Colaboradores

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Vaga para estágio - Biomedicina

"Estamos contratando 1 estagiário (a) para trabalhar na área de Assessoria Científica com ênfase comercial (interno a princípio) para alunos do segundo e/ou terceiro ano.

Contratação dentro dos requisitos legais das leis trabalhistas.
Encaminhar email para  Dr. Ramom  - peres@bioteq.com.br"

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Um vilão de muitas caras

Combater a dengue agora e nos próximos anos requer a combinação de estratégias estabelecidas e inovadoras

© LÉO RAMOS
Larvas de Aedes aegypti se desenvolvem no laboratório para formação de linhagem transgênica
Larvas de Aedes aegypti se desenvolvem no laboratório para formação de linhagem transgênica
Não foi a praia que atraiu o virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), e o doutorando Julian Villabona-Arenas ao Guarujá, no litoral sul de São Paulo, no verão de 2012-2013. Eles estavam acompanhando os casos de dengue no município, selecionado pela proximidade com a metrópole paulistana, e analisando a genética dos vírus para reconstruir a malha de transmissão entre pessoas. As análises mostraram que dois bairros, Pae Cará e Enseada, eram os focos principais da doença, que deles se espalhava para outros pontos da cidade. O trabalho dos pesquisadores chamou a atenção de uma funcionária do departamento de vigilância sanitária local, que percebeu a preciosidade de saber onde estavam os casos com vírus ativos e convocou uma unidade de fumigação – o chamado “fumacê” – para matar mosquitos nesses locais. “Foram na cabeça do dragão e deram o tiro”, diz Zanotto. Depois disso, os mapas mostram uma situação mais fácil de controlar, com casos isolados. “É isso que precisa ser feito em todos os municípios”, preconiza, ao mesmo tempo que ressalta a necessidade de combinar vacinas a diferentes formas de controle do mosquito transmissor da doença.
O trabalho do grupo de Zanotto vem apontando caminhos para o combate à dengue e sublinhando o risco crescente das epidemias. Um motivo de alerta é a presença dos quatro sorotipos do vírus que eles observaram em Guarujá naquele verão, como mostra artigo de 2014 na PLoS Neglected Tropical Diseases. Provavelmente tem impacto a proximidade do porto de Santos, onde mosquitos e vírus desembarcam como passageiros clandestinos. Em Jundiaí, muito próxima à Região Metropolitana de São Paulo, os pesquisadores encontraram apenas os sorotipos 1 e 4, mas isso não chega a ser um alívio. Em conjunto, os dois municípios já revelavam que a capital paulista está sujeita a múltiplos vírus, criando uma situação conhecida como hiperendemicidade, que aumenta o risco de uma pessoa ser infectada várias vezes, com maior risco de casos do tipo hemorrágico. “A presença dos quatro sorotipos em um surto numa das áreas mais densamente povoadas no Brasil é um achado perturbador”, afirma Villabona-Arenas. “Essa cocirculação só havia sido documentada em países do sudoeste da Ásia há décadas e mais recentemente na Índia, sempre associada à maior gravidade de doença entre crianças.”
De fato, os números mais recentes não permitem relaxar, embora o medo imediato do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença, comece a ficar em segundo plano com a chegada do frio e da seca, que não favorecem o desenvolvimento das larvas. A região Sudeste foi palco de 66% dos quase 746 mil casos registrados pelo Ministério da Saúde no país inteiro desde o início de 2015 até 18 de abril. É menos do que foi registrado em 2013, mas bem mais do que em 2014. Nesse total há uma gradação de gravidade – há quem mal sinta sintomas, outros têm febre alta e persistente e passam longos dias prostrados com fortes dores no corpo e náuseas que tornam impossível seguir a prescrição médica de tomar muito líquido. Nesse período, foram confirmados 414 casos graves e 5.771 com sinais de alarme, as categorias que exigem atenção médica. Bem mais do que no ano anterior, com uma alta proporção no estado de São Paulo. Entre os fatores de gravidade estão danos ao fígado e uma queda alarmante na concentração de plaquetas no sangue, que pode transformar qualquer lesão microscópica em uma hemorragia.
Para Zanotto, os números e a situação de hiperendemicidade indicam uma progressão alarmante da doença. “A dengue está apenas começando no Brasil”, avalia, com base num gráfico do número de casos desde 1995, que prevê uma escalada abrupta a partir de agora. Significa, em sua opinião, que os esforços contra as epidemias devem se tornar mais eficazes. “Deveríamos fazer como o corpo de bombeiros, que age em focos de incêndio, visando contê-los antes que se espalhem e escapem do controle.”
Os estudos de Zanotto em municípios paulistas como Guarujá, Jundiaí e São José do Rio Preto localizam focos de dengue em áreas com indicadores socioeconômicos mais baixos. Mas concentrar esforços nas favelas não basta, conforme mostra estudo do biólogo Ricardo Vieira Araujo, hoje funcionário da Coordenação de Mudanças Globais do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), publicado este ano na revista Brazilian Journal of Infectious Diseases. Em São Paulo, ele mostrou que em partes da cidade com temperatura superficial do solo significativamente mais alta, onde há baixa umidade, pouca cobertura vegetal e altos níveis de impermeabilização do solo – as ilhas de calor – há maior incidência de dengue.

Entre 2009 e 2013, Araujo trabalhava na Coordenação de Vigilância em Saúde de São Paulo, no monitoramento de doenças transmitidas por vetores e zoonoses na cidade. “Eu me perguntava por que uma favela na zona sul registrava tantos casos, enquanto em outra comunidade na zona norte, por exemplo, com características semelhantes, os números eram muito menores”, explica. Nesse mesmo período, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente concluiu um mapeamento de temperatura superficial do solo que apontava as ilhas de calor na capital. “Mas muitos dos pesquisadores ponderavam que as próprias ilhas estariam em regiões com indicadores socioeconômicos mais baixos, com uma densidade populacional maior. Então talvez a causa não estivesse nas temperaturas, mas nas condições sociais e demográficas.”
Para distinguir entre os fatores, foi necessário lançar mão de uma série de informações. O censo de 2010 do IBGE permitiu calcular a população, a densidade populacional, a renda média e o modo predominante de ocupação urbana nos 96 distritos administrativos de São Paulo. Os dados também indicavam onde estavam favelas, ocupações e cortiços. Com imagens de satélite foi possível analisar a cobertura vegetal, assim como criar um mapa com as temperaturas médias de superfície de toda a cidade. Os registros de casos autóctones de dengue vieram da Coordenação de Vigilância em Saúde, que entre 2010 e 2011 registrou cerca de 7.400 casos.
A integração das informações mostrou que 93% dos casos ocorreram onde a temperatura superficial média passava dos 28 graus Celsius (°C). Nas regiões com maior cobertura vegetal o número de casos por 100 mil habitantes era de apenas 3,2, diante de 72,3 nas menos arborizadas. Somando tudo, o tipo de ocupação parece influenciar menos a incidência de dengue do que a temperatura, no período analisado.
© LÉO RAMOS
O brilho verde na cabeça e na cauda das larvas é o marcador que indica os insetos geneticamente modificados
O brilho verde na cabeça e na cauda das larvas é o marcador que indica os insetos geneticamente modificados
O estudo foi mais a fundo e incluiu também um experimento em laboratório com duas linhagens de A. aegypti: uma usada rotineiramente pelos pesquisadores e outra obtida de ovos colhidos nocampus da USP. Ficou clara a influência da temperatura: quando alcança os 32°C, mais de 90% das larvas do inseto já viraram adultas.
O pesquisador alerta que os mapas das ilhas de calor não são estáticos e seria necessária uma atualização constante dos dados. Mesmo assim, ele considera importante que os profissionais de saúde e de infraestrutura urbana atuem de forma integrada. “Aumentar as áreas verdes é uma possibilidade. Mas vale lembrar outras alternativas, como as adotadas em vilarejos do litoral do mar Mediterrâneo, onde as casas são pintadas de branco como forma de amenizar o calor. Precisamos usar os recursos que temos para combater a dengue de forma estratégica e integrada”, pondera.
Vírus alado
Um dos recursos existentes para o combate ao mosquito é o uso de inseticidas, como no caso do Guarujá. O problema é que, por ser a estratégia mais utilizada, o A. aegyptidesenvolveu resistência aos inseticidas mais comuns, à base de piretroides, assim como não se espantam com a maior parte dos repelentes e continuam a rondar, com seu voo nervoso, as vítimas lambuzadas. Durante o doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, a bióloga Maria de Lourdes Macoris monitorou uma série de populações de mosquitos no interior paulista e verificou que, mesmo após 15 anos sem piretroides, a resistência se manteve. “O uso de inseticidas selecionou as populações resistentes”, explica o biólogo Paulo Ribolla, orientador do trabalho. “Algumas prefeituras já estão usando outros produtos, com maior sucesso.” Em seu laboratório, ele agora está implementando tecnologia para produzir mosquitos mutantes e investigar quais são os genes responsáveis pela resistência.

