Colaboradores

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Queridos alunos da Biomedicina Metodista, dia 3 de fevereiro começam as aulas!


Sejam bem vindos! Um ótimo semestre!

 

"A grande escola é o amor: as exigências do amor levam a grandes heroísmos. Quando o amor é verdadeiro, o sacrifício não dói; o amor de um professor por seu aluno faz estimar como bem próprio aquilo que é mais do que um dever, é uma missão"
Juan Luis Lorda


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Poeira de casas com cães

Tecnociencia cachorro2
A exposição à poeira 
de casas com cães pode modificar a composição da microbiota – a comunidade de micróbios – do intestino e proteger contra alergias e asma, segundo estudo de pesquisadores dos Estados Unidos e do Canadá (PNAS, dezembro). Os autores desse trabalho já tinham verificado que crianças de casas com cães eram menos propensas a desenvolver alergias na infância do que as que moravam em casas sem animais. Depois viram que a poeira coletada 
de casa com cães continha uma variedade maior de bactérias do 
que a de casa sem animais domésticos. Agora eles mostraram que a poeira de casas com cães ajuda a deter 
a inflamação alérgica. Camundongos jovens que receberam poeira 
de casas com cães apresentaram uma proteção maior contra substâncias causadoras de alergia (alérgenos) retiradas de baratas, 
em comparação com animais alimentados com poeira de casa sem cães. Os pesquisadores verificaram que a poeira da casa com cães alterou a microbiota intestinal, aumentando a população da bactéria Lactobacillus johnsonii. Em seguida, 
os animais que receberam L. johnsonii 
apresentaram uma resposta alérgica mais amena, quando expostos a alérgenos de barata ou vírus respiratório sincicial, dois fatores de risco para a asma em crianças. Os especialistas vislumbram novas possibilidades de tratamento de alergias 
e infecções pulmonares 
a partir desse estudo, caso os resultados sejam aplicáveis a seres humanos.

Revista Fapesp -  Janeiro de 2014
Imagem: Daniel Bueno

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Mentes Persistentes: Pesquisadores querem entender o que faz o cérebro de algumas pessoas resistir aos efeitos do mal de Alzheimer

Os cérebros de quatro senhoras com idades entre 80 e 82 anos que morreram recentemente em São Paulo contam um pouco mais sobre a complexidade do mal de Alzheimer. Amostras desses cérebros, doados ao banco de encéfalos da Universidade de São Paulo (USP), foram analisadas ao microscópio e revelaram o amontoado de placas e emaranhados de proteínas que são a marca típica dos estágios avançados do Alzheimer. Era de esperar, portanto, que essas mulheres tivessem sofrido na última década de vida sérios problemas de perda de memória e de cognição, como dificuldade de se expressar e de perceber o espaço a sua volta. Entrevistas com familiares e cuidadores das idosas, porém, provaram que elas viveram lúcidas até o fim.

“Ninguém entende exatamente por que essas pessoas não desenvolveram demência”, admite o neuroanatomista Carlos Humberto Andrade-Moraes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seu doutorado, feito sob a supervisão do neurocientista Roberto Lent, da mesma universidade, é o primeiro no mundo a analisar o número total de células do cérebro de idosos conhecidos como doentes de Alzheimer assintomáticos. O estudo, publicado com outros pesquisadores da UFRJ e da USP em dezembro na Brain, concluiu que o número de neurônios dos assintomáticos é praticamente igual ao de idosos saudáveis, diferentemente do que se vê no cérebro de pessoas com Alzheimer que desenvolvem demência, a perda de memória e da capacidade cognitiva. Na demência há uma redução drástica de neurônios no hipocampo e no córtex, as regiões cerebrais responsáveis pela consolidação da memória e pelo raciocínio.

Em média, uma em cada 10 pessoas com mais de 65 anos apresenta os sinais clínicos do Alzheimer. A doença se manifesta primeiro com pequenos deslizes de memória, que com o tempo ficam mais frequentes, seguidos de falhas no julgamento moral, na percepção do espaço e do tempo e do aumento na dificuldade de se comunicar. A sobrevida média é de oito anos, ao longo dos quais os sintomas se agravam até a incapacitação total.

Há algum tempo se sabe que a demência é provocada pela destruição das sinapses, os trilhões de conexões entre os 86 bilhões de neurônios, as células cerebrais que armazenam e transmitem informações, das quais emergem as memórias e os pensamentos. Um neurônio saudável recebe até 10 mil sinapses de outros neurônios, trocando sinais elétricos e substâncias que o mantêm vivo. Impedidos de manter as sinapses no Alzheimer, os neurônios atrofiam e morrem. Como consequência, o volume do hipocampo e a espessura do córtex diminuem, o que pode ser visto em imagens de ressonância magnética. Segundo o neurologista Márcio Balthazar, que atende pessoas com Alzheimer no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as neuroimagens podem ajudar no diagnóstico da doença, mas ainda não substituem os testes laboratoriais, clínicos e psicológicos.

Em parceria com o neurologista Fernando Cendes, da Unicamp, Balthazar e seus colaboradores vêm apostando no aperfeiçoamento de uma nova forma de identificar o Alzheimer precocemente: o uso de neuroimagens para avaliar a atividade cerebral, e não apenas a anatomia. A ideia é observar em imagens de ressonância magnética funcional a atividade do cérebro quando os pacientes estão relaxados, sem pensar em nada. “Mesmo com a pessoa em repouso, vemos que algumas áreas do cérebro são ativadas simultaneamente, pulsando em uma mesma frequência, o que sugere que sejam grupos de neurônios se comunicando”, explica Balthazar. “Uma pessoa com Alzheimer tem essa rede menos conectada.”
Em artigo publicado em novembro na Psychiatric Research: Neuroimaging, o grupo da Unicamp conseguiu distinguir com cerca de 70% de acerto as neuroimagens da atividade cerebral em repouso de pessoas com sintomas moderados de demência daquelas de idosos saudáveis. Os pesquisadores observaram ainda uma relação entre as falhas de conexão da rede e o grau de perda de memória.

