Imagens de ressonância magnética funcional começam a revelar os padrões de desenvolvimento das redes cerebrais e desvios que podem indicar futuros transtornos psiquiátricos
Eram 10h20 do domingo 17 de maio, quando Pedro, um adolescente magro e meio tímido, entrou em um equipamento de ressonância magnética no Instituto de Radiologia da Universidade de São Paulo (USP). Ele acabara de responder a uma longa sequência de perguntas sobre como andam suas emoções e seu comportamento em casa, na escola e com os amigos e passaria os 40 minutos seguintes deitado no interior do aparelho, que produziria quase 6 mil imagens de seu cérebro. Atualmente com 17 anos, Pedro integra um grupo de 2.512 crianças e adolescentes de São Paulo e Porto Alegre – cerca de 60% deles com alto risco de desenvolver transtornos psiquiátricos – que vêm sendo acompanhados desde 2009 por pesquisadores do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD). Esses garotos e garotas participam de um estudo pioneiro na América Latina que busca identificar as alterações na estrutura e no funcionamento do cérebro que caracterizam o seu amadurecimento saudável e as modificações que indicam o risco de desenvolver transtornos psiquiátricos.
Os resultados mais importantes dessa pesquisa começaram a ser apresentados nos últimos meses. Os dados psicológicos, bioquímicos e de neuroimagem coletados em 2009 e 2010, durante a primeira fase do projeto, sugerem que na transição da infância para a adolescência os sistemas cerebrais dos jovens saudáveis passam por transformações diferentes das que ocorrem no daqueles mais propensos a apresentar problemas psiquiátricos. Médicos e outros profissionais da área da saúde mental esperam que, uma vez conhecidas em detalhes, as alterações indicadoras de uma evolução indesejável possam ser usadas como marcadores de risco de transtornos mentais: sinais que surgem antes de o problema se manifestar. Caso se descubram marcadores eficientes, talvez seja possível intervir precocemente para proteger o cérebro e tentar evitar que a doença se instale.
“Queremos um dia poder identificar precocemente os indivíduos com risco elevado de apresentar transtornos mentais”, diz Euripedes Constantino Miguel, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da pesquisa. “Se tivermos parâmetros para isso, talvez se consiga planejar ações para trazer o cérebro de volta à sua trajetória normal de desenvolvimento.”
“Seria uma grande transformação na área da saúde mental”, afirma o psiquiatra Rodrigo Bressan, coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Neuroimagem e Cognição (LiNC) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenador de pesquisa do INPD e responsável pela parte de imagem e biomarcadores do projeto, do qual participam pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Hoje não é possível prevenir o surgimento dos transtornos mentais. Na maioria dos casos, a psiquiatria entra em cena depois que a doença está estabelecida e os tratamentos se concentram em administrar medicamentos e psicoterapia para controlar os sintomas e reduzir os prejuízos que ela traz para o indivíduo.”
Por trás da busca de marcadores de risco, há o reconhecimento cada vez maior da natureza médica dos transtornos mentais. “As doenças psiquiátricas não são mais entendidas só como transtornos da mente ou distúrbios de comportamento”, explica Bressan, “são também doenças do cérebro, um órgão complexo e de grande plasticidade, que é altamente influenciada pelo ambiente, em especial pelas interações sociais”.
A proposta teórica mais aceita pela medicina e pela psicologia explica os transtornos mentais como resultado da interação entre as condições sociais, econômicas, psicológicas e culturais em que o indivíduo vive – são os chamados fatores ambientais – e sua propensão a desenvolver o problema, determinada por suas características genéticas. A evolução dos exames de imagem permitiu olhar o cérebro in vivo e associar alterações sutis em suas estruturas – um volume um pouco aumentado ou diminuído, ou ainda um padrão de ativação anormal de uma rede neuronal – a variações no comportamento. São alterações bem mais tênues do que as verificadas em doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer.
Em uma conferência TED realizada em 2013 na Califórnia, Thomas Insel, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, usou a infraestrutura de trânsito de uma cidade como metáfora do que ocorre no cérebro no primeiro e no segundo caso. As doenças neurodegenerativas causam perda de células e provocam lesões grandes, que corresponderiam à inundação de uma área da cidade ou até mesmo à queda de um viaduto. Já os transtornos mentais poderiam ser comparados a um desajuste na rede de semáforos. Ambos os problemas atrapalham o trânsito, mas o primeiro tipo costuma causar alterações permanentes, enquanto o segundo pode ser reajustado mais facilmente, se detectado cedo.
