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segunda-feira, 29 de julho de 2013

Pesquisadores criam memória falsa em camundongos



Novo estudo ajuda a compreender como uma memória real pode ser alterada no momento em que é relembrada

Cientistas conseguiram implantar no cérebro dos roedores uma memória traumática falsa, fazendo com que eles passassem a sentir medo de um ambiente completamente seguro (Thinkstock)
 Os cientistas sabem há bastante tempo que as memórias não são confiáveis. Uma série de pesquisas já mostrou que as lembranças de eventos reais podem ser irremediavelmente alteradas no cérebro humano — e o que resta é uma memória falsa, guardando pouca relação com o que, de fato, aconteceu. O que os pesquisadores não sabem, no entanto, é qual o exato mecanismo pelo qual uma lembrança se transforma em fantasia. Uma pesquisa publicada nesta quinta-feira na revista Science traz novas pistas sobre o tema. No estudo, cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) conseguiram, pela primeira vez, implantar uma memória falsa no cérebro de camundongos, representando fatos traumáticos que eles não viveram.

O meio pelo qual uma a lembrança é armazenada no cérebro é um debate antigo entre os cientistas. As pesquisas mais recentes indicam que elas são registradas através de mudanças químicas e físicas em conjuntos específicos de neurônios, chamados engramas. Segundo os pesquisadores, esses grupos de neurônios parecem funcionar como peças de Lego: cada vez que um evento é relembrado, o cérebro reconstrói o passado a partir desses tijolos de dados. Mas, cada vez que a memória é acessada, ela pode ser “montada” de um jeito diferente — o que permite distorções.

No ano passado, os mesmos cientistas do MIT haviam desenvolvido um método para localizar no cérebro de camundongos os neurônios responsáveis por uma memória específica. Usando uma técnica chamada optogenética — que torna algumas células do corpo sensíveis a raios de luz —, eles marcaram a localização desses neurônios e, ao aplicar pulsos localizados de luz, mostraram que era possível ligá-los e desligá-los, ativando e desativando as memórias associadas.

Dessa vez, eles usaram a mesma técnica para acessar uma memória antiga e alterá-la, fazendo o animal "recordar" algo que ele nunca viveu. "Estudos anteriores foram incapazes de descobrir quais as regiões e os circuitos cerebrais responsáveis pela geração de falsas memórias. Nosso experimento fornece o primeiro modelo animal no qual memórias falsas e verdadeiras podem ser investigadas diretamente”, diz Susumu Tonegawa, professor de biologia e neurociência no MIT e um dos autores do estudo.

Enganando o cérebro — A primeira fase do estudo se concentrou em criar uma memória real nos camundongos. Eles foram colocados em uma caixa segura e puderam explorar o local livremente. Enquanto se locomoviam pelo ambiente, os pesquisadores examinaram seu cérebro, identificando quais neurônios eram responsáveis por registrar as memórias dessa caixa.

No dia seguinte, os animais foram colocados em uma segunda caixa, onde foram submetidos a dolorosos choques elétricos nos pés. Ao mesmo tempo, os cientistas usaram as técnicas da optogenética para ativar os neurônios que haviam registrado as memórias da primeira caixa.

No terceiro dia, os camundongos foram colocados de volta na primeira caixa. Em vez de voltarem a explorar o local, os animais ficaram paralisados de medo. Eles não se lembravam mais que o ambiente era seguro e passaram a associar o ambiente aos choques. Ou seja: ao ativar as memórias da primeira caixa em um momento de dor, os pesquisadores conseguiram alterar o conteúdo da lembrança, forjando assim uma falsa recordação.

Segundo os cientistas, o experimento explica como, nos seres humanos, as memórias de determinado fato podem ser alterados pelo simples ato de relembrá-las. "Assim como aconteceu com os ratos, uma experiência do passado pode ser associada a um evento adverso ou prazeroso que a pessoa esteja sentindo no momento da lembrança, formando uma falsa memória", disse Tonegawa.

A pesquisa foi realizada em três etapas. Na primeira, o animal foi colocado em uma caixa segura e os pesquisadores registraram quais os neurônios envolvidos nas lembranças desse ambiente. Na segunda, o animal tomou choques elétricos enquanto as lembranças do primeiro ambiente eram ativadas. Por fim, ele foi colocado de volta na primeira caixa, onde ficou com medo de tomar choques, embora isso nunca tenha acontecido ali — só em suas memórias
Fantasia e realidade — A técnica ainda é muito rudimentar e invasiva para ser aplicada em seres humanos. Mesmo que algum dia seja segura o suficiente para isso, ainda não está claro se poderá ser usada para manipulações complexas de memória como as mostradas nos filmes Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, O Vingador do Futuro e Blade Runner.


Ainda assim, a pesquisa desperta uma série de questões científicas e filosóficas. Ao questionar a realidade das lembranças e ao sugerir a possibilidade de inventá-las, os pesquisadores colocam em cheque a própria memória humana, fundamental para a construção da identidade e a compreensão do mundo. “Nosso experimento mostra o quão reconstrutivo é o processo da memória. Uma lembrança não é uma cópia em papel carbono da realidade, mas sim uma reconstrução constante do mundo”, diz Steve Ramirez, pesquisador do MIT que também participou do estudo.

