Passava um pouco das nove horas quando a neurocirurgiã Luiza da Silva
Lopes acomodou-se em um banco de madeira e iniciou a primeira das três
operações que faria na manhã daquela sexta feira, 16 de maio, em uma
pequena sala do Laboratório de Neurocirurgia Pediátrica da Universidade
de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Com o bisturi em sua mão direita,
realizou uma incisão firme, de pouco mais de um centímetro, no couro
cabeludo da rata anestesiada e afastou a pele, os músculos e uma
membrana fibrosa que recobre os ossos do crânio. Em menos de cinco
minutos a área estava pronta para o biólogo Danilo Cardim instalar um
pequeno sensor na superfície do crânio do roedor. Pelos 20 minutos
seguintes, Danilo registrou as oscilações da pressão no interior do
crânio do animal usando um aparelho portátil, atualmente em fase de
aprimoramento, desenvolvido pelo grupo do qual faz parte na Universidade
de São Paulo em São Carlos. Hoje estão em funcionamento cinco
exemplares do protótipo, alguns sendo usados em testes experimentais em
seres humanos.
Um pouco mais tarde naquela manhã, Luiza repetiu o procedimento
cirúrgico em outras duas ratas, desta vez prenhes, para que Danilo
realizasse novas medições. Aqueles dados e outros coletados nas semanas
anteriores seriam depois encaminhados para o físico-médico Brenno
Cabella analisar usando uma série de ferramentas matemáticas
sofisticadas. O objetivo do grupo é verificar se a pressão a que o
cérebro está submetido no interior do crânio sofre alterações durante a
gestação.
Caso a suspeita se confirme e a pressão apresente variações anormais,
o trio, parte de uma equipe de quase 40 pessoas coordenada por um
pesquisador incansável, o físico Sérgio Mascarenhas, de 86 anos, terá
conseguido mais um indício de que está no caminho certo para tentar
identificar precocemente – e, quem sabe, tratar de forma mais adequada –
o problema de saúde que mais mata mulheres durante a gestação: a
pré-eclâmpsia. Marcada pelo aumento da pressão arterial após a 22a
semana da gravidez, a pré-eclâmpsia atinge aproximadamente 10% dos 3
milhões de brasileiras que engravidam a cada ano e ameaça tanto a vida
da mulher como a do feto. Nas grávidas ela pode desencadear crises
convulsivas e até levar ao coma, enquanto o feto corre o risco de ficar
sem nutrientes e oxigênio pelo descolamento da placenta ou de nascer
prematuramente. “Essa é uma doença com ônus elevado para a sociedade: é a
maior matadora de gestantes e de crianças no período perinatal”, afirma
o obstetra Geraldo Duarte, chefe do Serviço de Alto Risco do
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da
USP em Ribeirão Preto e colaborador de Mascarenhas nesse projeto. “A
ciência ainda deve muito nessa área porque sabemos pouco a respeito
dessa doença.”
Enquanto aguardam o resultado dos experimentos com os roedores,
Duarte e o obstetra Ricardo Cavalli planejam usar a segunda e mais
recente versão do sensor de pressão intracraniana para iniciar o
monitoramento das gestantes atendidas no Hospital das Clínicas da USP em
Ribeirão. Totalmente não invasiva, a nova versão do sensor vem sendo
desenvolvida e aperfeiçoada pela equipe de Mascarenhas na USP em São
Carlos ao longo dos últimos quatro anos, com financiamento da FAPESP e
do Ministério da Saúde. Diferentemente do sensor usado no teste com
ratos, essa nova versão foi projetada para ser usada em seres humanos
sem a necessidade de intervenção cirúrgica e, em abril deste ano, foi
testada em um pequeno grupo de pacientes da unidade de cuidados
neurocríticos do Hospital de São João, ligado à Universidade do Porto,
em Portugal.
