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sábado, 16 de fevereiro de 2013

Dispositivo garante visão parcial a cegos

A FDA (Food and Drug Administration, agência reguladora de alimentos e medicamentos nos EUA) aprovou na quinta-feira o primeiro tratamento para proporcionar visão limitada a cegos, envolvendo uma tecnologia conhecida como retina artificial.

Com o dispositivo, pessoas que apresentam um tipo determinado de deficiência visual grave conseguem detectar faixas de pedestres nas ruas, a presença de pessoas ou carros e, em alguns casos, até mesmo números ou letras grandes. A aprovação do sistema é um marco numa nova fronteira das pesquisas com visão, um campo em que cientistas vêm alcançando avanços grandes com terapia genética, optogenética, células-tronco e outras estratégias.

"Isto é apenas o começo", disse Grace Shen, diretora do programa de doenças retínicas no National Eye Institute (instituto nacional dos olhos), que ajudou a financiar a pesquisa com retinas artificiais e está dando suporte a muitos outros projetos de terapias para deficiência visual grave. "Temos muitas novidades emocionantes quase prontas para sair."

A retina artificial é uma folha de eletrodos implantada no olho. O paciente também recebe óculos com câmera e processador de vídeo portátil acoplados. Conhecido como Argus II, o sistema permite que sinais visuais passem ao largo da parte danificada da retina e sejam transmitidos ao cérebro.

Com a retina artificial, ou prótese retínica, um cego não consegue enxergar no sentido convencional do termo, mas pode identificar os contornos e limites dos objetos, especialmente quando há contraste entre luz e sombra --por exemplo, fogos de artifício contra um céu noturno ou meias brancas misturadas com pretas.

"Sem o sistema, eu não poderia enxergar nada. Se você estivesse diante de mim e se movesse para a esquerda ou para a direita, eu não saberia", comentou o encanador aposentado Elias Konstantopoulos, 74 anos, de Baltimore, um dos 50 americanos e europeus que vêm usando o dispositivo em testes clínicos. Ele disse que o aparelho lhe permite diferenciar o meio-fio da rua e detectar os contornos de objetos e pessoas. "Quando você não tem nada, isso é alguma coisa. É muita coisa."

A FDA aprovou o Argus II, fabricado pela Second Sight Medical Products, para o tratamento de pessoas com retinite pigmentosa grave, na qual as células fotorreceptoras, que recebem a luz, se deterioram.

A câmera ocular capta imagens que o videoprocessador traduz em desenhos pixelados de luz e sombra, transmitindo-os aos eletrodos. Estes, por sua vez, os enviam ao cérebro.

"As questões que este dispositivo colocou para a FDA foram muito novas", comentou a Dra. Malvina Eydelman, diretora da Divisão de Dispositivos Oftalmológicos e de Otorrinolaringológicos da FDA. "Trata-se de um grande avanço para todo o campo da oftalmologia."

Cerca de 100 mil americanos sofrem de retinite pigmentosa, mas num primeiro momento entre 10 mil e 15 mil poderão ser beneficiados com o Argus II, segundo a empresa. Para isso, as pessoas precisam ter mais de 25 anos, terem tido vista útil anterior e terem deficiência visual tão grave que o dispositivo representaria uma melhora para elas.

Mas especialistas disseram que a tecnologia é promissora para outros cegos também, especialmente os que apresentam degeneração macular avançada e relacionada à idade --a maior causa de perda de visão entre pessoas mais velhas, que afeta cerca de 2 milhões de americanos. Cerca de 50 mil pessoas teriam deficiência visual suficientemente grave para que o dispositivo as ajudasse, disse o Dr. Robert Greenberg, executivo-chefe da Second Sight.

Na Europa, o Argus II foi aprovado em 2011 para o tratamento de cegueira grave decorrente de qualquer tipo de degeneração retínica externa, mas até agora está sendo vendido para retinite pigmentosa. Nos Estados Unidos serão necessários testes adicionais para que essa aprovação seja conseguida.

Com o tempo, disse Greenberg, a empresa pensa em implantar eletrodos diretamente no córtex cerebral, "para podermos tratar cegueira de qualquer origem".

Num primeiro momento o Argus II será disponibilizado em sete hospitais de Nova York, Califórnia, Texas, Maryland e Pensilvânia. O dispositivo vai custar cerca de US$150 mil, valor que não inclui a cirurgia e o treinamento. A Second Sight disse estar otimista quanto às chances de o seguro-saúde cobrir o custo do sistema.

