, como suspeitam vários pesquisadores, muitas vezes ele não era preenchido – talvez porque a notificação de microcefalia não fosse obrigatória anteriormente.
Aumento atípico
Nos últimos quatro meses o Ministério da Saúde identificou um número mais alto de casos de microcefalia, depois de alertado por médicos pernambucanos que haviam detectado um aumento atípico no nascimento de crianças com a cabeça menor que o considerado normal para o tempo de gestação.
Facilidade de disseminação do vírus zika (em vermelho no destaque) gerou medo de uma epidemia
Facilidade de disseminação do vírus zika(em vermelho) gerou medo de uma epidemia
© CDC

De 8 de novembro de 2015 a 20 de fevereiro deste ano, nasceram no país ao menos 5.640 bebês com essa característica. Esse número corresponde a uma média de 46 novos casos suspeitos de microcefalia por dia, uma proporção assustadoramente mais elevada do que a conhecida anteriormente. De 2000 a 2014, a média registrada pelo Sinasc era de aproximadamente um a cada dois dias. O aumento dos possíveis casos e a associação deles com a infecção pelo vírus zika durante a gestação alçaram a microcefalia para a posição de principal ameaça à saúde pública nacional.
“O estudo da Paraíba é importante por mostrar, usando os critérios de microcefalia adotados pelo ministério, que havia uma cegueira e o Sinasc não estava detectando a maioria dos casos”, afirma o neurologista pediátrico Fernando Kok, professor de neurologia infantil na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).
Na realidade, a parcela identificada anteriormente pelo Sinasc era ínfima. A cada ano nascem no Brasil aproximadamente 2,9 milhões de crianças e os 164 casos de microcefalia notificados por ano de 2000 a 2014 representam apenas 0,006% desse universo. Esse número é muito baixo quando comparado aos poucos dados conhecidos de outras populações. Os Estados Unidos, por exemplo, adotam um critério semelhante ao brasileiro para definir a microcefalia e apresentam uma proporção de casos mais elevada.
Lá nascem por volta de 3,9 milhões de bebês por ano e, segundo uma revisão publicada em 2009 na revista Neurology, os casos identificados de microcefalia beiravam os 25 mil. Isso significa que aproximadamente 0,6% dos bebês norte-americanos tem microcefalia e que lá o problema seria 100 vezes mais comum do que por aqui.
Convertida em um número um pouco mais concreto para facilitar a comparação, a taxa de 0,006% medida pelo Sinasc indica que apenas 60 recém-nascidos brasileiros em cada grupo de 100 mil teriam microcefalia e deveriam ser encaminhados para mais avaliações. Já pela taxa mais conservadora (2%) encontrada agora na Paraíba seriam 2 mil crianças em cada grupo de 100 mil – ou 58 mil em todo o país.
É muito? Talvez não. Depende do critério usado para definir microcefalia. No início de dezembro, o ministério passou a classificar como suspeitas de terem microcefalia aquelas crianças cuja cabeça tem menos de 32 centímetros (cm) de circunferência ao nascer. Médicos, epidemiologistas e estatísticos costumam usar um gráfico bastante simples para verificar se determinadas medidas apresentadas por um indivíduo fogem muito ao padrão da população – em uma parte dos casos essa diferença pode indicar algum problema de saúde.
O gráfico é construído ao se colocar no eixo horizontal as medidas das cabeças das crianças de uma população e no vertical o número de crianças. De modo geral, o tamanho da cabeça dos recém-nascidos humanos tem entre 30 cm e 39 cm. Há quase 20 anos um levantamento encomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a um consórcio internacional de pesquisadores tomou várias medidas, entre elas a da cabeça, de 27 mil crianças de diferentes populações, brasileira inclusive. Desse trabalho, resultou um gráfico mostrando como se distribui o tamanho dos crânios na população humana. Ele tem o formato de um sino e é apreciado pelos estatísticos por apresentar propriedades matemáticas bem conhecidas.