Feita de material plástico rígido e um pouco maior que uma caixa de
fósforos, a nova versão do sensor é posicionada sobre a pele e o cabelo
da pessoa acordada. Durante o monitoramento permanece presa por uma
faixa elástica semelhante à usada pelos tenistas, que causa apenas uma
leve pressão sobre o crânio, como a que sente quem usa um chapéu um
pouco apertado. A nova versão do sensor funciona com base em um
princípio bastante simples. Um pino que se apoia sobre a pele oscila com
os movimentos microscópicos dos ossos da cabeça, resultado de variações
na pressão intracraniana determinada em grande parte pela chegada de um
maior volume de sangue ao cérebro e aos outros órgãos do encéfalo a
cada batimento do coração. O deslocamento do pino move uma alavanca à
qual estão presos sensores de deformação (extensômetros), que
transformam a movimentação sutil em sinais elétricos, transmitidos para
um equipamento que os amplifica e exibe na forma de um gráfico em um
monitor. O sensor atual representa um avanço importante em relação ao
modelo anterior, embora o princípio de funcionamento seja o mesmo: ambos
medem oscilações no volume craniano.
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O sensor minimamente invasivo (no alto) e o não invasivo: ambos usam o extensômetro - © EDUARDO CESAR |
O primeiro sensor, usado nos experimentos com animais (ratos, coelhos
e ovelhas) e também em testes iniciais com pacientes internados em
unidades de terapia intensiva, exige um corte no couro cabeludo e a
instalação do sensor na superfície do crânio. Começou a ser projetado em
2007 por Mascarenhas e foi desenvolvido pelo farmacêutico Gustavo
Frigieri Vilela, na época aluno de doutorado de Mascarenhas em São
Carlos. Ambos buscavam uma forma menos agressiva e invasiva de monitorar
a pressão intracraniana, um dos parâmetros mais importantes que os
médicos analisam em pessoas que sofrem traumas na cabeça e outros
problemas no sistema nervoso central. Os valores da pressão
intracraniana permitem saber se o cérebro e os outros órgãos do encéfalo
estão recebendo a quantidade adequada de nutrientes e oxigênio e se as
toxinas estão sendo eliminadas no ritmo que deveriam. Também permitem
ter uma ideia de como o sistema nervoso central reage a condições
anormais, como lesões provocadas por traumas na cabeça, que provocam
edema; alterações no suprimento de sangue que ocorrem nos acidentes
vasculares cerebrais (AVC) por isquemia ou hemorragia; desenvolvimento
de tumores e distúrbios na circulação do líquido cefalorraquidiano ou
liquor, que banha o encéfalo e a medula espinhal.
O método mais adotado de monitoramento da pressão intracraniana é
considerado um tanto invasivo. Exige a abertura de um furo no crânio por
meio da qual o neurocirurgião insere um sensor. O mais superficial fica
próximo a uma das membranas que envolvem e protegem o cérebro. Já o
mais profundo chega a penetrar cerca de oito centímetros, causando
pequenas lesões no tecido cerebral e aumentando o risco de sangramento e
infecções. “Em média, infecções e sangramentos ocorrem em 3% dos casos,
o que é um risco aceitável do ponto de vista cirúrgico, mas piora o
prognóstico de um doente já grave”, diz o neurocirurgião Fernando Gomes
Pinto, do Hospital das Clínicas da USP em São Paulo. “Conseguir uma
forma de medir a pressão intracraniana não invasiva pode trazer grande
benefício.”
Mascarenhas começou a buscar um modo menos invasivo de monitorar a
pressão intracraniana em 2006, segundo conta, “por inconformismo”. Pouco
tempo antes havia passado por uma delicada cirurgia para implantar uma
válvula em uma das câmaras do cérebro e drenar o excesso de liquor.
Inicialmente identificado como mal de Parkinson – o físico começou a
apresentar dificuldade de caminhar e falhas de memória –, o problema de
Mascarenhas era outro: hidrocefalia de pressão normal. Comum em idosos, é
causada pelo acúmulo do líquido cefalorraquidiano nas câmaras do
cérebro. Um adulto saudável produz meio litro, ou cerca de dois copos,
de liquor por dia, um fluido transparente que banha todo o sistema
nervoso central e o protege, amortecendo os impactos e removendo os
metabólitos. Com a idade, o sistema de reabsorção do liquor pode deixar
de funcionar adequadamente e o fluido se acumular, pressionando o
cérebro. É um fenômeno semelhante ao que se observa na hidrocefalia
infantil, que atinge uma em cada mil crianças e leva à deformação do
crânio porque os ossos do crânio ainda não estão consolidados.