Ao mesmo tempo, estudos epidemiológicos começaram a encontrar indícios de que os problemas de saúde mental, além de serem crônicos, custosos e altamente incapacitantes, também começam cedo. Em 2005, o sociólogo Ronald Kessler, especialista em epidemiologia da saúde mental da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, publicou um estudo mostrando que 50% dos casos começam antes dos 14 anos de idade e 75% até os 24 anos. Somadas, essas evidências favorecem a ideia de que os transtornos psiquiátricos são decorrentes de problemas do neurodesenvolvimento. Situações repetidas de maus-tratos físicos e psicológicos e outros eventos estressantes vividos durante a infância e a adolescência interagiriam continuamente com genes que determinam a vulnerabilidade a problemas psiquiátricos, gerando alterações no funcionamento e na estrutura das redes cerebrais. “A partir de determinado ponto, as alterações acumuladas se tornariam suficientes para produzir os sintomas das doenças psiquiátricas”, explica Miguel.
No estudo com as crianças e os adolescentes de São Paulo e Porto Alegre, os pesquisadores estão comparando as trajetórias do desenvolvimento cerebral tidas como saudáveis (participantes sem sintomas psiquiátricos) com as que consideram desviantes (indivíduos com alguns sinais de transtornos mentais ou filhos de pais com doença psiquiátrica diagnosticada). Ao confrontar essas trajetórias, eles esperam encontrar padrões de maturação específicos que indiquem quem no futuro pode adoecer. Em paralelo, buscam identificar mudanças nos níveis de compostos encontrados no sangue e alterações emocionais e de comportamento que também possam estar associadas ao surgimento de transtornos psiquiátricos. No longo prazo, a expectativa é a obtenção de um conjunto de marcadores de risco confiáveis para a área de saúde mental, algo semelhante ao que os níveis de pressão arterial e as taxas sanguíneas de colesterol representam para as doenças cardíacas.
“A doença cardíaca não começa com a obstrução arterial e o infarto, mas muito antes”, lembra Bressan. “O mesmo acontece com as doenças psiquiátricas.” Por essa razão, psiquiatras e neurocientistas tentam descobrir algo que represente para os transtornos mentais o mesmo que o colesterol elevado significa para as doenças do coração. As redes neurais relacionadas aos sintomas psiquiátricos se organizam e reorganizam mais intensamente durante a infância e a adolescência e depois se consolidam, o que torna muito mais difícil alterá-las, mesmo com medicações ou terapias. “O objetivo, ao identificar mais cedo e até mesmo antes de se caracterizar como doença, é aumentar a eficiência dos tratamentos, que é limitada”, diz o psiquiatra Luis Augusto Rohde, professor da UFRGS e vice-coordenador do projeto. “Atualmente as medicações funcionam em apenas 60% dos casos”, conta.
Já existem fatores de risco mapeados para alguns transtornos mentais. Estudos internacionais que acompanham os participantes da infância à idade adulta mostraram, por exemplo, que abusos físicos e psicológicos sofridos nos primeiros anos de vida e o uso de drogas na adolescência estão associados a problemas psiquiátricos mais tarde. Ao conhecer em que ponto o desenvolvimento do cérebro começa a típico do caminho, talvez seja possível tentar intervir – alterando hábitos e outros fatores ambientais – para que ele retome a trajetória normal. “Ainda sabemos pouco como se dá o desenvolvimento das estruturas cerebrais”, diz Bressan.
“Estamos começando a aprender o que molda o desenvolvimento do cérebro com as grandes coortes [estudos que acompanham a saúde de uma população por longos períodos]”, conta o neurocientista Tomáš Paus, da Universidade de Toronto, Canadá, que 15 anos atrás iniciou um dos primeiros estudos de coorte em saúde mental no mundo. “Esse e outros grandes estudos longitudinais de coorte proporcionam uma oportunidade única de examinar a organização e o desenvolvimento do cérebro”, diz Julia Zehr, da Divisão de Trajetórias do Desenvolvimento de Doenças Psiquiátricas do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos. “Ainda não se conhece muito sobre o desenvolvimento cerebral, particularmente sobre os circuitos neurais em desenvolvimento, e sobre como as regiões influenciam umas às outras de maneira a moldar suas funções”, explica.
Na primeira fase do projeto brasileiro os pesquisadores submeteram 770 dos 2.512 participantes a exames de ressonância magnética que avaliaram a estrutura física do cérebro e mapearam o funcionamento de algumas redes cerebrais. Com esses dados em mãos, o estatístico e neurocientista João Ricardo Sato, do Centro de Matemática, Computação e Cognição da UFABC, começou a mapear como o cérebro saudável passa por mudanças ao longo da infância e da adolescência, concentrando-se na evolução de duas redes cerebrais: a rede de modo-padrão e a de controle cognitivo.