Quanto mais cedo melhor
“Esperamos aperfeiçoar o método para realizar o diagnóstico cada vez mais precocemente”, conta Balthazar. Apesar de o Alzheimer permanecer sem cura, quanto antes o diagnóstico for feito mais eficazes são as intervenções que aliviam os sintomas: o uso de inibidores de acetilcolinesterase e a realização de terapia ocupacional, reabilitação psicológica e atividade física, além do planejamento da família para o futuro.

Como a demência senil pode ter outras causas – problemas vasculares e outras doenças degenerativas –, o diagnóstico do Alzheimer em geral só é confirmado após a morte. A autópsia do tecido cerebral revela um excesso das chamadas placas neuríticas, ancoradas em ramificações dos neurônios, e dos emaranhados neurofibrilares, no interior dos neurônios atrofiados. Esses sinais são encontrados especialmente no hipocampo e no córtex cerebral. Até alguns anos atrás, a maioria dos pesquisadores acreditava que as placas neuríticas eram as responsáveis pelas disfunções sinápticas. Mas estudos recentes feitos pela equipe da neurocientista Fernanda De Felice e do bioquímico Sergio Teixeira Ferreira, ambos da UFRJ, vêm demonstrando que as placas, apesar de tóxicas, não são a causa principal da eliminação das sinapses e da morte dos neurônios (ver Pesquisa FAPESP n. 157).

De fato, as placas são formadas pelo acúmulo de pequenas moléculas de beta-amiloide. Normalmente produzida pelo cérebro, essa proteína sofre deformações no Alzheimer. Muitos pesquisadores, porém, hoje acreditam que são amontoados bem menores de beta-amiloide – os oligômeros, capazes de se difundir para dentro e para fora dos neurônios – os responsáveis por interferir nas sinapses. Outras pesquisas sugerem que esses oligômeros também formam os emaranhados neurofibrilares, que impedem o transporte de substâncias dentro dos neurônios e contribuem para a sua morte. Segundo esse raciocínio, a formação das placas seria uma tentativa do organismo de varrer os oligômeros para fora das células e para longe das sinapses. “As placas seriam protetoras e não causadoras da demência”, diz Andrade-Moraes.

A descoberta dos doentes de Alzheimer assintomáticos reforçou essa hipótese. As primeiras descrições desses casos surgiram em estudos que acompanharam centenas de idosos nos Estados Unidos. A comparação dos exames clínicos a que essas pessoas eram submetidas periodicamente com a análise de seus cérebros após a morte revelou que de 25% a 40% dos casos diagnosticados histologicamente como sendo Alzheimer não haviam desenvolvido demência. “Embora permaneça duvidoso se esses indivíduos continuariam clinicamente normais se tivessem vivido mais tempo, eles parecem ter sido capazes de compensar ou atrasar o aparecimento dos sintomas de demência”, escreveu em 2012 o neuropatologista Juan Troncoso, da Universidade Johns Hopkins, Estados Unidos, um dos primeiros a chamar a atenção para os pacientes assintomáticos.

Segundo Andrade-Moraes, antes do estudo publicado na Brain nenhum trabalho sobre o impacto do Alzheimer no número de células do cérebro havia comparado indivíduos com e sem demência. “Queríamos saber se os assintomáticos teriam alguma alteração na composição das células cerebrais”, ele diz.
A pesquisa foi feita em parceria com a equipe da neuropatologista Lea Grinberg, coordenadora do Banco de Encéfalos Humanos da USP, que, além de analisar os cérebros de idosos mortos em São Paulo, investiga, por meio de questionários com familiares e cuidadores, como era o desempenho cognitivo dessas pessoas até 10 anos antes de sua morte.

Os pesquisadores da USP e da UFRJ selecionaram 14 cérebros de mulheres que morreram entre os 71 e os 88 anos (a prevalência do Alzheimer é um pouco maior entre as mulheres). Cinco tinham um nível de placas considerado normal para a idade, enquanto as demais apresentavam o excesso característico do Alzheimer. Dessas últimas, cinco apresentavam sinais de demência e quatro eram assintomáticas.

Menos neurônios, mais glia
Os cérebros foram processados na UFRJ em uma máquina, o fracionador isotrópico automático, construído pela equipe de Lent (ver Pesquisa FAPESP nº 192). A máquina transforma porções de cérebro em uma suspensão homogênea, contendo o núcleo das células. Anticorpos coloridos que se ligam ao núcleo dos neurônios permitem distingui-los das demais células do cérebro, as células da glia.

Como esperado, o hipocampo das mulheres com demência tinha metade do número de neurônios encontrado no hipocampo das saudáveis e das assintomáticas – aquelas com demência também tinham menos neurônios no córtex todo. Ao mesmo tempo, o cérebro das pessoas com demência tinha uma proporção maior de células da glia. “Essas células aumentam de número para proteger os neurônios, mas com o progresso da doença provocam uma inflamação que piora os sintomas de demência”, explica Andrade-Moraes. Ele, porém, não encontrou diferença significativa -– no número de neurônios e de células da glia – entre o cérebro de idosos saudáveis e o de idosos com Alzheimer assintomáticos.

“Os assintomáticos devem possuir algum mecanismo fisiológico desconhecido que protege suas redes de neurônios dos efeitos dos oligômeros”, suspeita. “Algo afasta os oligômeros das sinapses, agregando-os rapidamente em placas.”

Para ele, um candidato a explicar esse mecanismo é a atuação mais eficiente da insulina no cérebro dos assintomáticos. Diferentemente do que ocorre em outros órgãos, o papel da insulina no cérebro parece não ser o controle do metabolismo de açúcar, mas a consolidação da memória e a formação de novas sinapses. Experimentos in vitro e com animais feitos por Fernanda De Felice e Sérgio Ferreira vêm demonstrando que a insulina protege os neurônios da ação dos oligômeros. Em artigo publicado em dezembro na Cell Metabolism, eles apresentaram novos mecanismos neuronais que provocam a perda de sinapses em camundongos e macacos com sinais semelhantes aos de Alzheimer. Parte do doutorado de Mychael Lourenço, esse trabalho mostrou ainda que um remédio usado para tratar diabetes tipo 2, a liraglutida, bloqueou os danos neuronais em modelos animais de Alzheimer. Atualmente uma equipe do Imperial College de Londres testa a liraglutida em 200 pessoas com Alzheimer.