Na corrida evolutiva com os mosquitos, é necessário buscar novos inseticidas que sejam eficazes e atuem de modo abrangente nos criadouros. Esse objetivo move desde 2007 o grupo de pesquisa coordenado pelo engenheiro químico Eduardo José de Arruda, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em Mato Grosso do Sul. “Fizemos um levantamento com o Aedes e com o pernilongo Culex quinquefasciatus, e constatamos que os insetos já apresentam resistência a algumas classes de inseticida”, diz Arruda. “Pode-se até matar todos os adultos de uma geração. Mas os ovos deixados nos criadouros, apesar da perda de viabilidade, poderão eclodir e repor a população em questão de meses.”
© LÉO RAMOS
Depois de alinhados, os ovos recebem injeções que induzem modificações genéticas
Depois de alinhados…
“As classes de inseticidas para as quais há resistência não deveriam mais ser usadas no controle”, diz Arruda, que ressalta os custos econômicos e ambientais da quantidade crescente necessária. O grupo coordenado por ele busca, junto com parceiros de outras universidades, a síntese e caracterização de compostos multifuncionais, que impedem a eclosão dos ovos e matam as larvas. Também destroem as bactérias, fungos e protozoários que constituem a dieta dos mosquitos, e podem interferir na comunicação química que atrai as fêmeas aos criadouros onde depositam os ovos. A ideia é encontrar estratégias para o controle de duas ou três gerações do inseto ao mesmo tempo e quebrar a sua dinâmica reprodutiva.
Por serem mais abrangentes os compostos multifuncionais exigem cuidados. Durante o mestrado na UFGD, Taline Catelan analisou os efeitos de quatro inseticidas fenólicos sobre ovos de Aedes e em Artemia salina, um pequeno crustáceo que vive na água. “AArtemia serve como um indicador dos eventuais danos aos mananciais”, diz Arruda. O estudo, publicado este ano na Advances in Infectious Diseases, mostrou que um dos compostos impediu completamente a eclosão dos ovos do mosquito, mas afetou as populações de Artemia.
Ainda mais promissores são os resultados dos estudos com metalo-inseticidas, que contêm cobre ou ferro. Os compostos desencadeiam uma reação de estresse oxidativo que pode causar danos letais nas células e nos tecidos. “É como se usássemos um cavalo de Troia para levar o composto para o interior das células, e o metabolismo ativo do inseto produzisse in situ o inseticida”, diz Arruda.
Dormindo com o inimigo
Com a eficácia incerta dos inseticidas, é necessário buscar outras armas. O laboratório da bioquímica Margareth Capurro, do ICB-USP, concentra-se diretamente nos pequenos insetos de pernas listradas, de uma maneira inusitada: produzindo milhares e milhares deles para soltar no ambiente. “Virei uma consultora mundial em produção de mosquitos em massa”, conta a pesquisadora, que durante a elaboração desta reportagem viajou à China exatamente para isso. Numa fábrica localizada em Juazeiro, na Bahia, Margareth trabalhou com a Moscamed Brasil para implementar a produção de uma linhagem desenvolvida pela empresa britânica Oxford Insect Technologies (Oxitec). Esses mosquitos geneticamente alterados acumulam uma proteína que faz as células das larvas entrarem em colapso, de maneira que não chegam à fase adulta (ver Pesquisa FAPESP nº 180). No ano passado, sua equipe publicou no Journal of Visualized Experiments um vídeo mostrando como é a produção, inclusive a laboriosa separação de pupas masculinas e femininas por tamanho (as fêmeas são maiores).

© LÉO RAMOS
Depois de alinhados, os ovos recebem injeções que induzem modificações genéticas
… os ovos recebem injeções que induzem modificações genéticas
A separação é necessária porque apenas os machos, que não picam e não carregam o vírus, são liberados na natureza para cruzar com as fêmeas selvagens, produzindo a descendência modificada e inviável. Para conseguir essa produção, toda a infraestrutura e logística foi cedida pela Moscamed. A empresa também fechou parcerias com o Ministério da Saúde e a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, que têm contribuído para financiar a iniciativa. No início, a equipe tinha até jornalista para ajudar na comunicação com a população local. “Não podíamos chegar na cidade soltando mosquitos”, diz Margareth. “Entramos na casa das pessoas para conversar e explicar o projeto; usamos rádio, televisão, comunicação local.”
Mas não é porque a produção existe que a pesquisa termina. Os mosquitos da Oxitec continuam a ser testados em laboratório para ver como o vírus da dengue se comporta no hospedeiro. Com esse conhecimento, é preciso sempre voltar a campo, num processo constante. “No potinho tudo funciona, mas no ambiente o mosquito alterado voa tanto quanto o selvagem?”, questiona a pesquisadora. Voa, ela já observou. Outro problema é produzir machos compatíveis com a população feminina do sertão baiano. No laboratório eles crescem demais, como qualquer animal alimentado à vontade sem necessidade de esforço. Foi preciso encontrar o número de larvas que devem se desenvolver num determinado volume de água, e quanto alimento devem receber.
Os testes em Juazeiro, até 2013, e Jacobina, que começaram nesse mesmo ano, têm mostrado que o sistema funciona, apesar de alguns percalços. “A frequência de cópula é mais baixa, por isso temos que aumentar a quantidade de mosquitos.” A liberação deve ser constante, mas com ajustes semanais à população dos insetos. Com os transgênicos, a quantidade deles diminuiu na cidade toda. Mas Margareth alerta que é preciso manter os esforços na busca por criadouros.
A parceria com os agentes de saúde indicou a necessidade de melhorar o procedimento. “Eles encontram criadouros com larvas e não têm como saber se são viáveis”, diz a pesquisadora. O jeito foi investir em desenvolver machos estéreis no laboratório. Como a fêmea copula apenas uma vez na vida e armazena o líquido seminal, basta um encontro com macho estéril para não ser capaz de produzir prole. Mas essa linhagem transgênica ainda não está no ponto, com apenas entre 30% e 40% de esterilidade. É preciso mais tempo de cruzamentos controlados para se chegar ao produto final, segundo explica Margareth.
Outra manipulação genética em desenvolvimento visa impedir o nascimento de fêmeas, um processo chamado de reversão sexual que produz uma linhagem inteiramente masculina. Isso aumentaria a produtividade da fábrica, já que atualmente 50% das larvas são fêmeas e há uma perda no processo de separação das pupas. “Perdemos entre 15% e 25% dos machos”, relata a pesquisadora. Se os duplos transgênicos, estéreis e com reversão sexual, funcionarem, não é só a produtividade que melhorará. Atualmente é preciso transportar as larvas de machos em carros refrigerados até Jacobina. Se houver a certeza de que só se produzem machos, será possível enviar pelo correio folhas de papel com os ovos aderidos.

