Colaboradores

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Cada medo é um medo

Formas distintas de ameaça ativam circuitos diferentes no cérebro

Maria Guimarães

Quando um animal é posto numa situação que percebe como risco de perder a vida – um rato dentro de uma gaiola com um gato, por exemplo –, ele rapidamente a memoriza. Nos dias seguintes, basta pôr o rato na gaiola, ainda que sem o gato, para suscitar uma reação idêntica de pânico paralisante. “Nesse momento o animal mobiliza o mesmo sistema neural utilizado para se defender do predador”, explica o médico e neuroanatomista Newton Canteras, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Ele e sua equipe descobriram que, além de existirem circuitos cerebrais distintos para cada tipo de medo (ver reportagem Os caminhos do medo), a memória também está envolvida no processo que leva a reações que diferem conforme a situação.
 
“Diante de um predador, os ajustes fisiológicos necessários são diferentes daqueles ativados quando um indivíduo se confronta com um agressor da mesma espécie”, explica Canteras. Um artigo que ele escreveu em parceria com Cornelius Gross, do Laboratório Europeu de Biologia Molecular em Monterotondo, Itália, compila o que se sabe sobre o funcionamento neurológico do medo e estampa a capa da Nature Reviews Neuroscience de setembro. A ilustração da capa representa os três tipos de medo descritos no artigo: um leão para o medo do predador, um homem com um taco de beisebol para o medo social e um dentista evocando o medo da dor. “São três vias diferentes no cérebro”, explica o pesquisador da USP.
 
Tanto a memória quanto as pistas do ambiente (como cheiros, sons e imagens) são integradas numa região do cérebro conhecida como amígdala, uma estrutura que fica no lobo temporal. Dali, os estímulos nervosos são transmitidos para o hipotálamo, alojado na base do encéfalo. Muitos laboratórios no mundo todo têm investigado exatamente quais áreas dessas estruturas do cérebro atuam nos diferentes tipos de medo, causando elevação de pressão e alterações hormonais (os tais ajustes fisiológicos) que, por sua vez, geram reações distintas, conforme mostra o artigo na Nature Reviews Neuroscience. Quando enfrenta agressão social, provocada por um indivíduo da mesma espécie, as regiões ativadas no hipotálamo estão mais relacionadas às relações sociais e o rato arqueia as costas numa posição de submissão. Já quando teme sentir dor ou confronta um predador, a primeira reação é congelar. Nesta segunda situação, caso a estratégia fracasse em torná-lo invisível, o rato dá saltos para trás numa tentativa de fuga.
 
Essa atitude quando há risco (aparente, ao menos) à vida pode ser semelhante ao que pessoas enfrentam em guerras ou em situações de violência como um assalto à mão armada. O mecanismo que fixa a memória instantaneamente nos ratos pode ser o mesmo que gera o transtorno de estresse pós-traumático. Entender a neurofisiologia do medo, os pesquisadores esperam, pode ajudar a desvendar – e quem sabe tratar – casos em que ele se torna incapacitante.
 
Fonte: Revista Fapesp  Edição Online 15:14 - setembro de 2012
Imagem: Eduardo César

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