Outra hipótese é que os assintomáticos possuem uma maior reserva cognitiva, talvez resultado de uma rede de sinapses mais complexa do que a dos que desenvolvem demência. Essa reserva permitiria resistir mais aos efeitos dos oligômeros. Essa ideia vem da observação de que os assintomáticos costumam ser pessoas com um nível de escolaridade maior ou que aprenderam a falar e a escrever cedo na infância. Na Unicamp, Balthazar tenta confirmar o efeito protetor da reserva cognitiva comparando a conectividade das redes neuronais em pacientes idosos com diferentes graus de escolaridade, hábitos de leitura e vida social. n

Projetos
Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia – Brainn (n° 2013/07559-3); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Coord. Fernando Cendes – FCM/Unicamp; Investimento R$ 13.621.302,32 (FAPESP).

Fonte: Revista Fapesp on line - Edição 215 - 2014
Por: Igor Zolnerkevic

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Entrega das carteirinhas provisórias do CRBM

Atenção!

Os alunos que entregaram o formulário do CRBM na Faculdade deverão comparecer ao Campus Planalto nesta sexta, dia 24/01 das 14h00 às 16h00.

Neste dia e horário virá um representante do Conselho Regional de Biomedicina, para efetuar a

entrega das carteirinhas provisórias do CRBM na coordenação da Fac Saúde.

Esperamos vocês!

Abraços

Biomedicina

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Despertar precoce: Pesquisadores brasileiros identificam o primeiro gene associado a forma hereditária de puberdade prematura

Imagem - Sandra Javera 

Há cerca de 7 anos a médica Ana Claudia Latronico atendeu no ambulatório de endocrinologia pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo um caso que lhe chamou a atenção e acabou por conduzir à identificação, em meados de 2013, do primeiro gene associado à puberdade precoce de origem hereditária. Era uma menina de 5 anos que já apresentava os primeiros sinais da puberdade. As mamas começavam a se formar e os pelos cresciam mais espessos nas axilas e na região pubiana, dois sinais de que os hormônios sexuais, produzidos em maior quantidade só no final da infância, já circulavam em níveis elevados no corpo da garota. Pouco frequentes na população, casos como esse de puberdade que ocorre muito antes do tempo adequado até são comuns no maior hospital da América Latina, para onde são encaminhados os problemas mais raros e complexos do país.