Uma delas é que a média – nesse caso, a soma total das medidas das cabeças dividida pelo total de crianças – separa o gráfico ao meio, em duas partes simétricas (ver gráfico). Os estatísticos sabem que a área total sob a curva representa toda a população estudada e conseguem facilmente calcular a proporção de pessoas que se encaixa em certas faixas da curva.
Médicos e epidemiologistas se baseiam nessas informações para saber se uma determinada medida pode indicar um problema de saúde. A ideia geral por trás desse tipo de ferramenta é de que tudo o que se afasta muito do observado na maior parte das pessoas pode ser sinal de problema – essas curvas são usadas, por exemplo, para avaliar se uma criança está muito baixa e apresenta problemas de crescimento ou para saber se a concentração de determinadas gorduras no sangue atingiu níveis nocivos à saúde.
No caso do tamanho do crânio, os 32 cm adotados pelo ministério representam o ponto de corte para definir se uma criança é suspeita de ter microcefalia. Esse ponto provavelmente foi escolhido por se afastar bastante do tamanho médio da cabeça da maioria dos recém-nascidos. A partir de 37 semanas de gestação, a cabeça dos bebês considerados saudáveis costuma medir algo em torno de 34,5 cm, segundo os dados da OMS. A diferença pode parecer pequena, mas 2,5 cm é bastante para um bebê.
014-021_Zika e microcefalia_241-01Os estatísticos usam uma medida chamada desvio-padrão para ter uma ideia desse grau de afastamento. No gráfico em forma de sino, os 32 cm estão aproximadamente dois desvios-padrão abaixo da média. Com base nas propriedades da distribuição normal, sabe-se que uma parte pequena da amostra, apenas 2,3%, está mais distante da média do que dois desvios-padrão.
Isso significa que 2,3% dos bebês nascidos no Brasil – o correspondente a 66,7 mil crianças – poderiam se enquadrar na definição de microcefalia do ministério. Uma proporção bem menor de recém-nascidos (0,1% ou 2.900 bebês) tem a cabeça menor ainda. O tamanho do crânio deles está três desvios-padrão abaixo da média e, na maioria dos casos, indica problema no desenvolvimento cerebral.
“A grande maioria das crianças classificadas com microcefalia em qualquer país que segue a recomendação da OMS [ou seja, aquelas que estão dois desvios-padrão abaixo da média] será normal com a cabeça pequena”, explica o epidemiologista Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ele conta que os casos patológicos, associados ao zika e a outras infecções ou a problemas genéticos, representam uma pequena minoria desses 66,7 mil. “A grande maioria dessas crianças é normal e tem cabeça pequena por motivos genéticos não patológicos. Elas têm a cabeça e o corpo pequenos porque seus pais são pequenos ou porque elas sofreram algum tipo de restrição de crescimento intrauterino, por exemplo, são filhos de mães que fumaram na gestação”, diz Victora.
“O fato de o tamanho da cabeça estar abaixo de determinado valor não significa necessariamente que há uma enfermidade”, lembra Kok, que acompanha os casos de microcefalia no Hospital das Clínicas da USP. “É preciso analisar a medida do crânio em conjunto com outras informações. Agora, se a medida se afasta muito da média, é maior a probabilidade de haver algum problema.”
Microcefalia invisível
Se a medida situada dois desvios-padrão abaixo da média for mesmo um bom indicador de microcefalia – em alguns países da Europa usam três desvios-padrão –, tanto no Brasil como nos Estados Unidos o sistema de saúde está deixando de avaliar muita criança que deveria ser tratada com mais atenção. Sabe-se que uma parte delas é saudável e não vai apresentar problemas de desenvolvimento neurológico no futuro, mas outra parte pode ter alguma enfermidade e mereceria passar por uma avaliação mais detalhada.
