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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Fotossíntese artificial:Moléculas sintetizadas em laboratório imitam mecanismo de produção de energia das plantas

 
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© LÉO RAMOS
  
Imagine um frasco de água onde está mergulhada uma placa de metal revestida com um material sintetizado em laboratório, que produz e armazena energia na forma do gás hidrogênio simplesmente por estar ao sol. “Estamos pensando num mundo em que a água seria o combustível”, diz o químico Jackson Megiatto, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esse aparato ainda não é realidade em grande escala, mas de acordo com o pesquisador já não é ficção científica. “Um corpo de conhecimento vem sendo construído para obter energia a partir do sol e água em um futuro próximo.” O hidrogênio é uma fonte energética importante, porque além de eficiente ele não gera poluentes quando usado como combustível. Produzi-lo, porém, tem sido um grande desafio. Em parceria com pesquisadores das universidades do Estado do Arizona (ASU) e da Pensilvânia, nos Estados Unidos, Megiatto deu um passo para a solução do problema: reproduzir em laboratório a reação de quebra de moléculas de água promovida por energia solar.

As plantas, as algas e algumas bactérias têm a capacidade única de produzir energia a partir de água e luz solar, e conseguem isso graças a um mesmo processo: a fotossíntese, que envolve moléculas complexas e reações químicas ainda não completamente compreendidas. Quando ativadas pela luz solar, essas moléculas naturais são capazes de decompor a molécula da água, H2O, uma das mais estáveis na natureza, em seus constituintes oxigênio e hidrogênio. “Essa estabilidade da água é tão grande que quando tentamos reproduzir o processo nossas moléculas são degradadas antes das de água”, explica Megiatto.
A novidade do estudo está no design das moléculas fotoativas e dos catalisadores nanoparticulados que imitam o sistema fotossintético natural que as plantas têm usado ao longo de milhões de anos para acumular a energia que sustenta a maior parte da vida na Terra. Os resultados foram publicados em dois artigos na PNAS, em 2012, e mais recentemente na Nature Chemistry, na qual foi veiculado on-line em 9 de fevereiro deste ano.
Depois de estudar o que se conhece sobre a fotossíntese natural, ele conseguiu sintetizar em laboratório moléculas mais robustas, chamadas de perfluoro porfirina, cujo comportamento é semelhante ao do cofator P680, que ocorre naturalmente nas plantas. Para imitar a estrutura proteica do sistema natural diretamente envolvido no processo de quebra das moléculas de água, foi também necessário acrescentar um grupo fenólico à porfirina. “Quando excitada pela luz solar, a porfirina rouba um elétron do grupo fenol, gerando uma espécie química com energia suficiente para quebrar as moléculas de água”, descreve o químico da Unicamp, que fez o trabalho enquanto era pesquisador associado na ASU e no Centro para Produção Bio-Inspirada Solar de Combustível (BisFuel), criado em 2009 com um investimento de US$ 14 milhões pelo Departamento de Energia norte-americano.
A equipe monitorou as transferências de elétrons entre a porfirina e o fenol usando uma técnica conhecida como espectroscopia de ressonância paramagnética eletrônica. “A técnica detecta apenas os elétrons que estão livres nas moléculas, e não aqueles que estão envolvidos em ligações químicas no material”, explica Megiatto. As respostas observadas foram muito semelhantes às obtidas quando o sistema fotossintético natural é submetido à mesma análise, indicando um paralelo na maneira como esses compostos transportam elétrons quando expostos à luz solar.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
  
“Até agora, nenhum material tinha sido capaz de transferir elétrons de maneira tão similar ao sistema natural”, comemora o químico. Os resultados foram atingidos em 2011, mas antes de publicar o grupo fez questão de realizar testes exaustivos para garantir que podiam ser reproduzidos, além de analisar o novo material usando outras técnicas. Deu certo. “O material tem sido sintetizado no Arizona até por alunos de graduação e os resultados são sempre os mesmos”, diz o pesquisador.

O material desenvolvido por Megiatto já integra aparelhos fotossintéticos que funcionam como pequenas usinas à base de água. A ideia é conectá-los a células a combustível. Testes preliminares mostram, porém, que o sistema ainda é ineficiente para a produção de energia em larga escala. Daqui para a frente, serão necessários mais estudos em laboratório para refinar o funcionamento do sistema de produção de energia.
Ao fim desse trabalho, Megiatto estava prestes a assinar um contrato como professor no BisFuel, mas soube de um concurso no Instituto de Química da Unicamp e optou por voltar ao Brasil. Aqui ele mantém a colaboração com o grupo dos Estados Unidos, por meio de uma pesquisa integrada, reuniões via internet e, no futuro, troca de alunos entre os laboratórios brasileiro e americano para realizar etapas do estudo que exijam o uso de equipamentos específicos em um dos dois países.
Nos próximos tempos, seu plano é encontrar uma maneira de melhorar o desempenho do material à base de porfirina e a eficiência do processo fotoquímico, com a intenção de diminuir o custo de produção de energia. A ideia é fazer com que as moléculas de porfirina e fenol se organizem sozinhas como se fossem peças de um jogo de armar em vez de precisarem ser ligadas quimicamente uma à outra. É preciso, ele explica, descobrir como “conversar” com essas substâncias químicas dispersas em solução: “Você vem aqui, você dá a mão para aquela outra molécula…”. Mais uma vez, não é ficção científica, mas parte de uma disciplina conhecida como química supramolecular. “Os custos cairiam significativamente e a eficiência aumentaria”, prevê o químico, caso seu projeto seja bem-sucedido.
Longe de estar isolado na busca pela produção de energia sem a necessidade de combustíveis fósseis, no final de fevereiro Megiatto foi convidado para expor a nova tecnologia na Universidade de Tecnologia em Delft, na Holanda, e discutir alternativas futuras. Também apresentou a fotossíntese artificial no encontro multidisciplinar Fronteiras da Ciência, organizado na Inglaterra pela Royal Society, pela FAPESP e pela Academia Brasileira de Ciências. Se depender da integração de esforços, estão contados os dias da fotossíntese como exclusividade das plantas.
 
Fonte: Revista Fapesp on line - edição 217/2014
Por Maria Guimarães

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