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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Conexões dinâmicas: Matemáticos e neurocientistas se unem para entender e predizer o funcionamento do cérebro

© FABIO OTUBO
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Os dois desenhos animados que Ghislain Saunier mostrou a seus voluntários num experimento feito em 2008 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) não eram nenhuma obra de arte. Com alguns segundos de duração, cada sequência de imagens mostrava 10 pequenos círculos brancos se deslocando sobre um fundo preto. Em uma delas, o movimento dos círculos formava figuras que lembram uma pessoa caminhando – os círculos brancos, na realidade, marcavam as articulações das pernas, dos braços e do tronco de alguém filmado enquanto andava. Na outra, os círculos se moviam de maneira embaralhada.
 
Os dois filmes, criados por Saunier durante seu doutorado no laboratório da neurocientista Cláudia Vargas na UFRJ, foram exibidos dezenas de vezes, em ordem aleatória, a 16 participantes do estudo. Os voluntários assistiam às animações enquanto um aparelho de eletroencefalografia registrava a atividade elétrica do cérebro. Os participantes em geral reconheciam a primeira sequência de imagens rapidamente, mas tinham dificuldade de dar sentido ao que viam no segundo filme. Com esse experimento, Saunier e Vargas tentavam descobrir se o processamento cerebral das duas imagens diferia significativamente. “Um debate-chave da neurociência é entender como o cérebro codifica e segmenta os objetos em uma cena visual por meio da combinação dos atributos que os compõem”, comenta Sergio Neuenschwander, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que estuda a resposta de pequenos conjuntos de neurônios de animais expostos a diferentes estímulos visuais.

Hoje é cada vez mais comum experimentos como esse, que começam com o registro da atividade cerebral de animais e de voluntários em laboratório, prosseguirem em uma simples sala de reuniões onde neurocientistas, matemáticos e especialistas de outras áreas discutem, com o auxílio de papel e caneta, a melhor forma de processar, analisar e explicar os dados. Um prédio de três andares no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP) tornou-se nos últimos anos a sede de uma rede multidisciplinar que funciona nesses moldes: o Centro de Neuromatemática ou NeuroMat, um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP (ver Pesquisa FAPESP nº 208).

Coordenado pelo matemático Antonio Galves, o NeuroMat reúne matemáticos, neurocientistas, médicos, físicos, cientistas da computação e estatísticos com um objetivo ambicioso: desenvolver uma nova teoria geral do cérebro, capaz de explicar como a atividade coordenada de um sistema composto por dezenas de bilhões de neurônios e outras células pode dar origem a comportamentos complexos que permitem interagir com um ambiente em constante transformação. Além de gerar novas formulações abstratas para fenômenos como a neuroplasticidade (capacidade de as células cerebrais se reconectarem), essa linha de pesquisa pode gerar impactos clínicos e aprimorar os métodos de avaliação e tratamento de pessoas com lesões no sistema nervoso.

ILUTSRAÇÃO: FABIO OTUBO
 
Em um workshop realizado em janeiro deste ano no NeuroMat, Vargas, uma das pesquisadoras principais desse centro, e seus colaboradores no projeto apresentaram a análise mais recente do experimento iniciado em 2008. Essa análise usou ferramentas de uma área da matemática conhecida como teoria dos grafos e permitiu começar a observar como diferentes áreas do cérebro interagem nas duas situações do teste: ao assistir ao filme que representava o movimento biológico (pessoa caminhando) e ao ver a animação do movimento não biológico (círculos embaralhados).
 
Depois das sessões dos filmes foram necessários anos de trabalho, usando estratégias diferentes de interpretação dos dados, até se chegar aos resultados atuais, apresentados também em janeiro na revista PLoS One. Os sinais elétricos coletados por Saunier não permitiram identificar de imediato diferenças significativas entre o funcionamento do cérebro durante a exibição dos filmes. Vargas e Saunier – em colaboração com os pesquisadores Thierry Pozzo, Elisa Carvalho Dias, José Magalhães de Oliveira e Eduardo Martins – conseguiram avanços ao somarem os registros feitos pelos 20 eletrodos em todas as vezes em que os participantes assistiram a um dos filmes.

Essa estratégia revelou haver um padrão de ativação cerebral ligeiramente distinto associado a cada tipo de movimento – biológico e embaralhado. No entanto havia limitações.