Opostas e complementares
Mais ativa quando se está em repouso, com a mente vagando, a rede de modo-padrão está associada à capacidade de uma pessoa se voltar para seu mundo interior e refletir sobre si mesma (introspecção) e à capacidade de recordar eventos importantes da própria vida (memória autobiográfica), como onde estava quando deu o primeiro beijo. Já a rede de controle cognitivo é integrada por áreas cerebrais acionadas quando é preciso focar a atenção no mundo externo. Por exemplo, fazer uma prova ou realizar um cálculo, ou conter e inibir um comportamento inadequado, como atirar uma bola de papel no professor que está de costas.
Essas duas redes funcionam em oposição: quando uma se encontra mais ativa, a outra permanece menos ativa, e vice-versa. Sato usou ferramentas de uma área da matemática chamada teoria dos grafos para avaliar como as características dessas duas redes mudam com a idade. Essa abordagem trata as regiões cerebrais como se fossem os pontos ou nós de uma rede e a simultaneidade de ativação (conectividade funcional) de duas regiões como caminhos ligando os dois pontos. Essa estratégia apresenta uma vantagem em relação aos métodos de análise de dados normalmente usados nos estudos da área da saúde. Ela permite ter uma visão global da organização das redes de conectividade do cérebro.
A análise de imagens do cérebro de 447 crianças sem sinais de transtorno psiquiátrico com idades entre 7 e 15 anos revelou que, de modo geral, a conexão entre os pontos dessas redes se torna mais robusta com a idade. Isso significa que a comunicação entre as áreas cerebrais se torna mais intensa e sincronizada. “Estudos anteriores avaliando variações no volume das estruturas cerebrais já indicavam que isso deveria acontecer”, conta Bressan. “Agora flagramos essas mudanças ocorrendo no cérebro em funcionamento”, diz.
A hierarquia interna dessas redes também muda entre o fim da infância e o início da adolescência. Algumas áreas ganham relevância, enquanto outras perdem. Sato observou, por exemplo, que o córtex pré-frontal medial – área cerebral associada à capacidade de pensamento abstrato, planejamento e controle – apresentava um papel mais destacado nos participantes com mais idade. O mesmo acontece com duas áreas do giro do cíngulo, uma dobra mais interna do córtex cerebral ligada ao controle das emoções e da atenção, à capacidade de estabelecer laços sociais e à de prever e evitar situações desagradáveis. Com a idade, a região anterior e a região posterior do cíngulo passam a mediar a conexão entre muitas áreas das duas redes, comportando-se como um entroncamento de vias de trânsito muito movimentadas.
As mudanças no padrão de atividade dessas redes estão em acordo com o que se conhece do desenvolvimento emocional e cognitivo humano. Da infância à adolescência, características anatômicas sutis de algumas áreas mudam, assim como a maneira como elas se comunicam entre si. Essas transformações são acompanhadas do desenvolvimento de diferentes habilidades. Nos primeiros anos de vida a criança desenvolve a capacidade motora e chega aos 5 ou 6 anos em condições de começar a ser alfabetizada. Aos 9 ela já sofisticou a capacidade de se comunicar verbalmente e começa a desenvolver a capacidade de fazer abstrações matemáticas mais complexas. Daí até a idade adulta controla cada vez melhor os impulsos e as emoções. “A criança é muito mais impulsiva, nela predomina a ativação de áreas subcorticais [mais profundas e evolutivamente primitivas] do cérebro do que no adolescente”, explica a bióloga Andrea Jackowski, especialista em neuroimagem do LiNC e uma das principais integrantes do estudo.
Para ter uma visão geral das mudanças no cérebro, Sato comparou ao mesmo tempo como evoluía o padrão de atividade de 325 regiões cerebrais já mapeadas por anatomistas. De modo simplificado, o que muda entre a criança e o adolescente é que o giro angular – região do córtex envolvida em tarefas importantes como o processamento da linguagem e dos números, da manutenção da atenção e da capacidade de resgatar memórias – ganha importância nos adolescentes. Simultaneamente, algumas estruturas em uma região mais interna e evolutivamente primitiva – os núcleos da base, que integram informações emocionais e motoras – perdem relevância.
Um achado empolgou os pesquisadores, por suas possíveis aplicações clínicas. Depois de conhecer como a rede modo-padrão amadurecia nos participantes saudáveis, Sato e os outros pesquisadores decidiram analisar a evolução dessa rede no cérebro de crianças e adolescentes com sintomas de problemas psiquiátricos. Estudos anteriores já associavam alterações no funcionamento dessa rede à depressão e à ansiedade, marcadas por sintomas mais ligados à introspecção, como a tendência excessiva a remoer problemas.