O que despertou o interesse de Ana Claudia, no entanto, foi outro motivo. A menina havia chegado ao hospital por iniciativa da avó paterna, então uma senhora de 69 anos, que tinha entrado na puberdade cedo e menstruado pela primeira vez aos 9 anos. Semanas mais tarde a avó retornou com uma segunda neta, filha de outro filho, e anos depois com uma terceira, nascida do segundo casamento do primeiro filho. Em comum, todas apresentavam as mudanças corporais da puberdade bem antes da hora em que costumam surgir na maioria das crianças: a partir dos 8 anos nas meninas e dos 9 anos nos meninos.
Essa sequência de casos na mesma família – mais tarde chegariam a seis – levou Ana Claudia a desconfiar de uma origem genética para o problema, algo em que poucos especialistas pensavam na época, e a iniciar uma procura ativa entre os parentes das crianças atendidas por ela e sua equipe no HC. “Passamos a conversar com as mães, que em geral são quem leva as crianças às consultas, sobre a puberdade do pai, dos tios e dos avós”, lembra a endocrinologista. Perguntas como “com que idade a avó menstruou pela primeira vez?” ou “na família há casos de homens que começaram a fazer a barba muito cedo?” ajudaram esse grupo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) a encontrar mais 11 famílias brasileiras com mais de um caso de puberdade precoce entre os parentes de primeiro grau.
Exames clínicos e testes hormonais confirmaram que nessas 12 famílias brasileiras e em outras 3 estrangeiras havia 32 pessoas que tinham entrado na puberdade muito cedo, em média aos 6 anos. Em todos esses casos, apresentados em junho de 2013 em um artigo no New England Journal of Medicine (NEJM), o desenvolvimento acelerado do corpo que marca a transição da infância para a idade adulta havia começado antes do tempo por causa do aumento prematuro na produção do hormônio liberador das gonadotrofinas: o GnRH, que comanda o amadurecimento sexual do organismo – esses casos são chamados de puberdade precoce central ou verdadeira.
Produzido no cérebro por um pequeno grupo de neurônios do hipotálamo, o GnRH funciona como o acelerador de um carro. Esse hormônio é liberado em pulsos mais rápidos na puberdade, induzindo a glândula hipófise a produzir dois outros hormônios sexuais: o homônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo estimulante (FSH). Esses hormônios são lançados na corrente sanguínea e viajam até os ovários e os testículos, onde ativam a liberação de outros hormônios sexuais que fazem o corpo crescer e amadurecer do ponto de vista reprodutivo (ver infográfico acima).
Com os dados daquelas 32 pessoas em mãos, faltava descobrir o que havia levado o corpo delas a secretar mais GnRH antes da hora. O grupo de Ana Claudia, em parceria com pesquisadores da Santa Casa de São Paulo, da Universidade Federal de Minas Gerais, da Universidade de Leuven, na Bélgica, e da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, decidiu sequenciar o material genético desses participantes em busca de alterações que pudessem explicar o início antecipado da puberdade. Um terço deles (oito pessoas) apresentou defeitos em um mesmo gene: o MKRN3, hoje considerado o primeiro gene responsável por uma forma hereditária de puberdade precoce.
“Esse resultado é importante porque os determinantes do início da puberdade permanecem um dos mistérios não resolvidos da biologia”, comenta o endocrinologista Jean-Claude Carel, da Universidade Paris Diderot e do Centro de Referência em Doenças Endócrinas Raras do Crescimento, na França. Especialista de renome internacional que investiga a puberdade precoce central, Carel observa: “A puberdade está associada a uma série de desfechos físicos e psicológicos de longo prazo, e compreender melhor o que define seu início cria a oportunidade de contribuir para questões de saúde como câncer, comportamentos de risco e abuso de drogas”. Para Erica Eugster, da Universidade da Saúde de Indiana, Estados Unidos, “esse achado representa um avanço importante na determinação da base genética da puberdade precoce central”, em especial por envolver uma forma até então desconhecida de controle da produção do GnRH.
Ana Claudia conta que jamais imaginou encontrar um gene que estivesse alterado em 33% das pessoas com a forma hereditária de puberdade precoce. “Em geral, as alterações em genes não afetam mais do que 10% das pessoas com determinada doença genética”, explica. Além de muito frequentes nos casos em que a puberdade precoce se manifesta em mais de uma geração da mesma família, as mutações no MKRN3 também estão se revelando comuns nas pessoas com puberdade precoce central sem origem hereditária.
O grupo de São Paulo e seus colaboradores acompanham 215 crianças – atendidas em São Paulo, Ribeirão Preto, Campinas e na Macedônia, no Leste Europeu – em que a puberdade prematura se manifestou de modo isolado, sem afetar outras pessoas da família. Mesmo assim, segundo estudo submetido para publicação no Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, a proporção de pessoas com o gene MKRN3 defeituoso é elevada: cerca de 3%.
“Ainda que as alterações nesse gene expliquem só 3% dos casos, já é um grande avanço”, afirma o pediatra Gil Guerra Junior, da Univesidade Estadual de Campinas, colaborador de Ana Claudia. “Todo serviço de endocrinologia pediátrica recebe casos de puberdade precoce e a maior frustração dos médicos é não descobrir a origem do problema na maior parte das vezes”, diz.
No Brasil faltam levantamentos populacionais sobre os casos de puberdade precoce, que é 10 vezes mais comum em meninas do que em meninos. Mas estatísticas internacionais indicam que em média uma criança em cada grupo de 5 mil ou 10 mil entra na puberdade muito antes do esperado. Em 90% das vezes ignora-se a causa da puberdade antecipada e os médicos têm de se contentar em dizer que a origem é idiopática (desconhecida). Quase sempre esses casos se manifestam isolados, em apenas uma pessoa da família, o que elimina a suspeita de hereditariedade. Análises genéticas até costumam revelar alterações em um gene ou outro. Mas, até onde se sabe, são defeitos surgidos ao acaso, sem evidências de que foram trasmitidos pelos pais. Ao menos, era o que se pensava.
A partir do trabalho do NEJM, os pesquisadores começaram a suspeitar de que muitos casos familiares podem ter passado despercebido porque os médicos não perguntam sobre o restante da família. “Nossos dados indicam que os casos de origem familiar não são tão raros assim”, comenta a médica Berenice Bilharinho de Mendonça, da USP. Foi ela quem, nos anos 1980, criou no HC a Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento, onde, além dos casos de puberdade precoce, são atendidos e tratados os distúrbios da diferenciação sexual e do crescimento.
Trabalhando com Berenice desde 1987, Ana Claudia e seu grupo já haviam identificado mutações em outros dois genes ligados à via bioquímica de produção do GnRH. Essas mutações também provocavam o início precoce da puberdade. Mas, recorda Ana Claudia, em “casos isolados”.