“Essa forma de analisar os dados gerava uma descrição fragmentada da atividade neuronal, eletrodo por eletrodo, sem oferecer uma visão sistêmica”, comenta Vargas. Mas não tornava possível inferir como as diferentes regiões cerebrais interagiam entre si em cada situação. O desafio, então, era desenvolver um modo de medir a interação entre as áreas cerebrais.

Por meio do NeuroMat, Vargas e seus colaboradores estabeleceram uma parceria com o físico Daniel Fraiman, da Universidade de San Andrés, em Buenos Aires, especialista em processamento de sinais eletrofisiológicos cerebrais. Para interpretar os dados, Fraiman adaptou para a eletroencefalografia um método antes usado com dados de ressonância magnética. Essa nova estratégia usa ferramentas da teoria dos grafos, que estuda as maneiras como os pontos ou nós de uma rede podem se conectar. A ideia central é considerar os eletrodos como vértices de um grafo e unir por arestas os pares de eletrodos que registrarem sinais com alta correlação numa certa janela de tempo.

Dessa maneira, foi possível construir grafos representando como as áreas do cérebro associadas à percepção e ao controle dos movimentos do corpo conversavam entre si e interpretavam as animações do experimento original. “Essa é uma maneira inovadora de usar a eletroencefalografia para mapear grafos de interações que refletem a atividade de uma rede cerebral a partir de estímulos visuais”, afirma Vargas, coordenadora do grupo que publicou os resultados na PLoS One.

“A neurociência contemporânea é cada vez mais quantitativa”, afirma Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da UFRN e membro do NeuroMat, que conta com a participação de grupos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal do ABC (UFABC), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e de centros internacionais. “Temos a necessidade de interagir com matemáticos e estatísticos do mais alto nível”, disse Ribeiro.

Teoria dos grafos

O estudo quantitativo da organização do cérebro – das ligações entre os neurônios às conexões entre as diferentes regiões cerebrais – avançou na última década graças à teoria dos grafos e a outras áreas da matemática cujo desenvolvimento faz parte do projeto científico do NeuroMat. A teoria dos grafos permitiu analisar a estrutura das chamadas redes funcionais do cérebro – conjuntos de partes distintas ativadas simultaneamente durante uma atividade, como a percepção de estímulos visuais. A aplicação dessa teoria a imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) já produziu evidências de que as redes funcionais do cérebro parecem ter uma estrutura do tipo “mundo pequeno”, em que dois conjuntos quaisquer de neurônios se conectam por meio de alguns poucos intermediários, e possuem apenas algumas dezenas de hubs, áreas muito mais conectadas com o restante da rede do que as demais. “Mas os mapas que temos das conexões do cérebro ainda têm uma resolução muito baixa, comparável à dos mapas-múndi que tínhamos no século XVI”, diz o neurologista Marcio Balthazar, da Unicamp, que pesquisa redes funcionais de pacientes com a doença de Alzheimer no Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia, outro Cepid voltado para a neurociência, coordenado pelo neurologista Fernando Cendes, da Unicamp (ver Pesquisa Fapesp nº 215). Galves discorda dessa analogia. “A comparação com um mapa-múndi não é feliz, pois, no caso das navegações, a costa além-mar efetivamente existia; no caso dos modelos de conexão do cérebro, trabalhamos com construções teóricas destinadas a representar em um nível mais elevado de abstração um conjunto de fenômenos observados experimentalmente”, explica.

As redes funcionais ligadas aos estímulos visuais estudados pela equipe de Vargas, por exemplo, só puderam ser observadas quando os pesquisadores conseguiram representar os dados de eletroencefalografia na forma de grafos. Assim, os pesquisadores desenvolveram critérios para avaliar como o sinal de cada um dos 20 eletrodos se relacionava com os demais a cada instante.

Desse modo, conseguiram construir sequências de grafos, de modo que cada um deles representava a rede de interações entre os eletrodos em intervalos de 300 milissegundos. A simples visualização dessas redes, porém, revelou que elas eram altamente variáveis. Não somente variavam entre os indivíduos e ao longo do tempo, mas também variavam entre as apresentações do mesmo estímulo para um mesmo indivíduo (ver infográfico).

Para encontrar diferenças significativas entre as redes ativadas durante a exibição de cada vídeo, foi necessária uma análise quantitativa das conexões de cada ponto da rede (nó), medindo, por exemplo, se alguns destes eram mais conectados com seus vizinhos ou com o restante da rede do que outros na condição embaralhada em comparação à condição em que o voluntário era capaz de identificar a imagem biológica (boneco caminhando).