No Brasil, o biólogo paulista Fernando Reinach foi um dos primeiros a apresentar essas contas para um público mais amplo. Em sua coluna no jornal O Estado de S.Paulo publicada em 6 de fevereiro, ele chama a atenção para a divergência entre os números oficiais e os esperados da microcefalia no Brasil. No texto “Microcefalia que sempre existiu”, ele afirma: “Essas crianças deveriam ter sido identificadas e examinadas com cuidado. Mas não foram, porque a notificação não era obrigatória. Elas seguramente sempre existiram, mas não existem nas estatísticas do Sistema Único de Saúde (SUS). Agora, com a notificação obrigatória, e o pânico causado pelo zika, elas estão ‘aparecendo’. Esse aparecimento súbito pode ser real, e causado pelo zika, ou pode ser uma anomalia causada pela subnotificação no Brasil”, escreveu o biólogo.
Dúvida sem resposta
Assim como Reinach, alguns pesquisadores já entrevistados por Pesquisa FAPESP se queixaram da falta de dados históricos confiáveis sobre a microcefalia no país. A carência de informação dos anos anteriores, dizem, torna difícil saber se os números atuais estão crescendo só por causa do zika ou se há outros fatores envolvidos.
No final de dezembro, os pesquisadores do Estudo Colaborativo Latino-americano de Malformações Congênitas (Eclamc), um consórcio internacional que acompanha os registros de más-formações em 35 hospitais de sete países, revisaram os dados de microcefalia que haviam registrado de 1967 a 2015 no Brasil e cruzaram com as informações coletadas nos últimos três anos pelo Sinasc.
Em um relatório-síntese, disponível no site do grupo, os pesquisadores afirmam que os números do Sinasc estavam subestimados. Segundo os cálculos do Eclamc, são esperados dois casos de microcefalia para cada grupo de 10 mil bebês nascidos no país, mas esse índice deve ser mais elevado no Nordeste, onde o problema é mais comum do que nas outras regiões. Usando o índice de microcefalia observado na Europa, eles calcularam que deveria haver 45 casos entre os 147.597 bebês nascidos em Pernambuco em 2015. Mas, até o fim de dezembro, o estado havia reportado 1.153 casos suspeitos (26 vezes mais). Para os pesquisadores, esses números só poderiam ser explicados se todas as gestantes pernambucanas tivessem sido infectadas pelo vírus – no documento não fica explícito qual proporção das mulheres infectadas poderia transmitir o vírus ao feto.
Os pesquisadores do Eclamc suspeitam que boa parte do aumento seja decorrente da identificação ativa de casos e concluem que os dados atuais não permitem avaliar se houve um real aumento da prevalência de microcefalia ao nascimento no Nordeste, qual a magnitude desse aumento e se foi devido à exposição ao zika ou ao aumento de outras causas. A equipe do Eclamc foi procurada, mas não quis dar entrevista.
014-021_Zika e microcefalia_241-02Apesar dessas considerações e da causalidade ainda não demonstrada, em meados de fevereiro  o ministro da Saúde, Marcelo Castro, disse que 40% dos casos suspeitos de microcefalia notificados nos últimos meses estão relacionados à infecção por zika.
O informe epidemiológico nº 14, divulgado pelo ministério no final de fevereiro, indica que, dos 5.640 casos notificados de 8 de novembro a 20 de fevereiro, 1.533 já foram investigados e 583 (10,3% dos 5.640) receberam a confirmação de microcefalia. Segundo o documento, exames moleculares detectaram o material genético do zika em 67 dos 583 casos confirmados. Nos 516 restantes a confirmação se deu por exames de imagens do cérebro que permitiram observar lesões anteriormente associadas ao zika. Ainda de acordo com o informe, o ministério suspeita que a maior parte das mães dessas crianças teve zika. No entanto, não deixa claro se nos 516 casos classificados por exames de imagem foi eliminada a possibilidade de outras infecções
que provocam microcefalia (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes e sífilis).