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Do presente ao passado: três gerações de monitores da pressão intracraniana - © EDUARDO CESAR |
“Existem hoje no Brasil cerca de 300 mil válvulas como a que uso
implantadas”, conta Mascarenhas. “O problema é que em 30% dos casos elas
entopem e precisam ser trocadas [por meio de cirurgia].” O que mais
inquietava o físico era o fato de que uma das formas de avaliar o
funcionamento da válvula exigia, de tempos em tempos, instalar um sensor
de pressão intracraniana. “Eu não me conformava que, em pleno século
XXI, ainda fosse preciso fazer um furo na cabeça para medir a pressão
intracraniana”, recorda.
Mascarenhas decidiu, então, buscar uma alternativa. Consultando
colegas de engenharia, descobriu que havia tempos a engenharia civil se
valia de um pequeno dispositivo elétrico chamado extensômetro para
avaliar sutis deformações em estruturas como as vigas de concreto ou de
aço de uma ponte ou as colunas de um edifício. Em um teste inicial,
Mascarenhas colou um extensômetro na superfície de um crânio humano
emprestado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) e inflou em seu interior um balão de aniversário. Ao
balão acoplou um aparelho de medir pressão arterial (manômetro) e
comparou os valores registrados no manômetro com os do extensômetro (
ver Pesquisa FAPESP nº 159).
Embora cada equipamento use unidades de medida diferentes – o manômetro
marca em milímetros de mercúrio e o extensômetro, em volts –, os
valores apresentaram o mesmo comportamento: cresciam linearmente à
medida que aumentava a pressão e diminuíam igualmente quando a pressão
baixava. Era um sinal de que as duas ferramentas mediam o mesmo
fenômeno. Mas era preciso convencer os médicos, uma tarefa nada fácil.
Há pouco mais de dois séculos as escolas médicas ensinam que, uma vez
consolidadas as articulações dos ossos da cabeça, o crânio se torna
rígido e não sofre expansão. Quem primeiro propôs essa ideia foi o
anatomista escocês Alexander Monro em 1783. Estudando animais, pacientes
e cadáveres humanos, ele e seu aluno e colaborador, o também escocês
George Kellie de Leith, postularam, entre outras coisas, que a caixa
óssea que abriga o encéfalo, sangue e liquor era inexpansível nos
adultos. Nesse conjunto de ideias que se tornou conhecido como doutrina
Monro-Kellie, afirmaram ainda que, por não sofrer deformação, qualquer
mudança no volume de um dos componentes (sangue, liquor ou tecido
encefálico) levaria à alteração no volume em um dos outros, de modo que o
volume total permanecesse constante.
Mascarenhas e seus colaboradores repetiram os experimentos com o
balão e o crânio humano e demonstraram que a doutrina Monro-Kellie
precisava ser revista. O sensor montado com o extensômetro não só
detectou uma sutil dilatação do crânio (da ordem de micrômetros),
proporcional ao aumento da pressão interna, como também registrou sua
retração, também linear. “Mostramos que o material não tinha uma memória
da deformação, o que impediria o uso do extensômetro no sensor para
monitorar a pressão intracraniana”, contou Mascarenhas durante uma longa
conversa na manhã de 15 de maio na sede do Instituto de Estudos
Avançados (IEA), que criou e dirige na USP de São Carlos.
Foram necessários quase quatro anos de tentativas até que uma revista
científica aceitasse publicar os resultados. “Vários editores diziam
que o trabalho era bom, mas desafiava um paradigma antigo e muito sólido
da medicina”, contou Gustavo Vilela, coautor do artigo publicado em
2012 na Acta Neurochirurgica, durante a entrevista na sede do IEA.
Ao mesmo tempo que trabalhavam para aprimorar o sensor, Mascarenhas e
Vilela se dedicavam a desenvolver um monitor portátil, para ser usado
também fora das salas de cirurgia e UTIs. A versão atual do monitor – a
terceira já produzida – traz todos os componentes eletrônicos
embarcados. Pesando menos de dois quilos, tem a aparência de uma maleta
com aproximadamente 30 centímetros de largura por 30 de altura e 15 de
profundidade. Sua bateria suporta cinco horas de funcionamento e seu
cartão de memória, que pode ser substituído, tem capacidade para
armazenar informações de dias de monitoramento. Em princípio, poderia
ser usado por médicos ou paramédicos em uma ambulância para avaliar a
pressão intracraniana de quem sofreu um acidente de trânsito antes de
chegar ao hospital.