Uma das conclusões da equipe foi que, quando os voluntários viam o desenho dos círculos embaralhados, os sinais cerebrais captados pelo eletrodo F7, instalado um pouco acima do meio do caminho entre o olho e a orelha esquerdos, se correlacionavam mais fortemente com outros eletrodos do que no caso em que os voluntários assistiam ao desenho da pessoa caminhando. Na rede funcional do movimento embaralhado também se destacava a atividade de uma região do córtex visual em volta do eletrodo O2, colocado no lado direito da parte de trás da cabeça, que se comunicava intensamente com regiões vizinhas. É como se o cérebro usasse um modelo mais complexo quando não consegue dar sentido facilmente àquilo que está acontecendo. A rede funcional ativada, ao assistir ao desenho da pessoa caminhando, em comparação com a recrutada durante a visualização dos pontos embaralhados, era mais concentrada em torno dos eletrodos Pz e P3, que correspondem genericamente a uma região cerebral que realiza a integração entre a visão e os movimentos corporais.

Lacunas e soluções

A cooperação entre neurocientistas e matemáticos no experimento iniciado por Saunier em 2008 na UFRJ continua, agora com o desafio de encontrar modelos matemáticos que expliquem as variações e as constâncias das sequências de grafos observadas pela equipe. “Apesar de muito variáveis, as sucessões de grafos obtidas durante o processamento do movimento biológico deve ter características estáveis que são distintas daquelas observadas no processamento do movimento não biológico”, diz Galves. “A questão científica que se coloca é como identificar o conjunto de características estáveis dentro da sucessão variável de grafos obtidos.”

O próximo passo, ele conta, seria aplicar um procedimento estatístico para selecionar os modelos matemáticos que melhor expliquem as sequências de grafos. Ele e seus colaboradores dizem, porém, que esses modelos matemáticos ainda não existem e terão de ser desenvolvidos. A equipe do NeuroMat imagina que esses novos modelos são o que os matemáticos chamam de processos estocásticos, evoluções temporais submetidas à influência do acaso. Esses processos representam a atividade global de um sistema com muitas componentes interagindo entre si ao longo do tempo.

Galves e colaboradores internacionais, incluindo a matemática Eva Löcherbach, da Universidade de Cergy-Pontoise, na França, têm trabalhado no desenvolvimento de uma nova classe de processos estocásticos que permitiriam encontrar essas regularidades em sistemas interativos complexos. Em um artigo de 2013 no Journal of Statistical Physics, Galves e Eva introduziram, de modo simplificado, uma nova classe de processos estocásticos, generalizando propriedades de outras classes já conhecidas, como o fato de um próximo passo em uma cadeia de eventos ser influenciado por um número variável de passos anteriores, e que apresenta comportamentos qualitativos comparáveis com resultados empíricos da neurociência.

A classe de modelos em desenvolvimento no NeuroMat, explica Galves, não se propõe a oferecer descrições detalhadas do funcionamento do cérebro, mas a encontrar regularidades nas interações neuronais que não são perceptíveis na observação dos dados experimentais. Segundo o matemático, o objetivo é construir um novo campo da matemática. “Há uma visão ingênua de que o que falta para a neurociência são mais dados e poder de cálculo, mas não é só isso”, afirma o coordenador do NeuroMat. “Na verdade, falta um quadro conceitual para expressar formalmente os fenômenos neurobiológicos.”

Esse e outros trabalhos foram discutidos pelos integrantes do NeuroMat em São Paulo, em janeiro, durante o workshop em que apresentaram resultados recentes de suas pesquisas e planejaram as próximas atividades. Um dos participantes, o neurologista Leonardo Cohen, do Instituto Nacional de Doenças Neurológicas e Derrame, dos Estados Unidos, considera a proposta do NeuroMat “muito original”. Cohen é um dos conselheiros científicos do NeuroMat e falou de seus trabalhos recentes sobre o reaprendizado de movimentos perdidos após um derrame. “O NeuroMat é bem diferente de iniciativas em andamento nos Estados Unidos e na Europa.” Cohen considera uma vantagem do NeuroMat não ter como objetivo central o acúmulo de dados biológicos, como é o do Projeto de Mapeamento da Atividade Cerebral, que pretende mapear a atividade de cada um dos 86 bilhões de neurônios do cérebro humano. “Em um projeto assim, o trabalho dos neurocientistas, engenheiros e cientistas da computação já foi predeterminado, todos já sabem o que precisavam fazer”, ele explica. “Já o NeuroMat é como uma escola, onde as pessoas estão começando a explorar ligações que não sabiam que existiam entre as suas especialidades.”