O ministério não atendeu às solicitações de esclarecimentos.
No informe epidemiológico nº 14 também não há detalhes sobre os 950 casos que foram excluídos. O documento sugere que as crianças não teriam microcefalia de origem infecciosa, mas poderiam apresentar outra forma do problema.
Sabe-se que as infecções não são a única causa de microcefalia – e talvez nem a mais comum. Na revisão de 2009 da Neurology, de 15% a 50% dos casos de microcefalia podem ser de origem genética. Há ao menos 16 genes conhecidos que causam o problema quando suas duas cópias encontram-se alteradas. Além disso, fatores ambientais, como o consumo de álcool na gestação ou a exposição a poluentes e produtos tóxicos, também podem causar microcefalia. Quanto cada um deles contribui para o total de casos? “Não conheço estudos que mostrem isso”, diz Kok.
Um grupo de médicos e epidemiologistas do Rio Grande do Sul, de São Paulo e do Ceará suspeita que a estratégia de considerar quem nasce com crânio menor que 32 cm um potencial caso de microcefalia está incluindo no pacote muitos bebês que são saudáveis.
Em um artigo publicado em fevereiro na revista Lancet, a equipe coordenada por Cesar Victora, da UFPel, levantou várias razões técnicas para isso. A primeira é que adotar uma nota de corte única para bebês de ambos os sexos não é adequado, uma vez que as meninas, em média, nascem menores que os meninos. Além disso, os pesquisadores argumentam, 68% dos bebês brasileiros nascem antes de completar 40 semanas de gestação, em parte por causa das altas taxas de cesarianas, e podem ser menores que o normal.
Para reduzir o número de bebês que não têm o problema – os chamados falsos-positivos – entre os que passarão por mais avaliações, o grupo sugere que se adotem curvas de padrão de crescimento mais adequadas à realidade da população brasileira e com maior poder de detectar os casos verdadeiramente positivos, como a produzida pelo consórcio Intergrowth 21st, que o grupo de Pelotas ajudou a desenvolver (ver Pesquisa FAPESP nº 225). Atualmente, além dos 32 cm para os bebês que nascem a partir da 37a semana de gestação, o ministério adota uma curva de crescimento produzida com crianças de países ricos, a curva de Fenton, para realizar a triagem daqueles que nascem prematuros.
Para o médico e epidemiologista Eduardo Massad, também professor da FM-USP, a infecção pelo vírus zika pode explicar parte do aumento dos casos de microcefalia. “Exatamente quanto? Não se sabe”, afirma. Na opinião dele, o importante é que se encontrou o vírus em 67 dos 583 casos confirmados, o que reforça a conexão do vírus com o problema, embora ainda não demonstre conclusivamente uma relação de
causalidade.
“Existe uma associação inequívoca entre a infecção por zika na gestação e o nascimento de bebês com microcefalia e há uma perfeita plausibilidade em se atribuir parte do aumento de casos ao vírus”, diz Massad. “Uma fração de fetos infectados desenvolve microcefalia, mas ainda não se sabe o tamanho dessa fração.”
Rápido demais
No estudo da Paraíba, o grupo de Sandra Mattos detectou uma elevação principalmente nos casos graves de microcefalia a partir do terceiro trimestre de 2015, que poderia estar associada à circulação do vírus. Ela suspeita, porém, que se esteja concluindo rápido demais que o zika é único causador do problema. “Não queremos eliminar a influência do vírus, mas questionar se não haveria mais fatores envolvidos, como outras infecções e a subnutrição, comuns na população”, diz Sandra, que é diretora da Unidade de Cardiologia Materno-Fetal do Real Hospital Português de Beneficência de Pernambuco. “Precisamos conhecer bem com o que estamos lidando.”