Se alterações nesse funcionamento estavam associadas a mudanças no comportamento e a transtornos psiquiátricos, os sintomas apresentados por algumas crianças não seriam sinal de problemas no amadurecimento da rede? Para responder a essa questão, era preciso ver como a rede mudava com a idade e identificar quais alterações fugiam ao esperado. Isso é complicado porque as variações na atividade cerebral são grandes em pessoas saudáveis e podem se tornar imprevisíveis em quem tem transtornos psiquiátricos.
Sato, que se graduou em estatística e chegou a trabalhar no mercado financeiro antes de se interessar pela neurociência no doutorado, decidiu atacar o problema usando uma abordagem computacional, o aprendizado de máquina, adotado para desenvolver ferramentas capazes de aprender automaticamente a reconhecer padrões depois de expostos a alguns exemplos, como fazem os filtros de mensagens indesejadas de e-mail.
Ele criou um programa de computador para reconhecer o padrão da atividade espontânea da rede de modo-padrão de crianças em diferentes idades. Em seguida, usou-o para avaliar atrasos na maturação da rede cerebral em 622 crianças e adolescentes que haviam passado por ressonância magnética funcional. A combinação das ferramentas de teoria dos grafos e aprendizado de máquina permitiu criar um índice de maturidade cerebral, descrito em um artigo aceito para publicação noJournal of Child and Psychology and Psychiatry. Esse índice leva em consideração o fato, observado antes pelo grupo brasileiro e, em amostras menores, por pesquisadores estrangeiros, de que as redes cerebrais mudam com a idade. Ao confrontar o índice de maturidade obtido pelo programa com as informações sobre sintomas, identificados por meio de questionários respondidos pelos pais dos participantes, Sato verificou que as crianças e os adolescentes com mais sinais de problemas psiquiátricos apresentavam a rede mais imatura.
Quanto? Ele ainda não fez os cálculos, mas estima que o atraso de maturação esteja entre dois e três anos. Isso pode significar que a rede de modo-padrão de uma criança com 10 anos de idade e sintomas psiquiátricos graves poderia ter a mesma maturidade que a de uma criança saudável de 7 ou 8 anos. As crianças e os adolescentes com a rede de modo-padrão menos desenvolvida, em geral tinham sintomas classificados como internalizantes, frequentes na depressão e na ansiedade. “Os testes tradicionalmente usados para analisar informações das imagens de ressonância não teriam permitido extrair esse tipo de informação”, diz Euripedes Miguel. “Isso só foi possível com a associação dessas estratégias estatísticas mais avançadas.”
Esse achado não é importante apenas por tornar possível medir a maturação dessa rede, cuja função ainda não é bem conhecida. É relevante também pelo potencial que representa para a psiquiatria. Caso se mostre efetivo nas próximas etapas desse projeto e em outros estudos, esse índice pode se tornar uma forma de medir o risco de problemas psiquiátricos. “Um marcador de risco desse tipo permitiria que os exames de imagem ganhassem uma nova função na psiquiatria”, conta o médico Giovanni Salum, da UFRGS, que coordenou a coleta de dados em Porto Alegre. “Hoje eles são usados somente para eliminar hipóteses de problemas como tumores e lesões.”
“Esse indicador vai na direção do desenvolvimento de um marcador de risco, mas, para ser denominado marcador, teria de ter um poder preditivo muito alto”, pondera Sato.
Para Miguel, a saída não deve estar em um só marcador. “Provavelmente precisaremos de um conjunto deles: de imagem, bioquímico e de comportamento”, diz. Por essa razão, além da associação entre os dados de imagens e os sintomas, os pesquisadores também buscam uma conexão entre os sinais clínicos psiquiátricos e a alteração nos níveis de compostos encontrados no sangue.
Na Unifesp, a psiquiatra Elisa Brietzke e sua equipe analisaram nos últimos anos amostras de sangue de 600 das crianças que participaram dos exames de neuroimagem na primeira fase da pesquisa. Eles buscavam compostos que pudessem indicar alterações cerebrais associadas ao maior risco de desenvolver doenças psiquiátricas e que, ao mesmo tempo, funcionassem como marcadores bioquímicos de risco. Por enquanto, encontraram dois candidatos: a eotaxina, um comunicador químico associado à inflamação; e o receptor 2 do fator de necrose tumoral ou TNFR2, molécula que parece evitar a morte de células cerebrais.