A plasticidade neuronal

No workshop, Vargas e Cohen, um dos pioneiros do estudo da neuroplasticidade em pacientes recuperando-se de lesões cerebrais, discutiram possibilidades de parceria entre suas equipes. “Queremos entender as regras da neuroplasticidade, o que o rearranjo das redes funcionais torna possível ou impossível”, diz Vargas. “Para isso precisamos de modelos matemáticos que levem em conta que o cérebro não é determinista; por exemplo, nossos modelos e experimentos precisam considerar que, a cada repetição de um movimento, o cérebro ativa uma rede parecida com a anterior, mas nova em alguns aspectos, o que requer um novo instrumental conceitual e metodológico.” Galves acredita que a chave para descrever matematicamente a plasticidade neuronal é aprender a representar essa evolução através de processos estocásticos que mostrem os grupos de interações entre regiões cerebrais após lesões ou durante o aprendizado motor.

Vargas atualmente usa a eletroencefalografia e a estimulação magnética transcraniana, além de escalas de avaliação funcional, para acompanhar no Instituto de Neurologia Deolindo Couto, da UFRJ, a reabilitação de 25 pacientes com lesões no plexo braquial, o feixe de nervos que sai da medula espinhal e inerva os braços – essas lesões são comuns nos motociclistas, em especial motoboys, que rompem alguns ou todos os nervos, perdendo parcial ou totalmente a sensibilidade e os movimentos de um dos braços.

Já se observou que alguns pacientes recuperam parte dos movimentos após uma cirurgia de restauração dos nervos e intensa fisioterapia. Mas os pesquisadores querem saber como as redes funcionais se adaptam ao rearranjo de nervos e se, a partir dessas novas informações, seria possível melhorar o processo de reabilitação.

Médicos, enfermeiros e fisioterapeutas associados ao projeto colaboram com os neurocientistas para coletar medidas funcionais dos pacientes e alimentar um grande banco de dados desenvolvido por outro grupo do NeuroMat, coordenado pela cientista da computação Kelly Braghetto, do IME-USP.

Esse banco de dados é hoje central para o NeuroMat. Os dados, etiquetados e organizados, poderão ser compartilhados com outros pesquisadores e submetidos a propostas originais de análise. Os pesquisadores do NeuroMat esperam aplicar a mesma abordagem nas unidades da Rede de Reabilitação Lucy Montoro, dirigida pela fisiatra Linamara Battistella, da USP, onde pacientes com lesões cerebrais causadas por derrames já participam de estudos clínicos.

Um dos projetos compara a recuperação dos movimentos dos braços de pacientes tratados com duas técnicas de reabilitação. Os estatísticos Jesús García e Verónica González-López, ambos da Unicamp e ligados ao NeuroMat, colaboram para eliminar redundâncias nos questionários de avaliação clínica e otimizar as escalas de avaliação da capacidade motora dos pacientes.

A evolução dessa capacidade também vem sendo monitorada com medições da atividade cerebral por eletroencefalografia e estimulação magnética transcraniana. “As medidas permitem entender melhor as mudanças funcionais que ocorrem no sistema nervoso e correlacionar essas modificações com a melhora clínica dos pacientes com AVC”, explica o neurologista Marcel Simis, um dos pesquisadores do projeto.

Projeto
Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática – NeuroMat (nº 2013/07699–0); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Jefferson Antonio Galves – IME/USP; Investimento R$ 11.755.168,93 (FAPESP) para todo o Cepid.
Artigos científicos
FRAIMAN, D. et al. Biological motion coding in the brain: analysis of visually driven EEG functional networks. PLoS One. v. 9, n. 1. jan. 2014.
GALVES, A. e LÖCHERBACH, E. Infinite systems of interacting chains with memory of variable length – A stochastic model for biological neural nets. Journal of Statistical Physics. v. 151, n. 5. jun. 2013. 

Fonte: Revista Fapesp - edição 218 abril de 2014
Por: IGOR ZOLNERKEVIC

Tem dúvidas do que faz um BIOMÉDICO?

Então não perca o CBN-PROFISSÕES deste domingo 27/04
às 12h30.

O programa será dedicado a BIOMEDICINA!!!!