Além de todo o hardware, a nova versão do monitor abriga um
programa que converte os sinais elétricos gerados pela pulsação do
crânio em dois gráficos: o apresentado em um quadro maior mostra a
evolução da pressão ao longo de um tempo que varia de cinco a 20
minutos, enquanto o segundo, que aparece em uma janela menor, permite
observar o formato (morfologia) da curva num intervalo de tempo de
poucos segundos. Esse gráfico é importante porque informa ao médico como
o cérebro está respondendo aos danos. Os pesquisadores estimam que o
equipamento todo (sensor e monitor), já com impostos, chegue ao mercado
por cerca de R$ 3.500, quase 15 vezes mais barato do que os aparelhos
usados nas formas invasivas de monitorar a pressão intracraniana.
“A versão anterior precisava ser conectada a um notebook e não
passaria nos testes de emissão de radiação do Inmetro [Instituto
Nacional de Metrologia]”, conta Vilela. Com cinco unidades já
produzidas, a versão mais nova do monitor está pronta para ser
encaminhada para análises de qualidade e segurança no Inmetro. Os
pesquisadores terão de aguardar a aprovação do instituto para em seguida
submeterem à análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), necessária para que o equipamento seja liberado para a
comercialização e o uso na prática clínica. Mesmo antes de passar por
esses testes, no entanto, o equipamento já pode ser usado como produto
para pesquisa.
“Nossa intenção é entrar no mercado universitário para ajudar a
formar uma massa crítica sobre o produto”, diz Vilela, um dos sócios de
Mascarenhas na Braincare, empresa criada em janeiro deste ano para ser a
fabricante legal do equipamento – a produção deve ficar a cargo de uma
empresa terceirizada, a Cluster Tech, também de São Carlos. “Queremos
dar o equipamento para as pessoas interessadas trabalharem e as deixar
descobrir coisas, porque não temos tempo nem dinheiro para fazer todos
os testes”, afirma Mascarenhas. “A Braincare não quer fabricar, quer ser
uma empresa que desenvolve ideias”, completa Vilela.
O desenvolvimento de uma tecnologia totalmente nacional na área de
saúde é algo demorado. Pode levar de 10 a 15 anos para cumprir todos os
procedimentos de análise de segurança e custo-efetividade. E também um
feito um tanto raro no país. “Em geral o desenvolvimento é incremental;
sempre fomos compradores de tecnologia, por isso o déficit na balança
comercial nessa área é negativo em cerca de R$ 10 bilhões”, conta Paulo
Henrique Antonino, coordenador-geral de equipamentos e materiais de uso
em saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do
Ministério da Saúde. “Se tudo o que o grupo de São Carlos está mostrando
até agora se confirmar, será uma revolução”, diz. “A expectativa é ter
um produto para ser usado nos pacientes em rede de urgência e emergência
pela praticidade.” Antonino acredita que, se essa tecnologia passar por
todos os estágios de aprovação e for incorporada à prática médica, ela
pode ganhar o mercado global.
Os avanços para transformar o protótipo em produto devem-se, em boa
parte, à interação dos pesquisadores da Braincare com os da Sapra
Landauer, empresa de equipamentos de proteção radiológica criada por
Mascarenhas em 1979 e dirigida por seus dois filhos, os físicos Paulo e
Yvone. “A colaboração da Sapra é ajudá-los a pôr o pé no chão”, disse
Yvone durante uma conversa em maio na sede da Sapra, um prédio de dois
andares a 10 minutos do campus da USP em São Carlos. “Na
universidade, a tendência é tentar melhorar sempre e não ir para o
mercado”, explica. Em sua opinião, para que se consiga melhorar um
produto é preciso ter algum retorno, até mesmo financeiro, do que já foi
feito. “O mercado fala de volta para você”, diz. “No caso desse
equipamento, esse é um mercado que ainda será criado e precisamos saber o
que o mercado vai querer.”
