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Células tronco neurais infectadas com ZikV isolado no Brasil. Azul: núcleos celulares. Verde: Nestina. Laranja: Zika vírus
Quando invade o cérebro, o vírus zika ocasiona alterações no funcionamento da maquinaria genética de maneira que as células nervosas deixam de se dividir e se diferenciar nos vários tipos que compõem o órgão responsável por comandar o funcionamento do corpo. Além disso, também ativam genes que ajudam o próprio vírus a se replicar. Dito assim pode parecer quase óbvio, mas chegar a essas conclusões envolveu uma conjunção de especialistas de diversas instituições brasileiras trabalhando com os mais atuais modelos e técnicas, como mostra artigo publicado em 23 de janeiro na revista Scientific Reports.
“Podemos investigar a ação do vírus em modelos com complexidade celular crescente”, conta o neurocientista Erick Loiola, pesquisador em pós-doutorado no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), no Rio de Janeiro, e um dos autores do trabalho. Ele se refere ao cultivo bidimensional de células nervosas em placas, aos aglomerados de células conhecidos como neuroesferas e aos minicérebros, ou organoides cerebrais. Estes últimos são estruturas mais complexas que reproduzem características de um cérebro um pouco mais desenvolvido, como o de um feto aos 3 meses de gestação. Loiola faz parte do grupo liderado pelo neurocientista Stevens Rehen, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor de pesquisa do Idor.
Desde 2009, pesquisadores liderados por Stevens Rehen
estabeleceram linhagens de células-tronco de pluripotência induzidas (iPS), que podem gerar uma série de tecidos diferentes a partir de células adultas, na maior parte das vezes retiradas da pele. A partir daí, logo adquiriram a técnica para produzir as versões tridimensionais que servem de modelo para o estudo de vários aspectos do funcionamento e do desenvolvimento do cérebro, como no caso dos distúrbios psiquiátricos há anos estudados por Rehen.
Os minicérebros eram considerados modelos para estudo de microcefalia desde 2013, dois anos antes de o vírus zika ganhar fama mundial pela conexão com o nascimento de bebês com o cérebro menor do que o esperado para a idade gestacional e outros danos neurológicos. E já eram produzidos no Idor, assim como as neuroesferas. Isso pôs o laboratório em posição privilegiada para fazer frente à epidemia e testar os efeitos do vírus. No ano passado, o grupo indicou que as
neuroesferas infectadas pela linhagem africana do vírus zika se degradam e que células infectadas têm dificuldade em formar os aglomerados.
Aqui núcleos celulares em amarelo e vírus zika em rosa
DNA manipulado
Agora foi a vez de examinar com maior precisão o que acontece no desenvolvimento das células infectadas pela linhagem viral em circulação no Brasil, isolada de um paciente do Espírito Santo, e do ponto de vista da sala de comando – os genes. Isso foi possível analisando o RNA e seus produtos – as proteínas – encontrados nas células, como indicação da atividade genética. “Analisamos as neuroesferas logo no início de seu desenvolvimento, antes que as células começassem a morrer”, explica a bióloga Juliana Minardi, que faz estágio de pós-doutorado no Laboratório de Neuroproteômica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenado pelo biólogo Daniel Martins-de-Souza.
Eles já trabalhavam em parceria com o Idor em um projeto sobre esquizofrenia, então foi simples aplicar o mesmo modelo à infecção por zika.
A ideia era justamente investigar o que causava a deficiência já observada no desenvolvimento das neuroesferas, quando as células progenitoras se diferenciam em neurônios e células da glia (que formam a estrutura do cérebro). Ao analisar a diferença entre células infectadas e sadias logo nos primeiros dias, eles detectaram alterações na produção de cerca de 500 proteínas – um amplo repertório para causar alterações em uma gama de funções celulares. Depois de identificá-las com base em estudos anteriores, ficou claro que o zika cria um ambiente de instabilidade que turbina a produção de proteínas ligadas ao reparo de DNA. Na prática, porém, essas proteínas acabam inibindo a produção de moléculas associadas à proliferação e à diferenciação das células neurais e replicando o material genético do vírus. O resultado são neuroesferas mais escassas, mirradas e malformadas. “O ambiente promovido pelo vírus nas neuroesferas leva suas células a interromper seu ciclo normal de vida, incluindo sua diferenciação em neurônios”, conclui Martins-de-Souza.
Para os pesquisadores da Unicamp, esse tipo de olhar detalhado pode ajudar a identificar alvos interessantes de medicamentos que já estão em teste para outras doenças, além de outros ainda não descobertos. Um exemplo de drogas já conhecidas é a
cloroquina, usada há décadas contra malária, e que em testes com células neurais humanas e neuroesferas de camundongo se mostrou capaz de inibir a proliferação do vírus e a morte de células, de acordo com estudo coordenado pelo virologista Amilcar Tanuri, da UFRJ, em parceria com o grupo de Rehen e publicado em dezembro na revista
Viruses. Outra parceria avaliou o antiviral sofosbuvir, normalmente usado contra a hepatite C, que revelou efeito protetor em minicérebros em estudo liderado pelo biólogo Thiago Moreno Souza, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro, publicado em 18 de janeiro na
Scientific Reports. Loiola, também coautor desse artigo, considera os resultados altamente promissores, embora nem todos os países tenham aprovado o sofosbuvir para uso em grávidas, cujos fetos são as maiores vítimas do risco de microcefalia. “O laboratório está pronto para oferecer os três modelos neurais, que variam em complexidade e velocidade de resposta, para uso como plataforma de teste de drogas”, afirma.
Projeto
Desenvolvimento de um teste preditivo para medicação bem sucedida e compreensão das bases moleculares da esquizofrenia através da proteômica (nº 2013/08711-3); Modalidade Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável Daniel Martins de Souza (Unicamp); Investimento R$ 1.794.423,85.
Artigos científicos
Fonte: Revista Fapesp on line jan/2017
Por: Maria Guimarães