Rádio CBN (90.5)




sábado, 19 de abril de 2014

Encontro de Egressos Biomedicina Metodista - 2014

 Atenção!

O Encontro de Egressos Biomedicina Metodista 2014 será no dia 8 de maio às 20h na Universidade Metodista de São Paulo - campus Planalto!

Esperamos vocês!!!!

Para confirmar presença acesse o site: https://www.facebook.com/events/627214970700112/

 "Amizade é a capacidade de uma conversa poder ter um intervalo de 20 anos e, no reencontro, ser continuada da onde tinha parado" Andre Saut


Estratégia matemática facilita diferenciação entre mania e esquizofrenia

Uma abordagem matemática desenvolvida no Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) pode facilitar a diferenciação entre mania e esquizofrenia, fundamental para estabelecer os tratamentos mais adequados para cada enfermidade. A abordagem avalia de modo quantitativo as diferenças nas estruturas de linguagem verbal adotadas por quem tem mania ou esquizofrenia.
A estratégia de análise indica que as pessoas com mania são muito mais prolixas e repetitivas do que as com esquizofrenia, geralmente lacônicas e centradas em um único assunto, sem deixar o pensamento viajar. A base de análise usada é a teoria dos grafos que representa as palavras como pontos e a sequência entre elas nas frases por setas.
" A recorrência é uma marca do discurso do paciente com mania, que conta três ou quatro vezes a mesma coisa, enquanto aquele com esquizofrenia fala objetivamente o que tem para falar, sem se desviar, e tem um discurso pobre em sentidos" , diz a psiquiatra Natália Mota, pesquisadora do instituto. " Em cada grupo" , diz Sidarta Ribeiro, diretor do instituto, " o número de palavras, a estrutura da linguagem e outros indicadores são completamente distintos" .
Eles acreditam que conseguiram dar os primeiros passos rumo a uma forma objetiva de diferenciar as duas formas de psicose, do mesmo modo que um hemograma é usado para atestar uma doença infecciosa, desde que os próximos testes, com uma amostra maior de participantes, reforcem a consistência dessa abordagem e os médicos consintam em trabalhar com um assistente desse tipo.
Os testes comparativos descritos em um artigo recém-publicado na revista PLoS One indicaram que essa nova abordagem proporciona taxas de acerto da ordem de 93% no diagnóstico, enquanto as escalas psicométricas hoje em uso, com base em questionários de avaliação de sintomas, chegam a apenas 67%. " São métodos complementares" , diz Natália Mota. " As escalas psicométricas e a experiência dos médicos continuam indispensáveis."
" O resultado é bastante simples, mesmo para quem não entende matemática" , diz o físico Mauro Copelli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que participou desse trabalho. O discurso das pessoas com mania se mostra como um emaranhado de pontos e linhas, enquanto o das com esquizofrenia se apresenta como uma reta, com poucos pontos. A teoria dos grafos, que levou a esses diagramas, tem sido usada há séculos para examinar as trajetórias pelas quais um viajante poderia visitar todas as cidades de uma região, por exemplo. Mais recentemente, tem servido para otimizar o tráfego aéreo, considerando os aeroportos como um conjunto de pontos ou nós conectados entre si por meio dos aviões.
Como foi feito