Os dados apresentados no encontro anual da Sociedade de Psiquiatria Biológica, realizado em maio no Canadá, mostram que, simultaneamente, os níveis de eotaxina se encontravam mais elevados e os de TNFR2 mais baixos no sangue das crianças e dos adolescentes com mais sintomas de problemas psiquiátricos. Segundo Elisa, essa combinação foi capaz de identificar com bom grau de precisão aqueles que eram filhos de mulheres que haviam consumido, durante a gestação, álcool, um agente agressor do sistema nervoso do feto. Crianças e adolescentes filhos de pais com transtorno de humor (depressão ou transtorno bipolar) tinham níveis mais elevados de eotaxina no sangue, enquanto aqueles com pais com transtornos de ansiedade (fobias, pânico ou ansiedade) apresentavam taxas mais baixas do neuroprotetor TNFR2.
Em paralelo ao trabalho de Sato e Elisa, os pesquisadores da área clínica investigam formas de usar as informações coletadas por meio dos questionários de saúde mental à procura de comportamentos que sirvam como indicadores precoces do desvio de trajetória do desenvolvimento cerebral. Um exemplo é o trabalho do psiquiatra Pedro Pan, pesquisador do LiNC, que estuda o transtorno bipolar, marcado por episódios alternados de depressão e de mania, doença de difícil diagnóstico em crianças e adolescentes. Ele separou os 26 sintomas apresentados por 479 crianças e adolescentes com sinais de mania em dois grandes grupos: o exuberante, que inclui, por exemplo, os indivíduos excessivamente animados, que falam muito rápido e são cheios de energia; e o de baixo controle, integrado por pessoas com sinais de irritação excessiva, dificuldade de controlar os pensamentos e que não se preocupam com o perigo, entre outros. Ao comparar os dois tipos de sintomas com os prejuízos que causavam na vida das crianças, de acordo com o relato dos pais, verificou que os sintomas de baixo controle permitiam identificar os casos mais graves, que provavelmente necessitavam de tratamento.
Os pesquisadores esperam reforçar os achados iniciais ao analisar os dados da segunda fase do projeto, coletados desde o final de 2013. Em meados de maio, os quase 30 pesquisadores que integram as equipes de São Paulo e Porto Alegre já haviam concluído a avaliação neuropsicológica, feita em domicílio, de quase 2 mil participantes, cerca de 80% do total atendido na primeira fase. Dos 770 garotos e garotas que realizaram o exame de ressonância em 2009 e 2010, cerca de 300 – entre eles, Pedro – já haviam repetido o exame até maio. Outros 300 devem fazer até o fim do ano. “Ao compararmos os dados da primeira fase com os que estão sendo coletados agora”, diz João Sato, “devemos conseguir mais precisão”. Ao confrontar essas informações, eles devem ser capazes de verificar se as pessoas em risco de fato desenvolveram transtornos psiquiátricos.
Projetos
1. O Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento: uma nova abordagem para a psiquiatria tendo como foco as nossas crianças e o seu futuro (nº 2008/57896-8);Modalidade Projeto Temático – INCT; Pesquisador responsável Euripedes Constantino Miguel Filho (IPq-FM-USP); Investimento R$ 5.695.960,92 (FAPESP e CNPq).
2. Coorte de alto risco para transtornos psiquiátricos na infância: seguimento de neuroimagem após 3 anos (nº 2013/08531-5); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Andrea Parolin Jackowski (Unifesp);Investimento R$ 316.708,90 (FAPESP).
3. Aprendizado de máquina em neuroimagem: desenvolvimento de métodos e aplicações clínicas em transtornos psiquiátricos (nº 2013/10498-6); ModalidadeAuxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável João Ricardo Sato (UFABC); Investimento R$ 110.925,07 (FAPESP).
Artigos científicos
SALUM, G. A. et al. High risk cohort study for psychiatric disorders in childhood: rationale, design, methods and preliminary results. International Journal of Methods in Psychiatric Research. dez. 2014.
SATO, J. R., et al. Age effects on the default mode and control networks in typically developing children. Journal of Psychiatric Research. nov. 2014.
SATO, J. R., et al. Decreased centrality of subcortical regions during the transition to adolescence: a functional connectivity study. Neuroimage. jan. 2015.
SATO, J. R., et al. Default mode network maturation and psychopathology in children and adolescents. Journal of Child Psychology and Psychiatry (no prelo).
PAN, P. M. et al. Manic symptoms in youth: dimensions, latent classes, and associations with parental psychopathology. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry. 22 mar. 2014.
Fonte: Revista Fapesp por Ricardo Zorzeto junho/2015
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