A possibilidade de monitorar a pressão intracraniana de forma não
invasiva é algo que se busca há tempos. “É o sonho de todo
neurocirurgião e neurologista”, afirma o neurocientista Esper
Cavalheiro, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que
acompanha de perto os resultados do grupo de São Carlos. Há várias
situações em que a elevação crônica da pressão intracraniana pode levar à
perda neuronal, lembra o pesquisador, especialista em epilepsia. “As
formas diretas de medir a pressão intracraniana são invasivas e as
indiretas, como os exames de imagem, são apenas indicativas e não
fornecem uma comprovação de que esse aumento de fato ocorre”, explica.
“Seria de grande ajuda para quem trabalha com pacientes refratários ao
tratamento para epilepsia, que apresentam aumento da pressão
intracraniana, em especial aqueles cuja doença de base é a
neurocisticercose.”
Outro grupo que pode se beneficiar de uma forma não invasiva de
monitoramento é o das crianças com hidrocefalia, o acúmulo de liquor nas
câmaras (ventrículos) cerebrais, que nos bebês causa, entre outras
coisas, a deformação do crânio. “Há vários casos em que há dúvida se a
válvula implantada para reduzir a pressão na hidrocefalia está
funcionando bem”, afirma o neurocirurgião pediátrico Sergio Cavalheiro,
também da Unifesp. Antes que o equipamento do grupo de São Carlos seja
liberado para uso na clínica, lembra o neurocirurgião, é preciso
demonstrar que os efeitos medidos são decorrentes mesmo da dilatação do
crânio, e não da distensão da pele. “Se a medição sobre a pele permitir o
monitoramento fiel da pressão intracraniana, será fantástico”, afirma.
O médico uruguaio Felix Rígoli, coordenador da área de tecnologia e
inovação em saúde da Organização Pan-americana da Saúde (Opas) no
Brasil, que também apoia a execução do projeto, vê nessa nova tecnologia
a oportunidade de se abrir uma janela para o desconhecido. “Se for
possível medir a pressão intracraniana de modo não invasivo, poderemos
fazer o monitoramento continuado e tentar descobrir o que ocorre em
problemas como Alzheimer e até enxaqueca”, diz. Nesses casos, haveria
questionamento ético da necessidade de realizar um procedimento
cirúrgico para medir a pressão intracraniana. Para Rígoli, a forma não
invasiva de monitorar também permitiria conhecer os níveis normais da
pressão intracraniana nas pessoas saudáveis, algo que ainda se
desconhece. “Pode acontecer o mesmo que ocorreu com a pressão arterial
dois séculos atrás, quando, ao se conseguir uma forma de medir a pressão
fora do corpo, criou-se toda uma linha de possíveis aplicações,
inclusive na prevenção de doenças.”
Com cinco exemplares da nova versão do equipamento funcionando, os
pesquisadores de São Carlos e Ribeirão Preto agora trabalham para
coletar dados em pacientes e tentar demonstrar que o monitoramento não
invasivo e a técnica invasiva medem o mesmo fenômeno. Em abril deste ano
Gustavo Vilela e o engenheiro Rodrigo Andrade passaram um mês na cidade
do Porto, onde usaram o novo equipamento para monitorar a pressão
intracraniana de oito pacientes e comparar suas medições com os dados
obtidos pela técnica invasiva. As 850 horas de registro estão agora sob a
análise de Brenno Cabella, em Ribeirão. Os resultados preliminares,
apresentados em um congresso internacional realizado em Cingapura em
novembro de 2013, sugerem que as duas estratégias medem a mesma coisa.
“Em alguns casos, a correlação foi altíssima”, conta Cabella. Mas ainda
são precisos muito mais casos, talvez algumas centenas, para que a
reprodutibilidade das medições seja avaliada.
“Nessa fase, a investigação está na transição entre o
refinamento técnico e a investigação animal para a fase clínica de
avaliação com doentes”, conta Celeste Dias, coordenadora da unidade de
cuidados neurocríticos do Hospital de São João, na cidade do Porto.