As pesquisas epidemiológicas só estão começando. Na Paraíba, o grupo de Sandra participa de um estudo com pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e do Ministério da Saúde que tem como objetivo verificar o risco de mulheres infectadas terem filhos com microcefalia. Em São Paulo, pesquisadores da Rede Zika, consórcio de cerca de 40 grupos de universidades e institutos de pesquisa paulistas, financiado pela FAPESP, realizarão um estudo semelhante.
Os resultados levarão meses para serem conhecidos. Segundo Massad, também são necessárias mais pesquisas e mais longas – que acompanhem toda a população e verifiquem qual proporção das gestantes é infectada pelo vírus e tem filhos saudáveis ou com problemas.
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Artigos científicos
SOARES DE ARAÚJO, J. S. et al. Microcephaly in northeast Brazil: a review of 16 208 births between 2012 and 2015. Bulletin of the World Health Organization. 4 fev. 2016.
ASHWAL, S. et al. Practice parameter: evaluation of the child with microcephaly (an evidence-based review). Neurology. v. 73. p. 887-97. 2009.
VICTORA, C. G. et al. Microcephaly in Brazil: how to interpret reported numbers?Lancet. 13 fev. 2016.
 
Fonte: Revista Fapesp on Line
Por: Ricardo Zorzeto / março 2016 

Uma forma de conter parasitas

Mecanismo recém-descoberto destrói agentes causadores da doença de Chagas


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Quando o sistema de defesa humano é avisado de uma infecção por parasitas, como os causadores da doença de Chagas, da leishmaniose e da toxoplasmose, uma operação altamente eficiente impede que os microrganismos se disseminem dentro das células e se espalhem pelo organismo. O mecanismo de ataque a esses parasitas intracelulares acaba de ser desvendado, de acordo com artigo publicado em janeiro no site da revista Nature Medicine. “Esse conhecimento pode nos ajudar a pensar em vacinas mais eficientes na indução dos linfócitos do tipo TCD8, um problema em imunologia”, diz o imunologista Ricardo Gazzinelli, do Centro de Pesquisas René Rachou, braço da Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais, e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCTV).
É sabido que os linfócitos citotóxicos detectam e combatem os patógenos que residem nas células, enquanto os anticorpos vigiam o ambiente fora delas. Mas até agora não se sabia bem como os linfócitos TCD8 atuavam no combate a protozoários e bactérias. “É importante contra vírus”, explica Gazzinelli, “porque destrói a célula infectada da qual eles dependem para se proliferar”. Ocorre que as bactérias e os parasitas são organismos autônomos e, se liberados no meio extracelular, uma vez morta a célula hospedeira, estão aptos a infectar outras células. Especialista nas relações entre o sistema imunológico humano e os parasitas causadores de doenças (ver Pesquisa FAPESP s 160, 164 e 221), o pesquisador mineiro passou o ano acadêmico de 2013/2014 nos Estados Unidos, graças a uma bolsa de professor visitante na cátedra Capes/Centro David Rockefeller para Estudos Latino-americanos da Universidade Harvard, para a qual foi selecionado. Logo no início, depois de apresentar seu trabalho numa palestra, foi procurado pela física e médica Judy Lieberman, cujo laboratório investiga os mecanismos moleculares pelos quais os linfócitos citotóxicos destroem células infectadas com vírus e bactérias. “Será que funciona da mesma maneira para protozoários?”, ela perguntou.
Começou aí a parceria dinâmica que também envolveu o médico Farokh Dotiwala, do laboratório de Judy, e o biólogo Rafael Polidoro, à época estudante de doutorado que acompanhou Gazzinelli a Harvard. O primeiro resultado foi a descrição do mecanismo destruidor de parasitas intracelulares: a microptose. O termo é inspirado na apoptose, a morte celular, por serem aparentemente muito semelhantes: formam-se bolhas na membrana celular, as mitocôndrias ficam dilatadas, o DNA é danificado e a cromatina, que contém o material genético, aparece condensada. O que diferencia as duas mortes são os atores. No caso da apoptose, os linfócitos reconhecem as células infectadas por meio de marcadores apresentados pelo sistema de defesa e liberam minúsculas bolsas, ou grânulos, contendo uma proteína que faz furos na membrana, a perforina, e uma enzima chamada graenzima. Esta entra na célula e degrada proteínas relevantes para a homeostase, levando à morte celular.