Os resultados são promissores, mas podem não ser suficientes. “Se eliminarmos o mosquito, a dengue acaba; se apenas reduzirmos a população, depois de uns anos a doença volta a atacar”, explica Margareth. É o que aconteceu em Cingapura no início da década passada. Com um número reduzido de mosquitos, a proporção de insetos infectados aumenta. Como a resistência humana também cai sem exposição ao vírus, o risco é de uma ressurgência forte da epidemia.
Por isso, Margareth e o doutorando Danilo Carvalho propõem um combate ao mosquito em duas fases, conforme explicam em artigo de 2014 na Acta Tropica. A ideia seria, depois de reduzir a população com machos estéreis, liberar uma segunda linhagem, atualmente em estudo no laboratório, portadora de uma mutação que permitiria ao mosquito reconhecer as células do próprio sistema digestivo, nas quais os vírus começam a se replicar, e destruí-las.
Batalha interna
Por mais que se combatam os mosquitos, a doença não será facilmente erradicada e requer a ajuda do sistema imunológico. A iminência de uma vacina tem sido alardeada, mas não deve estar disponível de imediato. A mais próxima é a produzida pelo laboratório francês Sanofi Pasteur, que aguarda aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para entrar no mercado brasileiro em 2016. Mas sua eficácia não convence o microbiologista Luís Carlos de Souza Ferreira, do ICB-USP. Ele explica que a base dessa vacina é do vírus da febre amarela. Apenas uma parte do genoma responsável pelas proteínas estruturais pertence ao vírus da dengue.

“Acreditava-se que fosse suficiente, porque é com base nessas proteínas que os anticorpos reconhecem o invasor”, explica. Mas seu grupo e outros têm mostrado que, no caso da dengue, quando os níveis desses anticorpos são baixos ou eles são pouco eficientes, os vírus remanescentes são conduzidos para as células onde se replicam. Destruir essas células é tarefa dos linfócitos T, e o alvo principal são outras proteínas do vírus – as não estruturais. “Nossas pesquisas têm mostrado que a resposta dos linfócitos T é importante na dengue”, conta. Segundo ele, isso não acontece na vacina produzida pela Sanofi Pasteur.
Uma das linhas de pesquisa de Ferreira busca justamente produzir uma vacina baseada numa dessas proteínas, a NS1. Famosa por ser o marcador que indica que uma pessoa cheia de dores no corpo está infectada com o vírus da dengue, a proteína tem se mostrado um bom alvo, como relata um artigo de revisão de 2014 na Virus Research. “Produzimos o NS1 em bactérias e purificamos para usar como componente da vacina”, conta Jaime Henrique Amorim, pesquisador de pós-doutorado e primeiro autor do artigo. “Conseguimos 50% de proteção nos testes em camundongos; é uma formulação promissora, embora ainda muito longe de se tornar um produto aplicável a seres humanos.”
Além dessa faceta mais aplicada, outra vertente dos estudos conduzidos no laboratório  busca entender o padrão da resposta imunológica. Esse enfoque pode avaliar e aconselhar o desenvolvimento de outras vacinas, e leva Ferreira e Amorim a considerar mais promissora a vacina que está em fase de testes clínicos no Instituto Butantan. “Estudos feitos nos Estados Unidos mostraram que essa vacina, baseada em formas atenuadas dos quatro tipos virais da dengue, provoca uma resposta parecida com a de pessoas que foram infectadas e conseguiram neutralizar o vírus”, explica Amorim.
Produzida no Brasil, a vacina foi desenvolvida nos Estados Unidos, nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH). “Neste momento estamos finalizando a fase 2 de estudo clínico”, conta o médico Alexander Precioso, diretor do Laboratório Especial de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan. Ele espera ter todos os resultados colhidos, analisados e divulgados ainda este mês.
De acordo com Precioso, 300 pessoas já foram testadas, mostrando que a vacina é segura. Esses resultados levaram o Butantan a enviar à Anvisa o pedido de autorização para o início da fase 3 antes mesmo de ter todos os dados coletados da etapa anterior. “Precisamos iniciar o quanto antes o recrutamento de voluntários para conseguir vacinar antes da próxima sazonalidade”, explica o médico. Se tudo correr bem, isso permitiria iniciar a aplicação da vacina assim que a fase 2 esteja concluída. Esse cronograma permitiria que a reação imunológica à vacina fosse posta à prova no próximo verão, estação em que acontecem os surtos de dengue em várias regiões do país. Depende de conseguirem recrutar os voluntários, que devem ser 17 mil pessoas em todo o país, das características do próximo surto e de como será a resposta dos imunizados. O plano do Butantan é solicitar o registro da vacina assim que os dados de eficácia forem demonstrados e manter o acompanhamento dos participantes por pelo menos cinco anos, para avaliar a durabilidade da resposta imunológica e definir a necessidade e frequência de reforços da vacina.
Parece haver um consenso: não há solução única, em termos de estratégia nem de geografia. Em cidades como o Rio e São Paulo, a maior incidência acontece no verão, em que há mais chuvas e a temperatura é elevada. Já no Nordeste é na seca que a doença atinge mais pessoas, quando a estiagem leva os moradores mais pobres a armazenar toda a água que puderem, dando origem a criadouros de A. aegypti. As autoridades sanitárias precisam, por isso, avaliar cada município para estabelecer as estratégias de combate.
De qualquer maneira, a ação precisa ser multifacetada, com vacinas e combate aos mosquitos de vários tipos. Paolo Zanotto defende que se recolham dados de forma redundante para maximizar a eficácia das intervenções, com ação do governo, das universidades e da iniciativa privada. A integração e disseminação de informação validada independentemente é o que pode permitir uma ação concertada para prevenir epidemias e dirigir a intervenção para economizar recursos. Se as situações de risco fossem bem conhecidas, não seria necessário, por exemplo, vacinar a população inteira, defende o virologista. “O que eu faço teria maior impacto se houvesse interação institucional efetiva. Está na hora de pensar diferente e agir de forma integrada: sem superposição há lacunas.”
Projetos
1. Avaliação e melhoramento de linhagens transgênicas de Aedes aegypti para controle de transmissão de dengue (nº 2013/19921-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Margareth Capurro Guimarães (ICB-USP);Investimento R$ 310.817,00 (FAPESP).
2. Dengue: produção de lotes experimentais de uma vacina tetravalente candidata contra dengue (nº 2008/50029-7); Modalidade Programa Pesquisa para o SUS;Pesquisador responsável Isaias Raw (Instituto Butantan); Investimento R$ 1.926.149,72 (FAPESP/CNPq-PPSUS).
3. Filogeografia do vírus da dengue nos municípios de Jundiaí e Guarujá no estado de São Paulo (nº 2010/19059-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular;Pesquisador responsável Paolo Marinho de Andrade Zanotto (ICB-USP);Investimento R$ 229.608,82 (FAPESP).
4. Estratégias vacinais voltadas para o controle da dengue baseadas em proteínas recombinantes e adjuvantes de natureza microbiana (nº 2011/51761-6); ModalidadeAuxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Luís Carlos de Souza Ferreira (ICB-USP); Investimento R$ 813.542,17 (FAPESP).