Um desses genes alterados foi encontrado em um menino de apenas 1 ano que já apresentava crescimento de pelos pelo corpo, aumento do volume dos testículos e do tamanho do pênis. A radiografia das mãos indicava que seus ossos eram tão desenvolvidos quanto os de uma criança de 3 anos. Num período que passou no laboratório de Ursula Kaiser, em Harvard, a médica Letícia Gontijo Silveira verificou que as células do garoto traziam cópias danificadas do gene que codifica a kisspeptina-1, proteína cerebral que ativa a liberação de GnRH. Dois anos antes Milena Teles, também da equipe de Ana Claudia, havia encontrado em uma menina que começara a desenvolver as mamas no primeiro ano de vida e aos 7 anos já as tinha formadas uma mutação em outro gene dessa mesma família, que codifica o receptor da kisspeptina-1. Nos dois casos, a versão defeituosa do gene aumentava precocemente a liberação do GnRH e antecipava a puberdade. Essas mutações funcionavam como um pisão no acelerador do carro.
Se a kisspeptina-1 e seu receptor integram o sistema de aceleração, a proteína produzida pelo gene MKRN3 parece atuar na frenagem. Esse papel só começou a ficar claro com o trabalho da médica Ana Paula de Abreu, da equipe da USP. Na parte de seu pós-doutorado feita em Harvard, ela registrou a expressão do MKRN3 no cérebro de camundongos do 10º ao 60º dia de vida, período correspondente à infância e ao início da idade adulta de uma pessoa. Por volta do 20º dia, no início da puberdade, a expressão do gene caiu para 5% do nível inicial. Para Ana Paula, esse dado reforça a ideia de que a proteína produzida pelo MKRN3 saudável funciona como um bloqueador temporário da puberdade. Já as nove alterações encontradas em casos familiares e isolados de puberdade precoce produzem o efeito contrário: seriam como a perda do freio.
A análise dos casos familiares revelou um padrão incomum de herança e manifestação desses defeitos. Basta uma cópia alterada do gene (há duas em cada célula) para adiantar a puberdade. Mas essa cópia tem de ter vindo do pai. “As cópias de origem materna são silenciadas por mecanismos epigenéticos”, conta Ana Claudia.
Mesmo nos casos considerados isolados, sem história familiar, os pesquisadores verificaram que o gene defeituoso havia sido herdado do pai. “Os pais são portadores assintomáticos”, conta Ana Paula. “Esses dados mostram que os casos considerados esporádicos do ponto de vista clínico são, na realidade, hereditários.”
O problema de perder o freio é que, no início da infância, o carro não está preparado para correr. “O aumento precoce na produção de GnRH acelera o crescimento muito cedo, mas a criança cresce por menos tempo”, conta Guerra. Entre os primatas, os seres humanos são os que levam mais tempo para atingir a maturidade. “O ser humano cresce do nascimento até os 20 anos”, diz o pediatra. “Imagine as consequências de parar de crescer aos 8 ou 9 anos.”
Os primeiros sinais da puberdade observados pelos pais e pediatras, além dos pelos, é o desenvolvimento das mamas, nas meninas, e dos genitais, nos meninos. Quase sempre, porém, o corpo todo já cresce num ritmo mais acelerado – é o estirão de crescimento, que na puberdade normal ocorre no fim da primeira década de vida. O aumento nos níveis do estradiol, um dos hormônios sexuais, faz os ossos se alongarem mais rapidamente. Mas suas extremidades se consolidam mais cedo, cessando o crescimento. “Se a puberdade não for bloqueada no início, a criança pode não atingir todo o seu potencial de crescimento e, quando adulta, ficar de 10 a 12 centímetros mais baixa do que as pessoas da mesma idade”, conta Ana Claudia.
A transformação do corpo vem acompanhada de mudanças no comportamento. “Muitas crianças assumem atitudes de pré-adolescentes”, diz a psicóloga Marlene Inácio, que há mais de 20 anos acompanha os casos atendidos no HC. Bem antes do normal, elas passam a questionar os pais e a querer mandar nas crianças da mesma idade. Marlene conta que é comum as meninas irem às consultas com as unhas pintadas e usando maquiagem. Os meninos se tornam retraídos e mais inquietos e agressivos. “A criança percebe que o corpo mudou, mas não compreende a transformação do ponto de vista subjetivo”, explica.
“Durante a infância meninas e meninos agem como inimigos”, conta o pediatra Durval Damiani, do Instituto da Criança da USP. Mas, assim que a puberdade começa, surge o interesse pelo sexo oposto. “A menina, por exemplo, passa a gostar do coleguinha de classe”, conta. E os pais, em especial das meninas, passam a temer o risco de violência sexual e uma possível gravidez.
Embora haja uma tendência de antecipação da puberdade nos países ocidentais nos últimos tempos – dados europeus indicam que a idade da primeira menstruação passou de 17 anos no início do século XIX para 13 anos em meados do século XX –, nem sempre esse avanço antecipado no desenvolvimento do corpo representa um problema de saúde. “Muitos casos de puberdade precoce são uma variante do normal e não precisam ser tratados”, afirma Damiani. “Muitas vezes a criança começa a apresentar aos 7 anos os primeiros sinais de puberdade, como o desenvolvimento das mamas, mas a idade óssea é normal e ela só vai menstruar aos 12.” Nessas situações, o ideal é acompanhar o caso de perto.
Numa idade em que o comum é a interação com outras crianças, as que entram na puberdade cedo demais podem se sentir rejeitadas. As meninas que menstruam muito cedo, por exemplo, passam a evitar ir ao banheiro com as colegas com medo de que descubram. “Ser diferente nessa idade traz sofrimento emocional”, conta Ana Claudia.
Tão logo identificam sinais da puberdade antecipada e confirmam a necessidade de tratamento, os médicos receitam injeções mensais ou trimestrais de um composto com estrutura química semelhante à do GnRH. Fornecida pelo sistema público de saúde e considerada de alto custo – R$ 500,00 a R$ 800,00 por mês –, essa medicação interrompe temporariamente a ação do hormônio. O objetivo do tratamento, que dura até por volta dos 12 anos, é preservar a capacidade de crescimento da criança e fazer os sinais da puberdade regredirem. “Alguns meses após o início do tratamento, a criança volta a se comportar como as outras de sua idade”, conta Marlene.
Recentemente o endocrinologista Vinicius Nahime de Brito e a psicóloga Tais Menk iniciaram no HC um estudo com 60 meninas com idade entre 6 e 11 anos para avaliar como as transformações antecipadas no corpo afetam o desenvolvimento emocional. Por meio de testes psicológicos, eles avaliaram a personalidade e o grau de estresse antes, durante e depois do tratamento. Os resultados preliminares sugerem que as meninas com puberdade precoce apresentam imagem corporal inadequada, isolamento social e sexualidade exacerbada, além de medo e sentimento de inferioridade mais intensos do que as crianças da mesma idade com desenvolvimento normal, sinais que amenizam com o bloqueio do GnRH. “O nível de estresse era maior no grupo pré-tratamento do que no pós-tratamento”, conta Tais. “Embora o número de crianças avaliado ainda seja pequeno”, completa Brito, “os dados reforçam nossa hipótese de que a puberdade precoce provoca um nível de estresse mais elevado.”
Cuidando de casos de puberdade precoce há quase três décadas, Berenice avalia a identificação dos defeitos no gene MKRN3 como um trunfo. “Até então, só conhecíamos alterações genéticas com ação estimuladora sobre o GnRH”, explica Berenice. “Essa descoberta abre a possibilidade de um dia conseguirmos atuar na via inibitória.” Embora o tratamento atual seja eficaz, 5% das crianças têm alergia à medicação. Caso essa linha de pesquisa tenha sucesso, talvez se torne possível retardar a puberdade não só tirando o pé do acelerador, mas também pisando no freio.