Fonte: Revista Veja julho/2013

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Teste avalia droga contra doença genética similar ao autismo



O início dos testes de uma droga contra a síndrome de Rett, um transtorno que atinge meninas com uma mutação genética, está abrindo caminho para a busca de tratamentos para o autismo --síndrome psiquiátrica de alta prevalência contra a qual não há nenhum fármaco. 

A síndrome de Rett é uma doença rara, mas sua semelhança com o autismo típico instiga cientistas, que veem nela uma janela para investigar drogas mais gerais contra esse transtorno, caracterizado por problemas motores, de comunicação e de afeto. 

Três ensaios clínicos estão testando a ação do IGF1, um hormônio de crescimento, em meninas com Rett.
O primeiro avaliou seis pacientes no Hospital Versilia, na Toscana (Itália), e concluiu que a droga é segura. Apesar de não ter conseguido quantificar efeito terapêutico do remédio com tão poucas pacientes, o trabalho relata que todas as meninas tiveram melhora das funções cognitivas. 

"Uma das pacientes, que não conseguia mover os braços, está agora comendo frutas sozinha usando suas mãos", disse à Folha Daniela Tropea, médica que liderou o ensaio clínico. "Já é um grande avanço." 

O grupo italiano ainda não conseguiu apoio para iniciar um estudo em escala maior para avaliar a eficácia da droga. Cientistas do Hospital de Crianças de Boston, porém, já têm um teste de fase dois --são necessários três para aprovar uma droga-- em andamento, com objetivo de recrutar 40 meninas.
 
A síndrome de Rett, que era considerada um transtorno da classe do autismo, deixou de sê-lo no DSM-5, o novo manual de diagnósticos da Associação Americana de Psiquiatria, lançado neste ano. 

No entanto, Alysson Muotri, cientista brasileiro na Universidade da Califórnia em San Diego, defende a ideia de que as duas doenças têm semelhanças o suficiente para que um mesmo tipo de tratamento funcione em ambas. 

Não há nenhum teste programado da droga em crianças autistas ainda, mas Muotri já mostrou que o IGF1 é capaz de "curar" neurônios criados a partir de células de crianças autistas ou com Rett. 

O brasileiro tem dúvidas, porém, sobre se esse hormônio é pequeno o bastante para atingir todos os neurônios necessários. Seu laboratório agora busca moléculas com efeito mais potente. 

O biólogo ajudou os NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos EUA) a montarem um centro que usa um sistema de pesquisa robotizado para testar centenas de compostos em amostras de células reprogramadas de crianças autistas e com Rett. 

Jeffrey Neul, do Baylor College, de Houston, já começou a testar em pacientes adultas uma versão alterada do IGF1. 

Com ajuda de uma farmacêutica neozelandesa, ele extraiu um peptídeo --pedaço da molécula do hormônio-- e o modificou para se tornar quimicamente estável. 

Em sua nova forma, a droga penetra o cérebro com mais eficácia e previne efeitos colaterais em pacientes com problemas metabólicos --dificuldade verificada no uso de IGF1 em experimentos com camundongos. 

"Doenças como a síndrome de Rett permitem vislumbrar um pouco o autismo idiopático [clássico]. Esperamos que muitos dos tratamentos testados para essas doenças possam vir a beneficiar um subconjunto de pessoas com autismo, ainda que não seja possível ajudar todas elas", diz Neul. 

Fonte: Folha de São Paulo /julho 2013
Por:  Rafael Garcia / São Paulo
Imagem: Editoria de Arte/Folhapress

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Ler preserva a memória


 
Atividades que exercitam o cérebro, como ler, diminuem até 15% perda de memória
Cultivar o hábito de ler e escrever regularmente pode contribuir para preservar a memória por mais tempo. Estudo feito por pesquisadores do Centro Médico da Universidade Rush, de Chicago, com 294 idosos indica que se dedicar a esse tipo de atividade reduz a velocidade do processo de deterioração mental (Neurology, 3 de julho). Essas práticas saudáveis podem diminuir até 15% o ritmo de progressão da perda da memória. ”Nosso estudo mostra que adotar atividades que estimulam o cérebro ao longo da vida, desde a infância até a idade avançada, é importante para manter a saúde mental na velhice”, diz Robert S. Wilson, principal autor do trabalho. Não abandonar esse estilo de vida com o passar dos anos também se mostrou importante. O declínio cerebral entre os idosos que liam ou escreviam com frequência ainda na velhice ocorreu em um ritmo 32% mais lento do que entre os que faziam isso com uma constância menor. Os velhos que quase nunca se dedicavam a essas atividades apresentaram uma velocidade de deterioração mental 48% maior do que os que liam e escreviam esporadicamente. Os pesquisadores acompanharam os participantes do estudo durante cerca de seis anos, até o momento de sua morte, em média aos 89 anos. Anualmente, submeteram os idosos a testes de memória e cognição e os entrevistaram sobre seus hábitos de leitura ao longo da vida. Fizeram ainda uma autópsia no cérebro dos velhos para determinar a incidência de lesões e placas associadas a demências. 
Fonte: Revista Fapesp - Edição 209 - Julho de 2013 
Imagem:  Léo Ramos