Artigos científicos
AMORIM, J. H. et al. The dengue virus non-structural 1 protein: Risks and benefits.Virus Research, v. 181, p. 53-60. 6 mar. 2014.
ARAUJO, R. V. et al. São Paulo urban heat islands have a higher incidence of dengue than other urban areas. The Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 19, n. 2, p. 146-55. mar-abr. 2015.
CATELAN, T. B. S. et al. Evaluation of toxicity of phenolic compounds using Aedes aegypti (Diptera: Culicidae) and Artemia salina. Advances in Infectious Diseases, v. 5, n. 1, p. 48-56. 28 fev. 2015.
CARVALHO, D. O. et al. Two step male release strategy using transgenic mosquito lines to control transmission of vector-borne diseases. Acta Tropica, v. 132 supl, p. S170-7. abr. 2014.
MACORIS, M. L. G. et al. Impact of insecticide resistance on the field control of Aedes aegypti in the State of São Paulo. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 47, n. 5, p. 573-8. set-out 2014.
VILLABONA-ARENAS, C. J. et al. Detection of four dengue serotypes suggests rise in hyperendemicity in urban centers of Brazil. PLoS Neglected Tropical Diseases. 27 fev. 2014.

Fonte: Revista Fapesp por Maria Guimarães e Pablo Nogueira ed. 232 - 2015

Órgãos sob medida

Células-tronco ajudam a produzir traqueias e vasos sanguíneos para transplante com menor risco de rejeição 

Imagine uma reforma de casa tão radical que inclua a remoção da pintura e do reboco das paredes, deixando desnudos os tijolos que formam a sua estrutura. Essa metáfora é útil para entender os projetos em andamento no Laboratório de Engenharia Celular (LEC) coordenado pela hematologista e hemoterapeuta Elenice Deffune na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu. Em vez de tinta e cimento, o trabalho dos pesquisadores envolve a remoção das células que recobrem estruturas ocas do corpo, como a traqueia e os vasos sanguíneos. Esse procedimento, conhecido como descelularização, é o primeiro passo de uma transformação mais ampla: a produção de órgãos e tecidos de reposição formados por células com as características genéticas do receptor.

Usando essa estratégia, o cirurgião vascular Matheus Bertanha está desenvolvendo no LEC uma possível alternativa terapêutica para os problemas circulatórios gerados pela aterosclerose. Na aterosclerose, placas de gordura e cálcio se acumulam no interior das paredes das artérias e obstruem, ainda que parcialmente, a passagem do sangue. Quando esse bloqueio é grave a ponto de causar sintomas, o tratamento envolve procedimentos cirúrgicos para restaurar a circulação. Nos casos mais radicais, implanta-se um segmento de artéria ou de veia retirado de outra parte do corpo do próprio indivíduo, criando um desvio – ou uma ponte – que restabelece o fluxo sanguíneo normal. É o que geralmente fazem os cirurgiões cardíacos ao implantar um segmento da veia safena, extraído da perna, no coração de quem tem as artérias coronárias obstruídas. Algo semelhante é feito pelos cirurgiões vasculares para tratar bloqueios em artérias das pernas.
Nem sempre, no entanto, é possível realizar esse procedimento. Segundo dados da literatura médica, 30% dos pacientes que necessitam de enxerto para a confecção de pontes coronarianas não possuem vasos com as características adequadas para essa função. Estima-se ainda, conta Bertanha, que uma em cada 10 pessoas com indicação para receber enxertos vasculares nos membros inferiores enfrente o mesmo problema. “Alguns possuem veias com menos de 2,5 milímetros de diâmetro, o que impede a sua utilização”, explica. “Outras pessoas já estão na segunda ponte e não têm mais vasos disponíveis”, diz. Nesses casos, uma saída é usar uma ponte artificial, feita de material sintético. Mas elas podem ter uma vida útil curta porque sofrem obstrução mais facilmente. Outra possibilidade é obter vasos de doadores vivos, o que nem sempre é viável por causa da incompatibilidade imunológica, que pode levar à rejeição do implante.
Bertanha trabalha numa alternativa, ainda experimental, para tentar superar a falta de vasos do próprio indivíduo e o risco de obstrução dos materiais sintéticos. Em testes com coelhos, ele primeiro extrai vasos naturais – mais especificamente veias – de um animal doador. Depois, o segmento a ser transplantado para outro animal passa por um banho químico com detergentes que eliminam as células das paredes do vaso. O objetivo desse processo de descelularização é evitar que o corpo do receptor desencadeie uma agressão contra o órgão implantado. O que sobra desse processo é uma estrutura tubular – um arcabouço – composta por fibras de colágeno, a proteína formadora dos tecidos de sustentação do corpo.
Em seguida, o pesquisador semeia no interior do vaso um tipo especial de célula retirada do corpo do receptor: as células-tronco mesenquimais. Extraídas do tecido adiposo do animal que vai receber o transplante, essas células são capazes de se converter em células típicas dos vasos sanguíneos. Elas são cultivadas em laboratório até atingirem a quantidade esperada – cerca de 100 mil células para o experimento em animais pequenos – e depois coladas no interior do tubo de colágeno com o auxílio de um gel. “A presença de células do próprio receptor no segmento a ser implantado reduz ao mínimo a necessidade de usar imunossupressores para evitar a rejeição”, explica Elenice Deffune, que orientou o trabalho de Bertanha durante o mestrado.
Em um experimento concluído recentemente, Bertanha comparou o desempenho de quatro tipos de implante. Os animais do primeiro grupo receberam um segmento de veia cava retirada diretamente de outro indivíduo, sem passar pela descelularização, enquanto nos do segundo foi implantada apenas a veia descelularizada. No terceiro grupo foi usado um segmento de veia que passou pelo processo de descelularização seguido do repovoamento com células-tronco de outro indivíduo. E, por fim, o quarto grupo recebeu um segmento de veia descelularizada contendo células-tronco mesenquimais do próprio receptor.
Rejeição e regeneração
Como esperado, no primeiro caso houve uma reação inflamatória exuberante e uma forte rejeição ao vaso transplantado, enquanto no segundo ocorreu apenas uma resposta inflamatória branda. O uso de um tubo de colágeno povoado com células-tronco de outro indivíduo não despertou uma rejeição imediata. As células se diferenciaram formando o endotélio, a camada que reveste o interior dos vasos sanguíneos, e pavimentaram boa parte do tubo. Um mês mais tarde, porém, surgiu uma inflamação expressiva.