" Na primeira vez que rodei o programa de grafos, as diferenças de linguagem saltaram aos olhos" , conta Natália Mota. Em 2007, ao terminar o curso de medicina e começar a residência médica em psiquiatria no hospital da UFRN, a pesquisadora notava que muitos diagnósticos diferenciais de mania e de esquizofrenia dependiam da experiência pessoal e de julgamentos subjetivos dos médicos - os que trabalhavam mais com pacientes com esquizofrenia tendiam a encontrar mais casos de esquizofrenia e menos de mania - e muitas vezes não havia consenso. Já se sabia que as pessoas com mania falam mais e se desviam do tópico central muito mais facilmente que as com esquizofrenia, mas isso lhe pareceu genérico demais. ? Em um congresso científico em 2008 em Fortaleza ela conversou com Copelli, que já colaborava com Ribeiro e a incentivou a trabalhar com grafos. No início ela resistiu, por causa da pouca familiaridade com matemática, mas logo depois a nova teoria lhe pareceu simples e prática.
Para levar o trabalho adiante, ela gravou e, com a ajuda de Nathália Lemos e Ana Cardina Pieretti, transcreveu as entrevistas com 24 pessoas ? (oito com mania, oito com esquizofrenia e oito sem qualquer distúrbio mental diagnosticado), a quem pedia para relatar um sonho; qualquer comentário fora desse tema era considerado um voo da imaginação, bastante comum entre as pessoas com mania.
" Já na transcrição, os relatos dos pacientes com mania eram claramente maiores que os com esquizofrenia" , diz. Em seguida, ela eliminou elementos menos importantes como artigos e preposições, dividiu a frase em sujeito, verbo e objetos, representados por pontos ou nós, enquanto a sequência entre elas na frase era representada por setas, unindo dois nós, e assinalou as que não se referiam ao tema central do relato, ou seja, o sonho recente que ela pedira para os entrevistados contarem, e marcavam um desvio do pensamento, comum entre as pessoas com mania.
Um programa específico para grafos baixado de graça na internet indicava as características relevantes para análise - ou atributos - e representava as principais diferenças de discurso entre os participantes, como quantidades de nós, extensão e densidade das conexões entre os pontos, recorrência, prolixidade (ou logorreia) e desvio do tópico central. "É supersimples" , assegura Natália. Nas validações e análises dos resultados, ela contou também com a colaboração de Osame Kinouchi, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, e Guillermo Cecchi, do Centro de Biologia Computacional da IBM, Estados Unidos.
As pessoas com mania obtiveram uma pontuação maior que as com esquizofrenia em quase todos os itens avaliados. " A logorreia típica de pacientes com mania não resulta só do excesso de palavras, mas de um discurso que volta sempre ao mesmo tópico, em comparação com o grupo com esquizofrenia" , ela observou. Curiosamente, os participantes do grupo-controle, sem distúrbio mental diagnosticado, apresentaram estruturas discursivas de dois tipos, ora redundantes como os participantes com mania, ora enxutas como os com esquizofrenia, refletindo as diferenças entre suas personalidades ou a motivação para, naquele momento, falar mais ou menos. " A patologia define o discurso, não é nenhuma novidade" , diz ela. " Os psiquiatras são treinados para reconhecer essas diferenças, mas dificilmente poderão dizer que a recorrência de um paciente com mania está 28% menor, por mais experientes que sejam."
" O ambiente interdisciplinar do instituto foi essencial para realizar esse estudo, porque eu estava todo dia trocando ideias com gente de outras áreas. Nivaldo Vasconcelos, um engenheiro de computação, me ajudou muito" , diz ela. O Instituto do Cérebro, em funcionamento desde 2007, conta atualmente com 13 professores, 22 estudantes de graduação e 42 de pós, 8 pós-doutorandos e 30 técnicos. " Vencidas as dificuldades iniciais, conseguimos formar um grupo de pesquisadores jovens e talentosos" , comemora Ribeiro. " A casa em que estamos agora tem um jardim amplo, e muitas noites ficamos lá até as duas, três da manhã, falando sobre ciência e tomando chimarrão."
Fonte: isaude.net