Projeto
Caracterização molecular das doenças endócrinas congênitas que afetam o crescimento e o desenvolvimento (05/04726-0); Modalidade Projeto Temático; Coord. Ana Claudia Latronico – FM/USP; Investimento R$ 1.372.370,77 (FAPESP).


Artigos científicos
ABREU, A. P. et al. Central precocious puberty caused by mutations in the imprinted gene MKRN3. New England Journal of Medicine. 27 jun. 2013.
TELES, M. G. et al. A GPR54-activating mutation in a patient with central precocious puberty. New England Journal of Medicine. 14 fev. 2008. 

Fonte: Revista Fapesp - edição 215 jan/2014
Por: Ricardo Zorzetto


sábado, 4 de janeiro de 2014

Mineração com micro-organismos: Bactérias são usadas para recuperar metais valiosos de sucata de eletrônicos e rejeitos de minas


© FOTOS: EDUARDO CESAR / ILUSTRAÇÕES: PEDRO HAMDAN

O Brasil é um dos campeões mundiais na geração de lixo eletrônico. Um estudo recente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), do governo federal, revelou que cerca de 1 milhão de toneladas de sucata eletrônica, formada por monitores de computadores, telefones celulares, impressoras e câmeras fotográficas, entre outros equipamentos, é descartado todos os anos no país. Apenas uma pequena parcela é reciclada porque as técnicas atuais que a tornam viável são caras e poluentes. Essa situação pode mudar se der certo comercialmente um método sustentável, tanto no âmbito econômico quanto ambiental, para recuperar metais como cobre e ouro presentes em circuitos impressos, as placas esverdeadas de fibra de vidro presentes na maioria dos aparelhos eletrônicos. A técnica, conhecida como bio-hidrometalurgia, foi desenvolvida por um grupo de pesquisadores brasileiros e usa, em uma de suas etapas, bactérias inofensivas aos seres humanos para extrair o metal existente nessas placas.
“Já se usam bactérias para bioprocessamento de metais em minas ou para a recuperação de rejeitos metálicos em barragens. A nossa ideia foi usar o método para recuperar cobre a partir da sucata”, diz o engenheiro metalurgista Jorge Tenório, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). A título de comparação, Tenório diz que o minério de cobre extraído pela Vale em suas minas tem uma concentração de menos de 1% de cobre, enquanto uma placa de circuito impresso de computador contém cerca de 30% de cobre (ver Pesquisa Fapesp nº 200, de outubro de 2012).
Atualmente já é possível reaproveitar o cobre e outros metais presentes nas placas de circuito impresso por meio de processos químicos, que usam ácidos para fazer a extração, ou pelo processo pirometalúrgico, no qual a recuperação dos metais é feita a altas temperaturas, resultando na emissão de gases poluentes. “A vantagem da nossa técnica é ser mais barata do que as convencionais e não agredir o meio ambiente”, diz Luciana Yamane, aluna que fez o doutorado no grupo de Tenório com bolsa da FAPESP. Sua tese, Recuperação de metais de placas de circuito impresso de computadores obsoletos através de processo bio-hidrometalúrgico, ganhou menção honrosa no Prêmio Dow-USP de Inovação em Sustentabilidade 2012. Nesse processo, explica Luciana, o primeiro passo é o processamento mecânico das placas de circuito. Elas são picotadas e trituradas em um moinho até virarem grãos com até 2 milímetros de diâmetro. Em seguida, usa-se um separador magnético para a retirada das partes contendo ferro e níquel. “Trabalhamos somente com o resíduo não magnético, que é o que contém cobre”, diz Luciana. O próximo passo é adicionar os grãos da placa em uma solução aquosa com ferro em sua forma solúvel (íon ferroso ou Fe+2). Quando a bactéria Acidithiobacillus ferrooxidans linhagem LR é inoculada nesse meio, ela oxida o íon ferroso, transformando-o em íon férrico (Fe+3). Este, por fim, oxida o cobre, que é liberado dos grânulos da placa e é dissolvido na solução – um processo conhecido como biolixiviação. A etapa final – a separação do cobre solubilizado – é executada por meio de processos já estabelecidos.

O grande desafio de Luciana foi condicionar os microrganismos, cujo hábitat natural são rochas contendo ferro, a sobreviver e se reproduzir no meio líquido com as placas trituradas de circuito. “Sempre que adicionávamos esses pedaços triturados no meio de cultura das bactérias, elas morriam. Certos componentes das placas, como fibra de vidro, resinas e materiais cerâmicos, são tóxicos para elas”, diz Luciana. A saída foi fazer uma lenta adaptação do microrganismo às placas. “Começamos misturando 1,25 grama de placa para cada litro de solução contendo as bactérias. Selecionamos os microrganismos resistentes, aumentamos sua população e elevamos a concentração. Repetimos esse processo várias vezes até que, no final do estágio adaptativo, conseguimos misturar 28 gramas de placa por litro. Quanto maior a concentração, mais produtivo é o processo de recuperação do cobre. Isso significa que mais placas podem ser processadas de uma só vez”, diz Luciana. O ineditismo do processo levou os pesquisadores a entrar com um pedido de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Segundo o professor Jorge Tenório, o processo bio-hidrometalúrgico permite extrair 99% do cobre presente no pó triturado das placas de circuito impresso. Curiosamente, o objetivo inicial da pesquisa não era simplesmente recuperar o cobre dos circuitos impressos. Sua intenção era criar uma sequência de etapas que, ao final, deixasse somente resíduos de ouro impregnados nos grãos triturados das placas. Esse metal também está presente nas placas de circuito impresso numa baixa concentração de 0,01%. Pode parecer um teor insignificante, mas 1 tonelada de placa contém 100 gramas de ouro. “Ocorre que a cianetação, o método para extração do ouro, não pode acontecer na presença de outros metais, principalmente o cobre. Daí a importância de recuperar primeiro o cobre para, depois, extrair o ouro das placas”, diz Luciana.
© REPRODUÇÃO
Matérias-primas para recuperação de cobre: placas de computador e rochas como calcopirita e malaquita
Matérias-primas para recuperação de cobre: placas de computador e rochas como calcopirita e malaquita
Empresa mineradora
A recuperação de metais presentes em rejeitos rochosos com a mesma bactéria A. ferrooxidans, entre eles ouro, cobre, níquel e cobalto, foi a motivação que levou um grupo de pesquisadores egressos do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) e do Instituto de Química da USP a montar em março deste ano a Itatijuca Biotech, uma start up instalada na incubadora Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), na Cidade Universitária em São Paulo. “Usamos a biolixiviação para fazer a recuperação de metais em minérios, diminuindo o desperdício e o passivo ambiental das mineradoras”, afirma o químico Érico Perrella, um dos sócios da Itatijuca. “Oferecemos um serviço inédito no país.” Segundo ele, não existe nenhuma empresa no Brasil que realize processamento mineral e recupere metais em rejeitos de mineração empregando biolixiviação, técnica já usada comercialmente em outros países, como Chile e África do Sul.