Apenas os animais do quarto grupo não apresentaram rejeição, nem inflamação importante, mesmo um mês após a cirurgia e sem o uso de medicamentos imunossupressores. O que mais surpreendeu o pesquisador foi o comportamento das células-tronco implantadas. “Além de terem pavimentado mais de 50% do vaso, elas atraíram outras células-tronco existentes no organismo do receptor”, conta Bertanha. O resultado, inesperado, foi a formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese). “Em princípio, essa surpresa é boa porque a angiogênese pode ajudar o novo vaso a se integrar ao tecido adjacente”, diz o pesquisador. “Mas teremos de investigar se esse processo não é patogênico.” Bertanha planeja realizar mais testes em animais, ao mesmo tempo que começa a trabalhar com células-tronco humanas, já pensando em experimentos futuros.
Em paralelo ao trabalho de Bertanha, a biomédica Thaiane Cristine Evaristo, aluna de doutorado da cirurgiã Daniele Cataneo, usa os procedimentos de descelularização e recelularização para produzir no LEC traqueias a serem usadas em transplantes. Ela desenvolve um protocolo de descelularização distinto dos adotados por equipes no exterior – e potencialmente mais barato.
Em outros países, os pesquisadores costumam usar enzimas de origem animal ou obtidas por engenharia genética para eliminar da traqueia as células do doador. Apesar de eficaz, essa estratégia é cara. Pode-se gastar até € 80 mil para descelularizar uma única traqueia. Esse custo, sem contar o da cirurgia e o da internação, torna quase proibitivo o transplante de traqueia em seres humanos.
Buscando uma alternativa, Thaiane e Elenice decidiram submeter as traqueias extraídas de doadores a uma sequência de tratamentos químicos e físicos que produzissem um resultado semelhante ao obtido com as enzimas. Primeiro, removeram cirurgicamente a traqueia e a banharam em um potente detergente, que ajuda a desfazer a membrana das células. Em seguida, usaram uma prensa para comprimi-la suavemente, antes de fazê-la passar por alguns ciclos de congelamento e descongelamento e imersão em um líquido agitado por vibrações ultrassônicas. Por último, a traqueia passou um período exposta à luz emitida por diodos (LEDs).
Peças de retífica
As traqueias livres de células obtidas com essa técnica foram testadas em coelhos, com resultados promissores. Não houve rejeição ao transplante e os roedores sobreviveram por um período que, para humanos, equivale a 10 anos. Com base nesses resultados, Elenice propôs ao físico Vanderlei Bagnato, da Universidade de São Paulo em São Carlos, desenvolver um equipamento integrando todas as etapas da técnica. Recentemente eles depositaram um pedido de patente do aparelho, cujo protótipo se encontra em desenvolvimento.

Ao mesmo tempo que trabalha no equipamento, o grupo de Botucatu prepara a próxima fase de testes, com suínos, etapa necessária antes do início dos estudos com seres humanos. Além de analisar a eficácia das técnicas de descelularização e recelularização de traqueias, o grupo pretende nos próximos anos testar traqueias artificiais feitas a partir de uma nova tecnologia, a ser desenvolvida em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Instituto do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo, ambos na capital paulista, e o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, em Campinas.
A colaboração prevê que o LEC forneça ao IPT proteínas humanas para serem usadas na produção de um tecido nanoestruturado. No Centro Renato Archer, placas desse nanotecido deverão alimentar uma impressora 3D, que irá esculpir novas traqueias. Uma vez prontas, elas deverão ser remetidas ao LEC para a etapa de recelularização. “Queremos avaliar se essa opção se mostra tão boa quanto o uso das traqueias naturais”, diz Elenice. “Talvez o futuro dos transplantes esteja nesses novos materiais.”
No mundo todo existe uma demanda por traqueias para transplante. Elas são necessárias para substituir a traqueia de crianças que nascem com estreitamento nesse tubo que leva o ar do nariz aos pulmões – enfermidade conhecida como atresia congênita da traqueia, que atinge três crianças em cada 100 mil nascidas vivas – e também as de adultos que passam por longos períodos de internação respirando por meio de aparelhos. “No Hospital das Clínicas de São Paulo há uma fila de cerca de 300 pessoas à espera de um transplante de traqueia”, conta Elenice. “Em muitos casos, são adultos jovens que sofreram acidentes de trânsito.”
A literatura médica internacional traz relatos de aproximadamente 30 pessoas que receberam, de modo experimental, o implante de traqueia obtida por meio de engenharia celular. Mas ainda não se conhecem os resultados, que estão sob análise. “A engenharia celular pode fornecer uma esperança concreta para pacientes com lesões crônicas em órgãos de difícil abordagem terapêutica na atualidade”, diz Elenice. Em sua opinião, há motivos para investir na criação de traqueias e vasos sanguíneos artificiais, uma vez que é difícil obter essas estruturas naturais, que dependem de doadores de órgãos. “Às vezes, comparo nosso método a uma retífica de peças, que recupera as usadas e as deixa prontas para o transplante”, exemplifica Elenice. “Criar traqueias artificiais abriria a possibilidade de trabalharmos com peças novas em folha para o processo de recelularização.”
Referência em engenharia celular no Brasil, a bióloga Nance Nardi, da Universidade Luterana do Brasil, no Rio Grande do Sul, explica que a pesquisa nessa área começou com vasos e traqueias por causa da relativa simplicidade dessas estruturas. “Já há estudos com órgãos mais complexos, como o fígado, mas estão em estágios mais preliminares”, diz. Nance vê no crescente domínio do processo de descelularização uma das chaves para o progresso apresentado pelo LEC. “Remover as células de um arcabouço sem comprometer a sua integridade ainda é algo bem difícil”, avalia. “O trabalho deles tem conseguido boa repercussão, mas ainda deve levar algum tempo até que esses procedimentos se tornem cotidianos nas salas de cirurgia.”
Projeto
Estruturação ex-vivo de vasos sanguíneos a partir da diferenciação de células-tronco de coelhos (nº 2010/52549-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular;Pesquisadora responsável Elenice Deffune (Unesp); Investimento R$ 61.883,41 (FAPESP).

Artigos científicos
BERTANHA, M. et al. Morphofunctional characterization of decellularized vena cava as tissue engineering scaffolds. Experimental Cell Research. v. 326, n. 1, p. 103-11. 2014.

Fonte: Revista Fapesp por Pablo Nogueira jun/2015

Uma longa maturação

Imagens de ressonância magnética funcional começam a revelar os padrões de desenvolvimento das redes cerebrais e desvios que podem indicar futuros transtornos psiquiátricos

© EDUARDO CESAR
Eram 10h20 do domingo 17 de maio, quando Pedro, um adolescente magro e meio tímido, entrou em um equipamento de ressonância magnética no Instituto de Radiologia da Universidade de São Paulo (USP). Ele acabara de responder a uma longa sequência de perguntas sobre como andam suas emoções e seu comportamento em casa, na escola e com os amigos e passaria os 40 minutos seguintes deitado no interior do aparelho, que produziria quase 6 mil imagens de seu cérebro. Atualmente com 17 anos, Pedro integra um grupo de 2.512 crianças e adolescentes de São Paulo e Porto Alegre – cerca de 60% deles com alto risco de desenvolver transtornos psiquiátricos – que vêm sendo acompanhados desde 2009 por pesquisadores do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD). Esses garotos e garotas participam de um estudo pioneiro na América Latina que busca identificar as alterações na estrutura e no funcionamento do cérebro que caracterizam o seu amadurecimento saudável e as modificações que indicam o risco de desenvolver transtornos psiquiátricos.


