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domingo, 8 de fevereiro de 2015

Um perigo a mais do sol: A luz visível, além da radiação ultravioleta, também pode causar câncer de pele


© LÉO RAMOS
Esta é uma má notícia para quem gosta de tomar sol, mesmo que besuntado com protetor solar. Os filtros disponíveis no mercado protegem contra os efeitos da radiação ultravioleta, invisível ao olho humano, mas não evitam os danos causados pela luz visível. E esses danos podem ser intensos. Um estudo realizado por pesquisadores de São Paulo e do Paraná acaba de demonstrar que a luz visível também pode causar câncer de pele, o mais frequente no Brasil, que corresponde a 25% dos casos de tumores malignos, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer.
 
Maurício Baptista, bioquímico da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do estudo, não chega a se surpreen-der com esse resultado, publicado em novembro de 2014 na revista PLoS ONE. É que, do ponto de vista físico, a luz que o olho humano enxerga e os raios ultravioleta (UV) têm a mesma natureza. Ambos são a mesma forma de energia, a radiação eletromagnética, que de acordo com a intensidade recebe diferentes nomes – raios gama, raios X, luz visível, radiação infravermelha. “Para a pele, a divisão entre luz visível e invisível é arbitrária”, afirma Baptista, que é professor do Instituto de Química da USP e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Processos Redox em Biomedicina (INCT-Redoxoma).

Ele e sua equipe demonstraram que a luz visível pode causar danos no material genético (DNA) das células de modo indireto ao interagir com a melanina. Esse pigmento escuro, responsável pela coloração da pele, absorve parte da energia da luz visível e a transfere para moléculas de oxigênio, gerando formas altamente reativas – o chamado oxigênio singlete. Essa molécula de oxigênio excitado, por sua vez, reage com moléculas orgânicas, como o DNA, e as deteriora. Quando esse tipo de dano afeta um gene regulador da proliferação celular, a célula pode começar a se multiplicar descontroladamente, originando um câncer.

Esse resultado pode ajudar a entender melhor a origem de algumas formas de câncer de pele. “A contribuição do grupo, bastante rigorosa em termos científicos, ajuda a compreender os perfis de mutações que encontramos em melanomas humanos, nos quais frequentemente se observam evidências de eventos de oxidação do DNA”, diz Roger Chammas, professor da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. “Antes esses eventos eram atribuídos à radiação UVA, mas, agora, como se mostrou, também podem ser efeito da luz visível.”

O mecanismo produtor dessas moléculas mais reativas registrado pelo grupo de Baptista confirma o papel duplo desempenhado pela melanina: esse pigmento protege a pele dos danos causados por certos tipos de luz, mas facilita os provocados por outros. Assim como o experimento atual, trabalhos anteriores já haviam revelado que a exposição aos raios ultravioleta tipo B (UVB) fazia os melanócitos, células produtoras de melanina, aumentarem a síntese do pigmento. Também haviam mostrado que uma proporção maior dessas células sobrevivia a essa forma de radiação. A taxa de mortalidade, porém, era muito mais elevada quando células mais pigmentadas eram submetidas à radiação ultravioleta tipo A (UVA), algo semelhante ao que aconteceu agora sob a luz visível.
 

A proteção que a melanina oferece contra os raios UVB, porém, não é suficiente para evitar o câncer de pele. Essa forma de radiação, associada à queimadura de sol, resposta inflamatória aguda à exposição excessiva à luz solar, foi a primeira que se demonstrou poder causar câncer. Ela penetra pouco na pele, mas o que não é absorvido pela melanina atinge diretamente o DNA – em especial dos melanócitos –, podendo danificá-lo e causar uma forma rara e muito agressiva de câncer: o melanoma, que é mais comum em adultos com tez clara e representa 4% dos tumores de pele malignos no Brasil.

Já a radiação UVA, que assim como a luz visível causa lesões no DNA por meio da produção de formas excitadas e mais reativas de oxigênio, penetra mais profundamente. Na década de 1980 se descobriu que os raios UVA provocavam outra forma de câncer – chamado de não melanoma, mais comum a partir dos 40 anos –, com origem nas chamadas células basais ou escamosas. Tempos depois da comprovação dos efeitos danosos dos raios UVA e UVB a indústria farmacêutica desenvolveu compostos que bloqueiam essas duas faixas de radiação com eficiência. Mas agora começa a se constatar que isso pode não ser suficiente. “Os filtros protegem apenas contra os raios ultravioleta, por isso a informação de que protegem a pele está incompleta”, explica Baptista. “Um aspecto importante é a regulamentação das embalagens e da propaganda, para não passar informação enganosa.” Essa, aliás, é uma questão relevante que costuma demorar a ser resolvida. Baptista lembra o caso da radiação UVA. Embora seu efeito danoso tenha sido comprovado há cerca de 30 anos, só em 2013 os fabricantes foram obrigados a especificar nas embalagens se o produto protegia contra um ou os dois tipos de radiação UV.

Baptista obteve os primeiros indícios de que a luz visível também podia ser prejudicial em 2011, em testes mostrando que, ao interagir com a melanina pura ou a melanina dos fios de cabelo, surgia o oxigênio singlete. “A descoberta da ação nociva do UVA algumas décadas atrás quebrou o dogma de que o UVB era a única faixa do espectro solar que causava danos na pele”, conta Baptista. “Agora é necessário quebrar o dogma de que esse efeito nocivo acontece apenas por causa dos raios UV.”

Para demonstrar de forma completa o efeito carcinogênico da luz visível, entretanto, ainda falta ao menos mais uma etapa. É preciso comprovar que a lesão no DNA provocada pela luz visível leva a alterações profundas (mutações) nos genes. “Será necessário fazer testes em animais e depois em seres humanos, mas, se confirmada, essa é uma descoberta importante”, diz João Duprat Neto, cirurgião oncológico e diretor do Núcleo de Câncer de Pele do A. C. Camargo Cancer Center. “É possível que esses dados estimulem o desenvolvimento de protetores de pele mais eficientes.”

Enquanto não surgem protetores que também filtrem a luz visível, a melhor forma de se proteger do câncer de pele é evitar a exposição excessiva ao sol. Mas, só a excessiva, porque há outro fator a ser considerado: a luz solar é fundamental para a pele sintetizar a vitamina D, importante contra a osteoporose e outras doenças dos ossos. Segundo o dermatologista Marco Antônio Oliveira, também do Núcleo de Câncer de Pele do A. C. Camargo, quem tem risco maior de desenvolver câncer de pele deve substituir a exposição ao sol pelo consumo de suplementos de vitamina D, cuja produção cai após os 40 anos com o envelhecimento da pele. “É importante lembrar que o uso de filtros solares é fundamental”, diz Oliveira. “Nas novas gerações, mais bem informadas sobre os efeitos do sol e que usam mais os protetores, a incidência de câncer caiu sensivelmente.”

Projetos
1. Fotossensibilização nas ciências da vida (nº 12/50680-5); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Maurício da Silva Baptista (Instituto de Química/USP); Investimento: R$ 3.067.571,88 (FAPESP).
2. Redoxoma (nº 13/07937-8); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Ohara Augusto (Instituto de Química/USP); Investimento R$ 20.674.781,25 (para todo o projeto) (FAPESP).

Artigo científico
CHIARELLI NETO, O. et al. Melanin photosensitization and the effect of visible light on epithelial cells. PLoS ONE. 18 nov. 2014.

Fonte: Revista Fapesp
Por: GILBERTO STAM | ED. 227 /2015

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