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Fotossíntese artificial:Moléculas sintetizadas em laboratório imitam mecanismo de produção de energia das plantas

 
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© LÉO RAMOS
  
Imagine um frasco de água onde está mergulhada uma placa de metal revestida com um material sintetizado em laboratório, que produz e armazena energia na forma do gás hidrogênio simplesmente por estar ao sol. “Estamos pensando num mundo em que a água seria o combustível”, diz o químico Jackson Megiatto, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esse aparato ainda não é realidade em grande escala, mas de acordo com o pesquisador já não é ficção científica. “Um corpo de conhecimento vem sendo construído para obter energia a partir do sol e água em um futuro próximo.” O hidrogênio é uma fonte energética importante, porque além de eficiente ele não gera poluentes quando usado como combustível. Produzi-lo, porém, tem sido um grande desafio. Em parceria com pesquisadores das universidades do Estado do Arizona (ASU) e da Pensilvânia, nos Estados Unidos, Megiatto deu um passo para a solução do problema: reproduzir em laboratório a reação de quebra de moléculas de água promovida por energia solar.

As plantas, as algas e algumas bactérias têm a capacidade única de produzir energia a partir de água e luz solar, e conseguem isso graças a um mesmo processo: a fotossíntese, que envolve moléculas complexas e reações químicas ainda não completamente compreendidas. Quando ativadas pela luz solar, essas moléculas naturais são capazes de decompor a molécula da água, H2O, uma das mais estáveis na natureza, em seus constituintes oxigênio e hidrogênio. “Essa estabilidade da água é tão grande que quando tentamos reproduzir o processo nossas moléculas são degradadas antes das de água”, explica Megiatto.
A novidade do estudo está no design das moléculas fotoativas e dos catalisadores nanoparticulados que imitam o sistema fotossintético natural que as plantas têm usado ao longo de milhões de anos para acumular a energia que sustenta a maior parte da vida na Terra. Os resultados foram publicados em dois artigos na PNAS, em 2012, e mais recentemente na Nature Chemistry, na qual foi veiculado on-line em 9 de fevereiro deste ano.
Depois de estudar o que se conhece sobre a fotossíntese natural, ele conseguiu sintetizar em laboratório moléculas mais robustas, chamadas de perfluoro porfirina, cujo comportamento é semelhante ao do cofator P680, que ocorre naturalmente nas plantas. Para imitar a estrutura proteica do sistema natural diretamente envolvido no processo de quebra das moléculas de água, foi também necessário acrescentar um grupo fenólico à porfirina. “Quando excitada pela luz solar, a porfirina rouba um elétron do grupo fenol, gerando uma espécie química com energia suficiente para quebrar as moléculas de água”, descreve o químico da Unicamp, que fez o trabalho enquanto era pesquisador associado na ASU e no Centro para Produção Bio-Inspirada Solar de Combustível (BisFuel), criado em 2009 com um investimento de US$ 14 milhões pelo Departamento de Energia norte-americano.
A equipe monitorou as transferências de elétrons entre a porfirina e o fenol usando uma técnica conhecida como espectroscopia de ressonância paramagnética eletrônica. “A técnica detecta apenas os elétrons que estão livres nas moléculas, e não aqueles que estão envolvidos em ligações químicas no material”, explica Megiatto. As respostas observadas foram muito semelhantes às obtidas quando o sistema fotossintético natural é submetido à mesma análise, indicando um paralelo na maneira como esses compostos transportam elétrons quando expostos à luz solar.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
  
“Até agora, nenhum material tinha sido capaz de transferir elétrons de maneira tão similar ao sistema natural”, comemora o químico. Os resultados foram atingidos em 2011, mas antes de publicar o grupo fez questão de realizar testes exaustivos para garantir que podiam ser reproduzidos, além de analisar o novo material usando outras técnicas. Deu certo. “O material tem sido sintetizado no Arizona até por alunos de graduação e os resultados são sempre os mesmos”, diz o pesquisador.

O material desenvolvido por Megiatto já integra aparelhos fotossintéticos que funcionam como pequenas usinas à base de água. A ideia é conectá-los a células a combustível. Testes preliminares mostram, porém, que o sistema ainda é ineficiente para a produção de energia em larga escala. Daqui para a frente, serão necessários mais estudos em laboratório para refinar o funcionamento do sistema de produção de energia.
Ao fim desse trabalho, Megiatto estava prestes a assinar um contrato como professor no BisFuel, mas soube de um concurso no Instituto de Química da Unicamp e optou por voltar ao Brasil. Aqui ele mantém a colaboração com o grupo dos Estados Unidos, por meio de uma pesquisa integrada, reuniões via internet e, no futuro, troca de alunos entre os laboratórios brasileiro e americano para realizar etapas do estudo que exijam o uso de equipamentos específicos em um dos dois países.
Nos próximos tempos, seu plano é encontrar uma maneira de melhorar o desempenho do material à base de porfirina e a eficiência do processo fotoquímico, com a intenção de diminuir o custo de produção de energia. A ideia é fazer com que as moléculas de porfirina e fenol se organizem sozinhas como se fossem peças de um jogo de armar em vez de precisarem ser ligadas quimicamente uma à outra. É preciso, ele explica, descobrir como “conversar” com essas substâncias químicas dispersas em solução: “Você vem aqui, você dá a mão para aquela outra molécula…”. Mais uma vez, não é ficção científica, mas parte de uma disciplina conhecida como química supramolecular. “Os custos cairiam significativamente e a eficiência aumentaria”, prevê o químico, caso seu projeto seja bem-sucedido.
Longe de estar isolado na busca pela produção de energia sem a necessidade de combustíveis fósseis, no final de fevereiro Megiatto foi convidado para expor a nova tecnologia na Universidade de Tecnologia em Delft, na Holanda, e discutir alternativas futuras. Também apresentou a fotossíntese artificial no encontro multidisciplinar Fronteiras da Ciência, organizado na Inglaterra pela Royal Society, pela FAPESP e pela Academia Brasileira de Ciências. Se depender da integração de esforços, estão contados os dias da fotossíntese como exclusividade das plantas.
 