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Gazzinelli, Judy e colaboradores mostraram que os linfócitos TCD8 humanos (mas não os de roedores) liberam também uma substância antimicrobiana chamada granulisina, que entra na célula infectada e é atraída por membranas com baixo teor de colesterol: a dos parasitas. A granulisina perfura a membrana dos parasitas e bactérias invasores e permite a entrada da graenzima, que gera compostos muito reativos à base de oxigênio (os radicais livres) e desativa os mecanismos de defesa do microrganismo contra o estresse oxidativo. São esses processos oxidativos que, na maioria das vezes, eliminam o parasita. Quando se examina esse ataque ao microscópio, a aparência é muito semelhante à da apoptose. Mas distinções químicas inerentes ao organismo – a apoptose depende de enzimas chamadas caspases, que não existem nos protozoários – e os atores distintos (granulisina e microrganismos) justificaram a criação do novo termo, microptose.
Eficiência
“Uma coisa surpreendente é que a morte dos parasitas é mais rápida que a da célula hospedeira, embora seja desencadeada depois”, comenta Gazzinelli. Isso impede que os protozoários escapem e invadam outras células, uma situação que precisaria ser combatida pelo sistema imunológico por meio de macrófagos patrulhando o meio entre as células e devorando os invasores. Era o que, até agora, se imaginava que acontecia. “Isso explica por que os TCD8 são tão eficientes no combate às infecções por protozoários intracelulares”, conclui o pesquisador. Pode ser por isso que muitos casos de doença de Chagas, por exemplo, são assintomáticos.
Também é importante a descoberta de que a granulisina não existe em todas as espécies. “A utilidade de fazer estudos de certas doenças usando camundongos tem que ser revista”, alerta Gazzinelli, embora não os descarte como cobaias. Seu grupo reiterou a descoberta produzindo roedores transgênicos capazes de expressar a proteína, e eles se mostraram muito mais resistentes a infecções por protozoários.
Frutífera, a parceria entre os grupos de Minas Gerais e de Harvard deve continuar nos próximos anos. “Pretendemos dissecar o papel dos linfócitos TCD8 no combate a essas infecções”, explica Gazzinelli. “Por que nem sempre funciona? Por que existem pacientes que desenvolvem a doença de Chagas?” Nesse contexto, Rafael Polidoro defendeu sua tese em 2014 e no ano seguinte se mudou para o laboratório de Judy Lieberman, para um estágio de pós-doutorado.
No contexto das vacinas, o pesquisador mineiro também pretende rever os testes de uma vacina terapêutica contra a doença de Chagas proposta em 2015 a partir de um estudo publicado na PLoS Pathogens, liderado pelos imunologistas Joseli Lannes-Vieira, da Fundação Oswaldo Cruz, e Maurício Rodrigues, professor da Universidade Federal de São Paulo falecido no ano passado que compartilhava a coordenação do INCTV. “Queremos usar a vacina nos camundongos transgênicos expressando granulisina para ver se é mais eficiente”, conta Gazzinelli.
Artigos científicos
DOTI WALA, F. et al.Killer lymphocytes use granulysin, perforin and granzymes to kill intracellular parasites. Nature Medicine. on-line. 11 jan. 2016.
PEREIRA, I. R. et al.A human type 5 adenovirus-based Trypanosoma cruzi therapeutic vaccine re-programs immune response and reverses chronic cardiomyopathy. PLoS Pathogens. v. 11, n. 1, e1004594. 24 jan. 2015.
 
Fonte: Revista Fapesp on line
Por: Maria Guimarães |  março 2016