Os resultados mais importantes dessa pesquisa começaram a ser apresentados nos últimos meses. Os dados psicológicos, bioquímicos e de neuroimagem coletados em 2009 e 2010, durante a primeira fase do projeto, sugerem que na transição da infância para a adolescência os sistemas cerebrais dos jovens saudáveis passam por transformações diferentes das que ocorrem no daqueles mais propensos a apresentar problemas psiquiátricos. Médicos e outros profissionais da área da saúde mental esperam que, uma vez conhecidas em detalhes, as alterações indicadoras de uma evolução indesejável possam ser usadas como marcadores de risco de transtornos mentais: sinais que surgem antes de o problema se manifestar. Caso se descubram marcadores eficientes, talvez seja possível intervir precocemente para proteger o cérebro e tentar evitar que a doença se instale.
“Queremos um dia poder identificar precocemente os indivíduos com risco elevado de apresentar transtornos mentais”, diz Euripedes Constantino Miguel, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da pesquisa. “Se tivermos parâmetros para isso, talvez se consiga planejar ações para trazer o cérebro de volta à sua trajetória normal de desenvolvimento.”
© EDUARDO CESAR
Exame de imagem realizado na USP
Exame de imagem realizado na USP
“Seria uma grande transformação na área da saúde mental”, afirma o psiquiatra Rodrigo Bressan, coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Neuroimagem e Cognição (LiNC) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenador de pesquisa do INPD e responsável pela parte de imagem e biomarcadores do projeto, do qual participam pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Hoje não é possível prevenir o surgimento dos transtornos mentais.  Na maioria dos casos, a psiquiatria entra em cena depois que a doença está estabelecida e os tratamentos se concentram em administrar medicamentos e psicoterapia para controlar os sintomas e reduzir os prejuízos que ela traz para o indivíduo.”
Por trás da busca de marcadores de risco, há o reconhecimento cada vez maior da natureza médica dos transtornos mentais. “As doenças psiquiátricas não são mais entendidas só como transtornos da mente ou distúrbios de comportamento”, explica Bressan, “são também doenças do cérebro, um órgão complexo e de grande plasticidade, que é altamente influenciada pelo ambiente, em especial pelas interações sociais”.
A proposta teórica mais aceita pela medicina e pela psicologia explica os transtornos mentais como resultado da interação entre as condições sociais, econômicas, psicológicas e culturais em que o indivíduo vive – são os chamados fatores ambientais – e sua propensão a desenvolver o problema, determinada por suas características genéticas. A evolução dos exames de imagem permitiu olhar o cérebro in vivo e associar alterações sutis em suas estruturas – um volume um pouco aumentado ou diminuído, ou ainda um padrão de ativação anormal de uma rede neuronal – a variações no comportamento. São alterações bem mais tênues do que as verificadas em doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer.
© EDUARDO CESAR
Participante do estudo passa por simulação antes de fazer ressonância
Participante do estudo passa por simulação antes de fazer ressonância
Em uma conferência TED realizada em 2013 na Califórnia, Thomas Insel, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, usou a infraestrutura de trânsito de uma cidade como metáfora do que ocorre no cérebro no primeiro e no segundo caso. As doenças neurodegenerativas causam perda de células e provocam lesões grandes, que corresponderiam à inundação de uma área da cidade ou até mesmo à queda de um viaduto. Já os transtornos mentais poderiam ser comparados a um desajuste na rede de semáforos. Ambos os problemas atrapalham o trânsito, mas o primeiro tipo costuma causar alterações permanentes, enquanto o segundo pode ser reajustado mais facilmente, se detectado cedo.
Ao mesmo tempo, estudos epidemiológicos começaram a encontrar indícios de que os problemas de saúde mental, além de serem crônicos, custosos e altamente incapacitantes, também começam cedo. Em 2005, o sociólogo Ronald Kessler, especialista em epidemiologia da saúde mental da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, publicou um estudo mostrando que 50% dos casos começam antes dos 14 anos de idade e 75% até os 24 anos. Somadas, essas evidências favorecem a ideia de que os transtornos psiquiátricos são decorrentes de problemas do neurodesenvolvimento. Situações repetidas de maus-tratos físicos e psicológicos e outros eventos estressantes vividos durante a infância e a adolescência interagiriam continuamente com genes que determinam a vulnerabilidade a problemas psiquiátricos, gerando alterações no funcionamento e na estrutura das redes cerebrais. “A partir de determinado ponto, as alterações acumuladas se tornariam suficientes para produzir os sintomas das doenças psiquiátricas”, explica Miguel.
No estudo com as crianças e os adolescentes de São Paulo e Porto Alegre, os pesquisadores estão comparando as trajetórias do desenvolvimento cerebral tidas como saudáveis (participantes sem sintomas psiquiátricos) com as que consideram desviantes (indivíduos com alguns sinais de transtornos mentais ou filhos de pais com doença psiquiátrica diagnosticada). Ao confrontar essas trajetórias, eles esperam encontrar padrões de maturação específicos que indiquem quem no futuro pode adoecer. Em paralelo, buscam identificar mudanças nos níveis de compostos encontrados no sangue e alterações emocionais e de comportamento que também possam estar associadas ao surgimento de transtornos psiquiátricos. No longo prazo, a expectativa é a obtenção de um conjunto de marcadores de risco confiáveis para a área de saúde mental, algo semelhante ao que os níveis de pressão arterial e as taxas sanguíneas de colesterol representam para as doenças cardíacas.
“A doença cardíaca não começa com a obstrução arterial e o infarto, mas muito antes”, lembra Bressan. “O mesmo acontece com as doenças psiquiátricas.” Por essa razão, psiquiatras e neurocientistas tentam descobrir algo que represente para os transtornos mentais o mesmo que o colesterol elevado significa para as doenças do coração. As redes neurais relacionadas aos sintomas psiquiátricos se organizam e reorganizam mais intensamente durante a infância e a adolescência e depois se consolidam, o que torna muito mais difícil alterá-las, mesmo com medicações ou terapias. “O objetivo, ao identificar mais cedo e até mesmo antes de se caracterizar como doença, é aumentar a eficiência dos tratamentos, que é limitada”, diz o psiquiatra Luis Augusto Rohde, professor da UFRGS e vice-coordenador do projeto. “Atualmente as medicações funcionam em apenas 60% dos casos”, conta.

Já existem fatores de risco mapeados para alguns transtornos mentais. Estudos internacionais que acompanham os participantes da infância à idade adulta mostraram, por exemplo, que abusos físicos e psicológicos sofridos nos primeiros anos de vida e o uso de drogas na adolescência estão associados a problemas psiquiátricos mais tarde. Ao conhecer em que ponto o desenvolvimento do cérebro começa a típico do caminho, talvez seja possível tentar intervir – alterando hábitos e outros fatores ambientais – para que ele retome a trajetória normal. “Ainda sabemos pouco como se dá o desenvolvimento das estruturas cerebrais”, diz Bressan.
“Estamos começando a aprender o que molda o desenvolvimento do cérebro com as grandes coortes [estudos que acompanham a saúde de uma população por longos períodos]”, conta o neurocientista Tomáš Paus, da Universidade de Toronto, Canadá, que 15 anos atrás iniciou um dos primeiros estudos de coorte em saúde mental no mundo. “Esse e outros grandes estudos longitudinais de coorte proporcionam uma oportunidade única de examinar a organização e o desenvolvimento do cérebro”, diz Julia Zehr, da Divisão de Trajetórias do Desenvolvimento de Doenças Psiquiátricas do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos. “Ainda não se conhece muito sobre o desenvolvimento cerebral, particularmente sobre os circuitos neurais em desenvolvimento, e sobre como as regiões influenciam umas às outras de maneira a moldar suas funções”, explica.