O Argus II foi desenvolvido ao longo de 20 anos pelo oftalmologista e engenheiro biomédico Mark S. Humayun, da universidade de Southern California. Parte do financiamento veio de fontes privadas e do Fundação Nacional dos Olhos, a Fundação Nacional de Ciência e o Departamento de Energia, todos organismos federais.

Humayun disse que enxerga a possibilidade de aplicar a tecnologia a outras condições além da deficiência visual, implantando eletrodos em outras partes do corpo para tratar problemas de controle da bexiga, por exemplo, ou de paralisia da espinha. "Não visualizamos o corpo humano como uma grade elétrica, mas ele funciona com impulsos elétricos", ele explicou.

O Argus II foi aprovado sob um programa especial da FDA que o descreveu como "dispositivo de uso humanitário", descrição que, segundo Eydelman, se aplica a terapias que serão usadas para menos de 4.000 pessoas por ano. O Argus II é apenas a 57º isenção concedida pela agência para aparelhos humanitários. As empresas que buscam a aprovação de dispositivos humanitários podem conduzir provas clínicas muito menores --a Second Sight apresentou dados relativos a apenas 30 pacientes-- e só precisam apresentar provas da segurança de uso e do "benefício provável" de uso do aparelho, não provas de sua eficácia, disse Eydelman.

A FDA colaborou com a Second Sight para desenvolver maneiras de medir os benefícios, incluindo tarefas como caminhar por uma calçada sem sair dela e juntar meias brancas, cinzas e pretas com seus pares.

Dos 30 pacientes que participaram dos testes clínicos do dispositivo, 11 apresentaram um total de 23 efeitos negativos, disse o FDA, incluindo descolamento da retina e erosão da esclera.

Eydelman disse que a empresa "tomou medidas substanciais" para resolver os problemas de segurança de uso, fazendo "muitas modificações no dispositivo". De acordo com Greenberg, apenas duas pessoas precisaram ter o implante removido. Em setembro passado, um grupo de assessoria do FDA votou por unanimidade pela aprovação do aparelho, concluindo que seus benefícios superam os riscos.

Alguns pacientes apresentam mais melhoras que outros, por motivos que a empresa ainda não pôde determinar. Kathy Blake, de Fountain Valley, Califórnia, contou que vem tendo êxito com um exercício da Second Sight para verificar se os pacientes conseguem identificar números ou letras grandes sobre uma tela de computador.

O advogado Dean Lloyd, de Palo Alto, Califórnia, contou que num primeiro momento se perguntou "será que vale a pena gastar todo esse tempo e dinheiro? Pensei que não, inicialmente." No início apenas nove dos 60 eletrodos estavam funcionando, mas com o tempo seu implante foi ajustado de modo que mais eletrodos reagiram, e hoje 52 deles funcionam. Lloyd consegue enxergar clarões de cor, algo que nem todos os pacientes conseguem; ele usa os óculos e o videoprocessador constantemente.

"Se não estou usando, é como se eu estivesse sem calças", ele explicou. "Já cheguei a adormecer com esta coisa."

Stephen Rose, diretor de pesquisas da Fundação para o Combate à Cegueira, que apoiou os trabalhos muito iniciais de Humayun mas não os financiou desde então, disse que, com o tempo, a retina artificial será apenas uma das opções para ajudar os deficientes visuais.

"Acho que as possibilidades são tremendas", ele comentou. "Não estou minimizando a importância da prótese retínica, não me entenda mal. Ela é importantíssima para algumas pessoas e já existe."

Barbara Campbell, 59 anos, aprecia o fato de o aparelho ajudá-la a andar pelas ruas de Manhattan, localizar o ponto de ônibus e enxergar a lâmpada na entrada de seu edifício quando está andando de táxi. Mas o mais emocionante é que ele a ajuda a apreciar museus, teatro e concertos.

Num show de Rod Stewart, ela contou, "consegui enxergar o cabelo dele", loiro quase branco sob os holofotes. Num concerto de Diana Ross, apesar de Campbell estar sentada longe do palco, a cantora "estava usando uma roupa brilhante, e eu consegui enxergá-la".

Mas ela não teve a mesma sorte num show de James Taylor. A roupa discreta dele não gerou contraste que a retina artificial conseguisse registrar. Uma pena: "Ele não brilhou tanto", disse Campbell.
 
Fonte: Folha de São Paulo on line do “NEW YORK TIMES”
Por: PAM BELLUCK
Tradução: CLARA ALLAIN
 

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