Formas distintas de ameaça ativam circuitos diferentes no cérebro
Maria Guimarães
Quando um animal é
posto numa situação que percebe como risco de perder a vida – um rato dentro de
uma gaiola com um gato, por exemplo –, ele rapidamente a memoriza. Nos dias
seguintes, basta pôr o rato na gaiola, ainda que sem o gato, para suscitar uma reação
idêntica de pânico paralisante. “Nesse momento o animal mobiliza o mesmo
sistema neural utilizado para se defender do predador”, explica o médico e
neuroanatomista Newton Canteras, do Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade de São Paulo (ICB-USP). Ele e sua equipe descobriram que, além de
existirem circuitos cerebrais distintos para cada tipo de medo (ver reportagem
Os caminhos do medo),
a memória também está envolvida no processo que leva a reações que diferem
conforme a situação.
“Diante de um predador, os
ajustes fisiológicos necessários são diferentes daqueles ativados quando um
indivíduo se confronta com um agressor da mesma espécie”, explica Canteras. Um
artigo que ele escreveu em parceria com Cornelius Gross, do Laboratório Europeu
de Biologia Molecular em Monterotondo, Itália, compila o que se sabe sobre o
funcionamento neurológico do medo e estampa a capa da Nature Reviews
Neuroscience de setembro. A ilustração da capa
representa os três tipos de medo descritos no artigo: um leão para o medo do
predador, um homem com um taco de beisebol para o medo social e um dentista
evocando o medo da dor. “São três vias diferentes no cérebro”, explica o pesquisador
da USP.
Tanto a memória quanto as pistas
do ambiente (como cheiros, sons e imagens) são integradas numa região do
cérebro conhecida como amígdala, uma estrutura que fica no lobo temporal. Dali,
os estímulos nervosos são transmitidos para o hipotálamo, alojado na base do
encéfalo. Muitos laboratórios no mundo todo têm investigado exatamente quais
áreas dessas estruturas do cérebro atuam nos diferentes tipos de medo, causando
elevação de pressão e alterações hormonais (os tais ajustes fisiológicos) que,
por sua vez, geram reações distintas, conforme mostra o artigo na Nature
Reviews Neuroscience. Quando enfrenta agressão social, provocada
por um indivíduo da mesma espécie, as regiões ativadas no hipotálamo estão mais
relacionadas às relações sociais e o rato arqueia as costas numa posição de
submissão. Já quando teme sentir dor ou confronta um predador, a primeira
reação é congelar. Nesta segunda situação, caso a estratégia fracasse em
torná-lo invisível, o rato dá saltos para trás numa tentativa de fuga.
Essa atitude quando há risco
(aparente, ao menos) à vida pode ser semelhante ao que pessoas enfrentam em
guerras ou em situações de violência como um assalto à mão armada. O mecanismo
que fixa a memória instantaneamente nos ratos pode ser o mesmo que gera o transtorno de estresse
pós-traumático. Entender a neurofisiologia do medo, os pesquisadores
esperam, pode ajudar a desvendar – e quem sabe tratar – casos em que ele se
torna incapacitante.
Fonte:
Revista Fapesp Edição Online 15:14 -
setembro de 2012
Imagem:
Eduardo César
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