Devido ao grande conhecimento sobre a bactéria A. ferrooxidans, a professora Denise Bevilaqua, da Unesp de Araraquara, é uma das consultoras do negócio. A bactéria se alimenta de substâncias presentes nas rochas onde o metal está impregnado facilitando sua recuperação. Segundo Perrella, a biolixiviação é uma alternativa biotecnológica aos métodos convencionais de processamento mineral, que liberam no ambiente grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2), dióxido de enxofre e vários materiais tóxicos, entre eles arsênio. Além da vantagem ambiental, a nova tecnologia possibilita o processamento de minérios de baixos teores, os quais não são viáveis economicamente para extração por métodos tradicionais. Durante a biolixiviação, a pilha de minério é continuamente “irrigada” com uma solução contendo a bactéria que solubiliza os metais presentes nela. Esse processo ocorre de maneira contínua e quando se esgotam os metais passíveis de biolixiviação é possível fazer a recuperação do ouro que estava ocluso.
Ouro acessível
Outro serviço oferecido pela Itatijuca é o tratamento de cianeto que reduz o impacto na exploração de ouro. A cianetação é uma técnica executada em minérios e rejeitos rochosos para tornar o ouro residual acessível. “Imagine uma pilha de minério contendo ouro e cobre. Com a biolixiviação, retiramos o cobre. Em seguida, com a cianetação, é feita a recuperação do ouro. Mas aquela pilha de rejeitos fica com alto teor de cianeto, que é uma substância altamente tóxica – 1,25 grama dela é capaz de matar uma pessoa. Então estamos desenvolvendo um tratamento biotecnológico com outra bactéria, que preferimos não revelar o nome, para neutralizar o cianeto e, ao mesmo tempo, gerar a partir dos rejeitos um subproduto ambientalmente inócuo e com valor comercial. Isso é o que chamamos tratamento de cianeto”, explica Fábio Elias, sócio da Itatijuca. O processo de neutralização do cianeto dará origem a um pedido de patente.

O primeiro contrato da empresa está sendo fechado e prevê a recuperação de ouro de uma antiga mina localizada em Minas Gerais, que possui uma pilha de rejeitos, em forma de pirâmide, com 200 metros de extensão por cerca de 75 de largura e 6 de altura. “Vamos usar a biolixiviação e outros processos químicos, como a cianetação, para recuperar os metais da pilha, que se encontra a céu aberto”, explica Elias. De acordo com ele, a empresa prevê obter, a partir de 2016, um lucro de R$ 29 milhões ao ano, caso determinadas condições sejam atingidas. “O negócio atingirá essa lucratividade se considerarmos a recuperação de metais em uma mina com 350 mil toneladas de rejeitos, contendo 4% de cobre e 2 partes por milhão (ppm) de ouro.
Se tudo correr bem, os pesquisadores da Itatijuca têm interesse em entrar em outro ramo, a biolixiviação de fosfato, técnica bem parecida com a dos minérios metálicos. A principal diferença é que, nesse caso, ela é usada para a produção comercial de fertilizantes. “O Brasil importa atualmente uma grande quantidade de minérios fosfatados para uso na agricultura, e essa técnica ajudaria a melhorar a produção brasileira, que é baixa”, diz Perrella. “Estamos fazendo o levantamento inicial para criar um processo comercial usando biolixiviação com fungos, e não bactérias.” O principal desafio da Itatijuca será o custo. Como o fosfato tem baixo valor de mercado, para a técnica ser economicamente viável é preciso processar grandes volumes em curtos períodos de tempo.
Yuri Vasconcelos

Projeto
Recuperação de ouro de placas de circuito impresso de computadores obsoletos através de processo bio-hidrometalúrgico (nº 2010/51009-0); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coord. Jorge Soares Tenório/USP; Investimento R$ 19.550,00 (FAPESP).

Fonte: Revista Fapesp edição 214
Por: Yuri Vasconcelos 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Cérebros conectados

Cientistas norte-americanos colocam pesquisas de comunicação entre cérebros em novo patamar ao fazerem experimento com humanos. No estudo, pesquisador moveu o braço de colega pelo pensamento via internet sem fio.

Rajesh Rao imaginou que movia sua mão para pressionar o teclado de um computador e Andrea Stocco cumpriu o comando, movendo sua mão direita. (foto: Universidade de Washington)
A ciência tem mostrado que transmissão de pensamento é cada vez menos um tema de ficção. Depois que pesquisadores norte-americanos e brasileiros conectaram os cérebros de dois ratos,  foi a vez de cientistas da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, repetirem a façanha com humanos.
Por meio de um experimento que vem sendo chamado de “primeira interface cérebro humano-humano”, os pesquisadores conseguiram fazer com que um deles movesse a mão direita e pressionasse um teclado sob os comandos cerebrais de outro, localizado há quilômetros de distância.
Para isso, eles usaram apenas uma máquina de eletroencefalografia (peça comum em qualquer consultório neurológico), um dispositivo de estímulo magnético (usado para tratamento de doenças psiquiátricas) e internet sem fio. 
O cientista responsável por transmitir o comando, o engenheiro de computação Rajesh Rao, teve sua cabeça coberta com eletrodos ligados à máquina de eletroencefalografia, que capta os sinais elétricos cerebrais. Do outro lado do campus da universidade, o psicólogo Andrea Stocco teve um aparelho de estímulo magnético cuidadosamente preso do lado esquerdo de seu cocuruto, na região precisa correspondente ao córtex motor direito – que curiosamente é a parte do cérebro que comanda a mão direita.
Toda essa preparação tinha a finalidade de tornar possível que Rao, o transmissor, jogasse um jogo de computador pelas mãos de Stocco, o receptor. O objetivo do jogo era defender uma cidade de um ataque pirata disparando um canhão ao apertar a teclaenter. 