“Aqui começa minha maior contribuição: colaborar na investigação
clínica”, diz a médica intensivista. Ela conheceu o trabalho dos
pesquisadores de São Carlos em 2010 em um congresso internacional e os
colocou em contato com a equipe de Marek Czosnyka, da Universidade de
Cambridge, na Inglaterra, renomado especialista em análise da pressão
intracraniana com quem Celeste Dias já colaborava. Em outubro Danilo
Cardim vai para Cambridge, onde fará doutorado no grupo de Czosnyka. O
biólogo brasileiro, que em seu mestrado avaliou a variação da pressão
intracraniana em ratos epilépticos, levará na bagagem dois exemplares do
equipamento não invasivo para fazer o monitoramento da pressão
intracraniana em pessoas que sofreram acidente vascular cerebral ou
trauma e confrontar com os registros da técnica invasiva.
Além do trauma, do acidente vascular cerebral e da hidrocefalia,
problemas que sabidamente exigem a averiguação da pressão intracraniana,
os pesquisadores pretendem ampliar a verificação desse parâmetro para
outros problemas de saúde nos quais nada se sabe sobre o comportamento
da pressão intracraniana, como a pré-eclâmpsia.
Em São Carlos e Ribeirão Preto, a expectativa de Cavalli, Duarte e a
equipe de Mascarenhas é de que o monitoramento não invasivo forneça
algum sinal que sirva de indicador precoce do risco de desenvolver
pré-eclâmpsia. Hoje estão disponíveis no mercado testes que medem o
nível de dois compostos do sangue. Mas eles só permitem saber se a
mulher desenvolverá essa forma de hipertensão típica da gestação no
máximo três semanas antes de a pressão sanguínea começar a subir e
surgirem sintomas como dores de cabeça, tontura e confusão mental. “Há
uma grande dificuldade de encontrar um preditor que funcione bem e mais
precocemente”, conta Cavalli, que retornou em março de um estágio na
Universidade Harvard, onde investigou a eficácia desses marcadores
sanguíneos. “Queremos encontrar um indicador que permita saber já no
início da gestação quem tem maior risco de desenvolver o problema”, diz.
No início de maio Cavalli realizou um estudo-piloto com voluntárias
para avaliar a aplicabilidade do sensor não invasivo. Em apenas uma
tarde, os pesquisadores monitoraram a pressão intracraniana de oito
gestantes. “Vimos que é muito simples e rápido”, diz.
“Se conseguirmos antecipar o diagnóstico, podemos triar as pacientes
com risco de desenvolver pré-eclâmpsia e também acompanhar a evolução do
tratamento”, afirma Duarte, que planeja para breve um teste clínico com
o monitor não invasivo para acompanhar a evolução da pressão
intracraniana de gestantes ao longo da gravidez e comparar com os
marcadores sanguíneos disponíveis.
Embora não haja dados na literatura científica associando a
pré-eclâmpsia a alterações na pressão intracraniana, Duarte conta que há
indícios de que isso possa ocorrer. “Pode ser que não encontremos nada,
mas pode ser que se consiga algo que ninguém ainda obteve”, diz Duarte.
“Se der certo, talvez seja possível ajudar a reduzir a taxa de
mortalidade perinatal e materna.”
Projetos
1. Desenvolvimento de um equipamento para monitoramento minimamente invasivo da pressão intracraniana (
nº 08/53436-2);
Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe);
Pesquisador responsável Sérgio Mascarenhas Oliveira (Sapra/S.A.);
Investimento R$ 221.430,90 (FAPESP).
2. Registro e comercialização de um equipamento para monitoramento minimamente invasivo da pressão intracraniana (
nº 11/51080-9);
Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe);
Pesquisador responsável Sérgio Mascarenhas Oliveira (Sapra/S.A.);
Investimento R$ 165.647,77 (FAPESP).
3. Desenvolvimento de sensor não invasivo, hardware e software para
monitoramento de pressão intracraniana em pacientes com hidrocefalia e
acidente vascular cerebral (
nº 12/50129-7);
Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe);
Pesquisador responsável Gustavo Henrique Frigieri Vilela (Sapra/S.A.);
Investimento R$ 219.948,02 (FAPESP).
Fonte: Revista Fapesp on line
Por: RICARDO ZORZETTO |
Edição 221 - 2014
de São Carlos e Ribeirão Preto, SP