Fonte: Revista Fapesp on line - edição 217/2014
Por Maria Guimarães

terça-feira, 1 de abril de 2014

Pesquisa identifica gene associado ao ganho de peso

Relações de regulação entre zonas distantes no DNA desviavam a atenção para um suspeito incorreto
 
Gene chamado de IRX3  poderia ser o maior responsável pelo ganho de peso
Gene chamado de IRX3 poderia ser o maior responsável pelo ganho de peso
 
Na busca por culpados pelo excesso de peso, um gene conhecido como FTO ganhou destaque nos últimos anos. Mais especificamente, alterações numa região sem função conhecida, já que não participa da produção da proteína codificada por aquele gene. Um artigo publicado em 12/3 no site da revista Nature, porém, desvia o foco e explica por que não se conseguia estabelecer uma conexão entre mutações nessa região, um íntron, e a função do FTO. “Estávamos procurando os efeitos no gene errado”, diz o geneticista brasileiro Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. O estudo coordenado por ele mostrou que alterações na parte não codificante do FTO na verdade afeta o funcionamento de outro gene bem distante na fita do DNA, chamado de IRX3. No material genético, este assume agora o topo do pódio como o maior responsável pelo ganho de peso.
Mas não adianta jogar toda a culpa nele como justificativa para comer grandes quantidades de doces e deixar de fazer exercícios. “O efeito dessas variantes genéticas no peso são modestos: se você as tiver, é cerca de 3 quilogramas mais gordo do que se não as tiver”, explica Nóbrega. Segundo ele, duas em cada três pessoas têm pelo menos uma cópia dessa alteração em seu gene FTO, e uma em cada seis tem ambas as cópias alteradas, aumentando o risco de ganho excessivo de peso.
O trabalho do laboratório de Nóbrega se baseia na noção que emergiu de inúmeros estudos anteriores que examinaram o genoma inteiro em busca de genes que afetam características específicas: mais importante do que as porções dos genes que contêm o código para alguma proteína são as regiões antigamente conhecida como DNA-lixo por não ter função conhecida. Hoje se sabe que elas atuam na regulação de outros genes, e é o que o grupo de Chicago e colaboradores mostram no caso específico da obesidade. O feito raro do trabalho é desvendar os mecanismos pelos quais o gene está associado ao efeito, o que depende de procedimentos experimentais complexos.
Para isso, eles usaram abordagens múltiplas. Encontraram a interação entre o funcionamento do FTO e do IRX3 em embriões de camundongo e de peixe-paulistinha, o zebrafish, no cérebro de camundongos adultos e em células humanas, um indício de que do ponto de vista evolutivo a relação entre esses genes é antiga. Em 153 amostras de células cerebrais humanas, os pesquisadores mostraram que a expressão do IRX3 de fato afeta a produção de substâncias associadas à obesidade, ao contrário do que observaram para o FTO. Por fim, produziram camundongos com defeito no IRX3 e observaram que eles são mais magros do que os normais, caracterizados por um metabolismo mais rápido e um acúmulo menor de gordura. Eles na verdade tendem a produzir um tipo de gordura não associado ao sobrepeso, a marrom.
Os resultados são um passo na compreensão da influência genética sobre a tendência a ganhar peso, mas Nóbrega é realista quanto à possibilidade de se desenvolver novos medicamentos emagrecedores com base em suas descobertas. “No momento não tem nenhuma e é possível que continue a não ter”, afirma. “Tendo dito isso, é exatamente o que estamos agora investigando e investindo.”
Um aspecto importante do trabalho é dar um exemplo de como investigar associações entre o genoma e determinadas características. “Acreditamos que há um número grande de histórias parecidas com a do FTO-IRX3, em que uma avaliação mais cuidadosa acabará por revelar que o gene-alvo das variantes associadas a um traço não era o que a comunidade acreditava”, diz Nóbrega. Estudos desse tipo ajudam cada vez mais a entender a complexidade dos sistemas de regulação embutidos no material genético.
 
Artigo científico
SMEMO, S. et al. Obesity-associated variants within FTO form long-range functional connections with IRX3. Nature. on-line 12 mar. 2014
 
Fonte: Revista Fapesp on line - março de 2014
Por: MARIA GUIMARÃES