Na primeira fase do projeto brasileiro os pesquisadores submeteram 770 dos 2.512 participantes a exames de ressonância magnética que avaliaram a estrutura física do cérebro e mapearam o funcionamento de algumas redes cerebrais. Com esses dados em mãos, o estatístico e neurocientista João Ricardo Sato, do Centro de Matemática, Computação e Cognição da UFABC, começou a mapear como o cérebro saudável passa por mudanças ao longo da infância e da adolescência, concentrando-se na evolução de duas redes cerebrais: a rede de modo-padrão e a de controle cognitivo.
Opostas e complementares
Mais ativa quando se está em repouso, com a mente vagando, a rede de modo-padrão está associada à capacidade de uma pessoa se voltar para seu mundo interior e refletir sobre si mesma (introspecção) e à capacidade de recordar eventos importantes da própria vida (memória autobiográfica), como onde estava quando deu o primeiro beijo. Já a rede de controle cognitivo é integrada por áreas cerebrais acionadas quando é preciso focar a atenção no mundo externo. Por exemplo, fazer uma prova ou realizar um cálculo, ou conter e inibir um comportamento inadequado, como atirar uma bola de papel no professor que está de costas.

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Essas duas redes funcionam em oposição: quando uma se encontra mais ativa, a outra permanece menos ativa, e vice-versa. Sato usou ferramentas de uma área da matemática chamada teoria dos grafos para avaliar como as características dessas duas redes mudam com a idade. Essa abordagem trata as regiões cerebrais como se fossem os pontos ou nós de uma rede e a simultaneidade de ativação (conectividade funcional) de duas regiões como caminhos ligando os dois pontos. Essa estratégia apresenta uma vantagem em relação aos métodos de análise de dados normalmente usados nos estudos da área da saúde. Ela permite ter uma visão global da organização das redes de conectividade do cérebro.