O esquema mostra cada etapa do experimento. (foto: Universidade de Washington)
Rao apenas imaginou que movia sua mão no teclado para disparar fogo. Nesse momento, o sinal elétrico de seu cérebro captado pelo eletroencefalograma foi transmitido por internet sem fio até o dispositivo acoplado a Stocco. O aparelho então disparou um estímulo magnético no cérebro, fazendo com que sua mão se movesse contra sua vontade e lançasse fogo no navio pirata do joguinho.
“Senti meu dedo se movendo sem ter consciência disso, foi como um tique nervoso”, descreve Stocco.
Para atingir o feito, foram necessários anos de estudo. O maior desafio foi encontrar a região precisa do cérebro responsável pelo movimento da mão direita e, em seguida, dosar o estímulo para obter o movimento de dedo adequado. A neurocientista Chatel Prat, que também integra a equipe que conduziu o experimento, conta à CH On-line que somente para a primeira etapa foram cinco anos de pesquisa. 
Stocco: “Senti meu dedo se movendo sem ter consciência disso, foi como um tique nervoso”
“Precisamos de muita prática até encontrar a estimulação mínima necessária para gerar um sinal cerebral capaz de mover o músculo do dedo”, diz. “Experimentamos (e brincamos) com diferentes configurações até encontrar a mais precisa e confortável.”
A declaração da cientista pode levar a pensar que a escolha de um jogo para o experimento foi apenas pela diversão. No entanto, o jogo teve um propósito: garantir que o sinal enviado pelo transmissor fosse intencional e não arbitrário. “Sabendo o momento em que o canhão deveria ser disparado, pudemos garantir que o sinal enviado foi intencional”, explica Prat. “O jogo capitalizou o tipo de efeito que queríamos ter no receptor, permitindo que dois sujeitos colaborassem para desempenhar uma tarefa on-line.”
Confira o vídeo do experimento: http://www.youtube.com/watch?v=rNRDc714W5I

 Mais do mesmo?  
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que comandou o experimento em que um rato transmitiu informação para o cérebro de outro, disse não estar surpreso com o novo feito. “O que eles fizeram não foi uma verdadeira interface cérebro-cérebro com comunicação entre duas pessoas, mas apenas uma via de mão única”, diz à CH On-line. “É muito cedo para declarar vitória na criação de uma interface humana de verdade.”
Nicolelis: “É muito cedo para declarar vitória na criação de uma interface humana de verdade”

Prat não chega a exaltar a pesquisa de sua equipe, mas destaca que o grande diferencial do experimento foi usar técnicas não invasivas para conectar os cérebros – diferentemente do que faz Nicolelis, que usa eletrodos implantados cirurgicamente no cérebro dos ratos. 
“Em termos de avanço científico, o que fizemos foi criar uma nova forma de usar tecnologias que já funcionam bem independentemente”, diz a neurocientista.“O maior diferencial é que podemos implantar nossa técnica em humanos que estão cientes do seu coenvolvimento e colaboração para resolver uma tarefa complexa.”
Possibilidades futuras
A cientista acredita que a verdadeira comunicação entre cérebros, em que haja uma transmissão de pensamentos consciente por ambas as partes, ainda está longe da realidade. “Vemos essa possibilidade como uma área excitante de pesquisa no futuro, mas para isso precisamos tanto de avanços na engenharia quanto na neurociência”, afirma. 

Apesar do sucesso do experimento, os pesquisadores ressaltam que a comunicação real entre cérebros (habilidade do personagem Spock, de 'Jornada nas estrelas') ainda está longe da realidade. (foto: reprodução)
Apesar disso, Prat e sua equipe já sonham com as possíveis aplicações de seu trabalho no futuro. Uma delas seria usar a técnica no treino e no controle remoto de pessoas em situações que exigem movimentos motores complexos, como conduzir uma cirurgia. 
A ligação cérebro-cérebro também poderia ser usada para transferir conhecimentos complexos e para ajudar na reabilitação de pessoas com deficiências neurológicas. “Com a interface poderíamos ensinar ideias difíceis de expressar pela linguagem, como conceitos matemáticos, e até – o que me comove mais – prover o controle motor adequado a pacientes com danos cerebrais, reescrevendo seus circuitos neurais pela prática”, comenta Prat.
No controle
Por mais promissoras que sejam suas aplicações futuras, a experiência abre margem para questionamentos sobre o controle indevido sobre o outro. Não é difícil imaginar que a técnica possa ser usada para controlar pessoas a distância em situações escusas.  
Prat: “Se alguém quisesse forçar outra pessoa a se comportar de certo modo contra sua vontade, seria muito mais fácil usar uma arma para ameaçá-la”
Prat acredita, no entanto, que um cenário como esse requereria uma supertecnologia. “Não consigo imaginar uma situação em que nossa técnica pudesse ser usada para o mal que não demandasse elementos tecnológicos e científicos muito mais avançados do que os necessários para os cenários bons que imaginamos”, diz. 
A cientista ressalta ainda que seria difícil que a pessoa supostamente controlada não soubesse da interferência. “A participação voluntária é absolutamente necessária, pois não existe mecanismo para interferir no cérebro de alguém sem que a pessoa esteja conectada a um grande dispositivo de estímulo magnético”, comenta. “Além do mais, se alguém quisesse forçar outra pessoa a se comportar de certo modo contra sua vontade, seria muito mais fácil usar uma arma para ameaçá-la do que usar essa cara e pouco desenvolvida tecnologia.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line