A análise de imagens do cérebro de 447 crianças sem sinais de transtorno psiquiátrico com idades entre 7 e 15 anos revelou que, de modo geral, a conexão entre os pontos dessas redes se torna mais robusta com a idade. Isso significa que a comunicação entre as áreas cerebrais se torna mais intensa e sincronizada. “Estudos anteriores avaliando variações no volume das estruturas cerebrais já indicavam que isso deveria acontecer”, conta Bressan. “Agora flagramos essas mudanças ocorrendo no cérebro em funcionamento”, diz.
A hierarquia interna dessas redes também muda entre o fim da infância e o início da adolescência. Algumas áreas ganham relevância, enquanto outras perdem. Sato observou, por exemplo, que o córtex pré-frontal medial – área cerebral associada à capacidade de pensamento abstrato, planejamento e controle – apresentava um papel mais destacado nos participantes com mais idade. O mesmo acontece com duas áreas do giro do cíngulo, uma dobra mais interna do córtex cerebral ligada ao controle das emoções e da atenção, à capacidade de estabelecer laços sociais e à de prever e evitar situações desagradáveis. Com a idade, a região anterior e a região posterior do cíngulo passam a mediar a conexão entre muitas áreas das duas redes, comportando-se como um entroncamento de vias de trânsito muito movimentadas.
© ANDREAS HORN / INSTITUTO MAX PLANCK PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO / WIKIPEDIA
Vista lateral, frontal e inferior. Rede altamente integrada: áreas cerebrais que formam a rede de modo-padrão (amarelo) e as fibras
Vista lateral, frontal e inferior: áreas cerebrais que formam a rede de modo-padrão (amarelo) e as fibras
As mudanças no padrão de atividade dessas redes estão em acordo com o que se conhece do desenvolvimento emocional e cognitivo humano. Da infância à adolescência, características anatômicas sutis de algumas áreas mudam, assim como a maneira como elas se comunicam entre si. Essas transformações são acompanhadas do desenvolvimento de diferentes habilidades. Nos primeiros anos de vida a criança desenvolve a capacidade motora e chega aos 5 ou 6 anos em condições de começar a ser alfabetizada. Aos 9 ela já sofisticou a capacidade de se comunicar verbalmente e começa a desenvolver a capacidade de fazer abstrações matemáticas mais complexas. Daí até a idade adulta controla cada vez melhor os impulsos e as emoções. “A criança é muito mais impulsiva, nela predomina a ativação de áreas subcorticais [mais profundas e evolutivamente primitivas] do cérebro do que no adolescente”, explica a bióloga Andrea Jackowski, especialista em neuroimagem do LiNC e uma das principais integrantes do estudo.
Para ter uma visão geral das mudanças no cérebro, Sato comparou ao mesmo tempo como evoluía o padrão de atividade de 325 regiões cerebrais já mapeadas por anatomistas. De modo simplificado, o que muda entre a criança e o adolescente é que o giro angular – região do córtex envolvida em tarefas importantes como o processamento da linguagem e dos números, da manutenção da atenção e da capacidade de resgatar memórias – ganha importância nos adolescentes. Simultaneamente, algumas estruturas em uma região mais interna e evolutivamente primitiva – os núcleos da base, que integram informações emocionais e motoras – perdem relevância.
Um achado empolgou os pesquisadores, por suas possíveis aplicações clínicas. Depois de conhecer como a rede modo-padrão amadurecia nos participantes saudáveis, Sato e os outros pesquisadores decidiram analisar a evolução dessa rede no cérebro de crianças e adolescentes com sintomas de problemas psiquiátricos. Estudos anteriores já associavam alterações no funcionamento dessa rede à depressão e à ansiedade, marcadas por sintomas mais ligados à introspecção, como a tendência excessiva a remoer problemas.
Se alterações nesse funcionamento estavam associadas a mudanças no comportamento e a transtornos psiquiátricos, os sintomas apresentados por algumas crianças não seriam sinal de problemas no amadurecimento da rede? Para responder a essa questão, era preciso ver como a rede mudava com a idade e identificar quais alterações fugiam ao esperado. Isso é complicado porque as variações na atividade cerebral são grandes em pessoas saudáveis e podem se tornar imprevisíveis em quem tem transtornos psiquiátricos.
Sato, que se graduou em estatística e chegou a trabalhar no mercado financeiro antes de se interessar pela neurociência no doutorado, decidiu atacar o problema usando uma abordagem computacional, o aprendizado de máquina, adotado para desenvolver ferramentas capazes de aprender automaticamente a reconhecer padrões depois de expostos a alguns exemplos, como fazem os filtros de mensagens indesejadas de e-mail.
Ele criou um programa de computador para reconhecer o padrão da atividade espontânea da rede de modo-padrão de crianças em diferentes idades. Em seguida, usou-o para avaliar atrasos na maturação da rede cerebral em 622 crianças e adolescentes que haviam passado por ressonância magnética funcional. A combinação das ferramentas de teoria dos grafos e aprendizado de máquina permitiu criar um índice de maturidade cerebral, descrito em um artigo aceito para publicação noJournal of Child and Psychology and Psychiatry. Esse índice leva em consideração o fato, observado antes pelo grupo brasileiro e, em amostras menores, por pesquisadores estrangeiros, de que as redes cerebrais mudam com a idade. Ao confrontar o índice de maturidade obtido pelo programa com as informações sobre sintomas, identificados por meio de questionários respondidos pelos pais dos participantes, Sato verificou que as crianças e os adolescentes com mais sinais de problemas psiquiátricos apresentavam a rede mais imatura.
Quanto? Ele ainda não fez os cálculos, mas estima que o atraso de maturação esteja entre dois e três anos. Isso pode significar que a rede de modo-padrão de uma criança com 10 anos de idade e sintomas psiquiátricos graves poderia ter a mesma maturidade que a de uma criança saudável de 7 ou 8 anos. As crianças e os adolescentes com a rede de modo-padrão menos desenvolvida, em geral tinham sintomas classificados como internalizantes, frequentes na depressão e na ansiedade. “Os testes tradicionalmente usados para analisar informações das imagens de ressonância não teriam permitido extrair esse tipo de informação”, diz Euripedes Miguel. “Isso só foi possível com a associação dessas estratégias estatísticas mais avançadas.”
Esse achado não é importante apenas por tornar possível medir a maturação dessa rede, cuja função ainda não é bem conhecida. É relevante também pelo potencial que representa para a psiquiatria. Caso se mostre efetivo nas próximas etapas desse projeto e em outros estudos, esse índice pode se tornar uma forma de medir o risco de problemas psiquiátricos. “Um marcador de risco desse tipo permitiria que os exames de imagem ganhassem uma nova função na psiquiatria”, conta o médico Giovanni Salum, da UFRGS, que coordenou a coleta de dados em Porto Alegre. “Hoje eles são usados somente para eliminar hipóteses de problemas como tumores e lesões.”
“Esse indicador vai na direção do desenvolvimento de um marcador de risco, mas, para ser denominado marcador, teria de ter um poder preditivo muito alto”, pondera Sato.
Para Miguel, a saída não deve estar em um só marcador. “Provavelmente precisaremos de um conjunto deles: de imagem, bioquímico e de comportamento”, diz. Por essa razão, além da associação entre os dados de imagens e os sintomas, os pesquisadores também buscam uma conexão entre os sinais clínicos psiquiátricos e a alteração nos níveis de compostos encontrados no sangue.
Na Unifesp, a psiquiatra Elisa Brietzke e sua equipe analisaram nos últimos anos amostras de sangue de 600 das crianças que participaram dos exames de neuroimagem na primeira fase da pesquisa. Eles buscavam compostos que pudessem indicar alterações cerebrais associadas ao maior risco de desenvolver doenças psiquiátricas e que, ao mesmo tempo, funcionassem como marcadores bioquímicos de risco. Por enquanto, encontraram dois candidatos: a eotaxina, um comunicador químico associado à inflamação; e o receptor 2 do fator de necrose tumoral ou TNFR2, molécula que parece evitar a morte de células cerebrais.
Os dados apresentados no encontro anual da Sociedade de Psiquiatria Biológica, realizado em maio no Canadá, mostram que, simultaneamente, os níveis de eotaxina se encontravam mais elevados e os de TNFR2 mais baixos no sangue das crianças e dos adolescentes com mais sintomas de problemas psiquiátricos. Segundo Elisa, essa combinação foi capaz de identificar com bom grau de precisão aqueles que eram filhos de mulheres que haviam consumido, durante a gestação, álcool, um agente agressor do sistema nervoso do feto. Crianças e adolescentes filhos de pais com transtorno de humor (depressão ou transtorno bipolar) tinham níveis mais elevados de eotaxina no sangue, enquanto aqueles com pais com transtornos de ansiedade (fobias, pânico ou ansiedade) apresentavam taxas mais baixas do neuroprotetor TNFR2.
Em paralelo ao trabalho de Sato e Elisa, os pesquisadores da área clínica investigam formas de usar as informações coletadas por meio dos questionários de saúde mental à procura de comportamentos que sirvam como indicadores precoces do desvio de trajetória do desenvolvimento cerebral. Um exemplo é o trabalho do psiquiatra Pedro Pan, pesquisador do LiNC, que estuda o transtorno bipolar, marcado por episódios alternados de depressão e de mania, doença de difícil diagnóstico em crianças e adolescentes. Ele separou os 26 sintomas apresentados por 479 crianças e adolescentes com sinais de mania em dois grandes grupos: o exuberante, que inclui, por exemplo, os indivíduos excessivamente animados, que falam muito rápido e são cheios de energia; e o de baixo controle, integrado por pessoas com sinais de irritação excessiva, dificuldade de controlar os pensamentos e que não se preocupam com o perigo, entre outros. Ao comparar os dois tipos de sintomas com os prejuízos que causavam na vida das crianças, de acordo com o relato dos pais, verificou que os sintomas de baixo controle permitiam identificar os casos mais graves, que provavelmente necessitavam de tratamento.
Os pesquisadores esperam reforçar os achados iniciais ao analisar os dados da segunda fase do projeto, coletados desde o final de 2013. Em meados de maio, os quase 30 pesquisadores que integram as equipes de São Paulo e Porto Alegre já haviam concluído a avaliação neuropsicológica, feita em domicílio, de quase 2 mil participantes, cerca de 80% do total atendido na primeira fase. Dos 770 garotos e garotas que realizaram o exame de ressonância em 2009 e 2010, cerca de 300 – entre eles, Pedro – já haviam repetido o exame até maio. Outros 300 devem fazer até o fim do ano. “Ao compararmos os dados da primeira fase com os que estão sendo coletados agora”, diz João Sato, “devemos conseguir mais precisão”. Ao confrontar essas informações, eles devem ser capazes de verificar se as pessoas em risco de fato desenvolveram transtornos psiquiátricos.
Projetos
1. O Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento: uma nova abordagem para a psiquiatria tendo como foco as nossas crianças e o seu futuro (nº 2008/57896-8);Modalidade Projeto Temático – INCT; Pesquisador responsável Euripedes Constantino Miguel Filho (IPq-FM-USP); Investimento R$ 5.695.960,92 (FAPESP e CNPq).
2. Coorte de alto risco para transtornos psiquiátricos na infância: seguimento de neuroimagem após 3 anos (nº 2013/08531-5); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Andrea Parolin Jackowski (Unifesp);Investimento R$ 316.708,90 (FAPESP).
3. Aprendizado de máquina em neuroimagem: desenvolvimento de métodos e aplicações clínicas em transtornos psiquiátricos (nº 2013/10498-6); ModalidadeAuxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável João Ricardo Sato (UFABC); Investimento R$ 110.925,07 (FAPESP).

Artigos científicos
SALUM, G. A. et al. High risk cohort study for psychiatric disorders in childhood: rationale, design, methods and preliminary resultsInternational Journal of Methods in Psychiatric Research. dez. 2014.
SATO, J. R., et al. Age effects on the default mode and control networks in typically developing children. Journal of Psychiatric Research. nov. 2014.
SATO, J. R., et al. Default mode network maturation and psychopathology in children and adolescents. Journal of Child Psychology and Psychiatry (no prelo).
PAN, P. M. et al. Manic symptoms in youth: dimensions, latent classes, and associations with parental psychopathology. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry. 22 mar. 2014.

Fonte: Revista Fapesp por Ricardo Zorzeto junho/2015